Fatos, versões, mentidos e desmentidos têm povoado nos últimos dias o noticiário sobre as imagens gravadas pela Polícia Federal da condução coercitiva de Luiz Inácio Lula da Silva, ocorrida no início do ano passado. Que os federais gravaram sua própria entrada armada na casa de Lula às 6h da manhã, invadindo a privacidade do ex-presidente e de Dona Marisa naquele dia 4 de março, já não resta dúvida: a própria autoridade policial admitiu isso em nota, quando ficou difícil fazer outra coisa.
O que ainda comporta versões conflitantes é se essas imagens captadas pela polícia sem autorização judicial foram vazadas para órgãos de imprensa e para a equipe de produção do filme “Polícia Federal – A Lei é Para Todos”, ainda a ser lançado. Se assim for, como apregoa o título da película, tal vazamento é crime, deve ser investigado, desvendado e punido.
Há quem diga que tais imagens foram, sim, vazadas. Também há quem diga que jamais foram vazadas. E os que dizem que não só foram vazadas, como assistidas por eles, e estudadas, encenadas e gravadas por uma equipe de cinema. Finalmente, há os que disseram uma coisa e depois disseram outra.
“Sim, vazou”
Primeiramente, os que dizem que tais imagens foram, sim, vazadas. A revista Veja é um exemplo. No dia 3 de fevereiro deste ano, publicou como reportagem o texto “Os bastidores do filme sobre a Operação Lava Jato”. Nele, está escrito:
“ A VEJA teve acesso à íntegra da gravação de todo o processo (condução coercitiva do ex-presidente), feita por câmera digital acoplada ao uniforme de um agente da PF. Lula, que abre a porta antes mesmo de os agentes baterem, estava vestido para ir à academia.”
Outro exemplo daqueles que dizem que sim, que tais imagens foram vazadas, é o jornal Folha de S.Paulo, que, no dia 12 de fevereiro, publicou: “Filme da Lava Jato custa R$ 15 mi, tem investidor secreto e estreia em julho”. Baseado em entrevistas e encontros com a equipe de produção do filme, o diário conta como foram feitas as cenas, quem são os atores etc. Em dado momento, escreve:
“(O ator) Ary Fountoura interpreta o ex-presidente, que usava roupa de ginástica (ia para a academia) quando a PF bateu à porta, em março de 2016. Achou que estava sendo preso. Um dos delegados diz que não, que ‘isso se chama prisão coercitiva’. ‘Isso se chama filha da putice’, rebate Lula, levado à força para uma área policial no aeroporto de Congonhas”
“A ficção oferece versão mais enxuta do que se passou naquela manhã, segundo gravação que a PF fez no dia”.
Como a Veja e a Folha, outros veículos de imprensa de maior e menor importância também informaram o vazamento das imagens feitas pela PF durante a condução coercitiva autorizada por Sérgio Moro.
“Não vazou”
Há os que afirmam que tais imagens nunca foram vazadas. Entre eles, está o juiz de primeira instância da 13ª Vara Federal de Curitiba Sérgio Moro, que assinou os mandados de busca e apreensão e de condução coercitiva de Lula naquele dia 4 de março. Junto com os mandados, proferiu ordem para que as imagens da operação não fossem gravadas, evitando assim que eventualmente fossem utilizadas para ferir a imagem e a honra daqueles que estavam sendo submetidos à coerção, busca e apreensão.
Moro prefere crer que imagens não vazaram. Se vazaram, significa que sua determinação foi solenemente ignorada
Depois que órgãos de imprensa como Veja e Folha passaram a divulgar que as imagens da condução coercitiva de Lula não só haviam sido gravadas, como repassadas a veículos de comunicação e produtores de filme, os advogados de Lula peticionaram questionando o juiz Moro. Queriam que fosse posta alguma ordem a respeito do assunto, já que grassava a notícia de que sua determinação a respeito de imagens da condução coercitiva estava publicamente sendo ignorada.
Assim, no último dia 24, ele respondeu. Determinou à Polícia Federal que se manifestasse em cinco dias, mas que, salvo melhor juízo:
“Não consta que qualquer gravação efetuada durante a diligência de condução coercitiva tenha sido disponibilizado (sic) à produção do filme ou a qualquer veículo de imprensa. Se o último fato tivesse ocorrido, aliás, provavelmente tais imagens já teriam sido publicizadas”.
Quem também afirma com todas as letras que jamais existiu qualquer vazamento das imagens é o delegado federal que era responsável por zelar pelo sigilo dessas imagens. Seu nome é Igor Romário de Paula. Ele respondeu ao pedido de informações do juiz sobre o assunto na última terça-feira (28), depois das declarações de vazamento publicadas pela imprensa, da reclamação da defesa de Lula e da determinação de Moro. Começou por admitir a gravação das imagens, tendo julgado não agir ilegalmente. Depois, negou qualquer vazamento, como se lê em reportagem do jornal Valor Econômico:
“A determinação expressa na ordem judicial expedida não se refere à gravação feita pela Polícia Federal durante a realização da diligência, mas à veiculação indevida e desnecessária de imagens captadas que venham porventura expor desnecessariamente a figura do então investigados nestes autos, o que de fato não ocorreu.”
“Em momento algum as imagens realizadas naquela data foram fornecidas a terceiros, sendo anexadas ao processo eletrônico correspondente somente imagens do depoimento realizado e posteriormente desgravado.”
“Vazou, sim, e eu vi”
Há os que dizem que as imagens da condução coercitiva de Lula determinada por Sérgio Moro não só foram vazadas como exibidas aos atores que trabalharam na filmagem de “Polícia Federal – A Lei é Para Todos”.
Ary Fontoura, que tenta interpretar Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, jamais fez segredo sobre o que envolveu sua preparação para o papel a que se prestou, que ele mesmo reconheceu como “muito difícil”. É o que mostra entrevista do ator à revista Veja, publicada no dia 5 de fevereiro e realizada dias antes, com Fontoura na porta do prédio da PF em Curitiba:
“Sua maior fonte de inspiração será mesmo o filme de quase duas horas feito pela Polícia Federal que mostra como Lula reagiu quando os investigadores bateram à sua porta, às 6 horas da manhã, no dia 4 de março de 2016, para levá-lo coercitivamente para depor:”
“Veja: Por que é um papel difícil?
Ary Fontoura: Por se tratar de um personagem real e vivo. Além do mais, é um filme didático que vai mostrar a operação exatamente como ela é. O primeiro filme acaba justamente com a condução coercitiva do Lula, um dos momentos mais tensos da Lava-Jato. Muita gente ainda não sabe o que aconteceu quando a polícia bateu na porta do apartamento do Lula naquela sexta-feira, 4 de março de 2016. “
“Veja: O que o senhor veio fazer na sede da Polícia Federal de Curitiba?
Ary Fontoura: Vim sentir o clima da Lava-Jato e assistir às gravações que a PF fez da condução coercitiva do Lula. Minha participação no filme começa com a Polícia Federal batendo na casa dele até o depoimento no aeroporto de Congonhas.
Com o mesmo ar desinibido o ator concedeu entrevista ao site “Adoro Cinema”, publicada no dia 10 de fevereiro. Enquanto dizia que tinha ido à Polícia Federal em Curitiba para ter acesso a informações do inquérito de Lula para que assim pudesse trabalhar melhor seu personagem de cinema, ele contou como foi recebido pela PF na capital paranaense (a partir dos 3min41 do video do link acima):
“Se teve, diga-se de passagem, uma abertura fantástica. Porque eles acham que sim, e muito, e muito acertadamente, que todo o povo tem direito a ver as coisas que eles têm gravadas, as prisões que foram efetuadas, porque foram feitas do povo para o povo”.
Disse uma coisa e depois outra
Finalmente, sobre as imagens da coerção de Lula, há os que primeiro disseram que vazaram, e atualmente afirmam que não vazaram.
É o caso do produtor do filme, Tomislav Blazic. No dia 12 de fevereiro, ele dizia ao jornal Folha de S.Paulo que firmara “um acordo sem precedentes” com a Polícia Federal, passando a ter “canal aberto” com agentes, acesso à carceragem e “à gravação que a Polícia Federal fez no dia” da condução de Lula.
Nesta semana, porém, após a reclamação da defesa de Lula, da determinação de Sérgio Moro e das afirmações convictas de não vazamento da Polícia Federal, o produtor deu declarações inéditas à imprensa. Ao jornal O Globo, por exemplo, disse, no último dia 27, não ter – nem nunca ter tido – qualquer vídeo da condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Disse também que sequer recebeu qualquer tipo de colaboração da Polícia Federal nas filmagens. “Não sei de onde tiraram essa informação. Isso simplesmente não é real.” Depois da manifestação do produtor, o jornal Folha de S. Paulo e a revista Veja reafirmaram as informações publicadas em contrário à nova afirmação de Blazic.
Resta saber quem está mentindo: se Igor Romário ao dizer que não vazou, ou Ary Fontoura ao afirmar mais de uma vez que assistiu essas imagens na Polícia Federal em Curitiba.