“Amanhã vai ser outro dia”: a arte e a luta pela democracia no Brasil

Compartilhar:

Todo o artista tem de ir aonde o povo está. A máxima cantada por Milton Nascimento na música “Bailes da Vida” ganha um novo significado quando é preciso lutar pelo estado democrático de direito.

Foi assim na época da ditadura, foi assim na luta pela redemocratização do país e foi assim ontem, na Cinelândia, no Rio de Janeiro, quando Fernando Haddad teve um encontro com artistas. Há algumas semanas, vários artistas e intelectuais se uniram para declarar apoio ao candidato à presidência pela coligação “O povo feliz de novo” e à sua vice, Manuela D’Ávila, através de um abaixo-assinado que colheu mais de 700 nomes.

Com a proposta de retomar a soberania do país, combalida após o golpe de 2016, Haddad e Manu, os candidatos de Lula, são também os candidatos dos artistas que reconhecem o compromisso de ambos com o povo brasileiro.

Será mais um momento histórico protagonizado por esses brasileiros que nunca fugiram à luta.

Ditadura

A história recente do Brasil é marcada por momentos de perseguição à livre criação artística. Com a instauração do Ato Institucional número 5 (AI-5), em 1968, a ditadura militar, iniciada com o golpe de 1964, recrudesceu no Brasil. A perseguição a músicos, atores, diretores, poetas, pintores, roteiristas, cineastas se intensificou, mas eles não se intimidaram. Enfrentaram os militares com suas obras que denunciavam um estado totalitário. Peças, músicas, filmes, livros tinham que passar pelo crivo da censura impiedosa dos golpistas. Eles resistiram e, como resultado, muitos foram presos, torturados ou obrigados a se exilar na América Latina e na Europa, para fugir do regime militar, que durou mais de 20 anos no Brasil.

“Hoje você é quem manda / Falou, tá falado / Não tem discussão / A minha gente hoje anda / Falando de lado / E olhando pro chão, viu / Você que inventou esse estado / E inventou de inventar / Toda a escuridão/ Você vai pagar e é dobrado cada lágrima roubada desse meu penar. Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”.

Os versos de “Apesar de Você”. de Chico Buarque. são um recado direto aos militares, anunciando que nada é para sempre. Mas, para a surpresa de todos, a música foi liberada na época, porque os censores acreditaram se tratar de uma briga de namorados. Assim que perceberam ao que a música se referia, os militares voltaram atrás e a proibiram. De todo modo, acabou virando hino! De uma atualidade ímpar, alguém poderia dizer que cai como uma luva para Michel Temer, por exemplo.

Diretas Já

E se os artistas brasileiros resistiram bravamente aos militares, eles foram o brilho da festa pela volta da democracia no Brasil. Nos palanques pelas Diretas Já!, em 1984, lá estavam eles acompanhados de políticos como Lula, Leonel Brizola, Teotônio Vilela, Ulisses Guimarães, entre tantas outras celebridades, reunindo multidões em todo o país, que tinham o mesmo desejo: votar pra presidente.

Já podaram seus momentos/ Desviaram seu destino/ Seu sorriso de menino/ Quantas vezes se escondeu/ Mas renova-se a esperança/ Nova aurora a cada dia/ E há que se cuidar do broto/ Pra que a vida nos dê/ Flor, flor e fruto“.

A música Coração de Estudante, composta por Milton Nascimento e Wagner Tiso, virou hino do movimento Diretas Já. O que pouco gente sabe é que ela foi composta originalmente por Tiso para homenagear João Goulart, presidente deposto em 1964, no filme “Jango”, de Silvio Tendler. Quando Milton escreveu letra, ele se inspirou no estudante Edson Luís, um dos primeiros estudantes mortos pela ditadura militar, em 1968.

Hoje

Não é preciso que aconteça mais uma ditadura para que artistas denunciem qualquer abuso, violência ou discriminação dos quais são testemunhas.

A carne mais barata do mercado é a carne negra/ Que vai de graça pro presídio/ E para debaixo do plástico/ Que vai de graça pro subemprego/E pros hospitais psiquiátricos”.

Os atualíssimos versos de “A Carne”, interpretados por Elza Soares, denunciam a dura realidade atual dos negros no país. Eles são maioria nos presídios brasileiros, são vítimas do genocídio da população negra, do racismo institucional e estrutural da sociedade, e são os que ganham menores salários.

Não são só os músicos e suas canções que resistem a qualquer tipo de opressão historicamente no Brasil.  Atores/diretores e seus espetáculos teatrais; artistas plásticos e suas performances; escritores e seus livros; cineastas e seus filmes: são inúmeros os exemplos no Brasil dos que lutaram bravamente pela liberdade de se expressar das mais variadas formas. E eles vão continuar na batalha, porque se calar não é uma opção. Chico Buarque e Gilberto Gil interpretando os versos de “Cálice” no Festival Lula Livre expressam a atualidade da música e da luta por democracia no Brasil.