O capitalismo está destruindo o planeta e a democracia do sistema ainda é de minorias. As definições da ativista norte-americana Angela Davis, na conferência de encerramento do seminário Democracia em Colapso?, neste sábado (19), compuseram uma síntese do evento promovido pela editora Boitempo e o Sesc São Paulo: o mundo precisa rever seu modelo de organização econômica e a democracia ainda é uma luta a ser travada.
Ecoa, assim, termos já empregados por dezenas de palestrantes ao longa da semana, inclusive suas compatriotas Silvia Federici e Patricia Hill Collins.
“A democracia, nos Estados Unidos como no Brasil, é uma democracia racista porque exclui os negros, é misógina porque exclui as mulheres, é elitista porque exclui os pobres, inclusive homens brancos, e é excludente também com as pessoas com deficiência”, afirma. “A democracia que virá terá de corrigir tudo isso.”
Aos 75 anos, Angela Davis continua sendo um furacão por onde passa. A professora, filósofa e perseguida política em seu país durante as décadas de 1960 e 1970, de grandes lutas pelos direitos civis, lotou o auditório do Sesc Pinheiros, na zona oeste em São Paulo. E o saguão da unidade onde a conferência “A liberdade é uma luta constante” foi exibida em um telão, com tradução simultânea para centenas de pessoas.
Um público eclético, formado em sua maioria por jovens, negros e brancos, mas também pessoas de todas as idades e classes sociais, fez uma festa para recebê-la.
Angela é reconhecida no mundo todo por sua luta em defesa dos direitos das mulheres e contra a discriminação social e racial. Pagou caro por sua luta. Permaneceu presa, sem saber se seria levada à cadeira elétrica, por 16 meses. Ficou ainda maior.
O movimento Libertem Angela Davis tomou o mundo, tornando a ativista uma personalidade internacional. Tornou-se música – Angela, de John Lennon e Yoko Ono, e Sweet Black Angel, dos Rolling Stones. E, na música, reconheceu a luta das mulheres nos anos 1920 cantavam denunciando a violência de gênero no trabalho e em casa, historia que conta no livro O legado do blues e o feminismo negro.
A ativista foi generosa com os anfitriões. Abriu sua fala enaltecendo as lutas brasileiras por igualdade e liberdade, as conquistas alcançadas em décadas dessas lutas, a diversidade cultural e étnica. E defendeu que o Brasil deveria ser a referência para que o povo do continente pudesse ser chamado de povo americano, e não os Estados Unidos.
Angela tratou com destaque o legado de Marielle Franco, ressaltando a chamada interseccionalidade de suas causas – o entendimento de que as injustiças de renda, raça, gênero, e ausência de cidadania estão relacionadas a uma causa comum.
Ergueu o braço com o punho cerrado e acolheu como seus os gritos de “ Lula livre”. Manifestou solidariedade a Janice Ferreira da Silva, a Preta, liderança do Movimento dos Sem Teto do Centro (MTSC) recém-libertada por meio de um habeas corpus que ainda impõe uma série restrições ao seu direito de ir e vir. E encantamento: “Uma mulher negra presa injustamente que jamais esqueceu de lembrar que não é a Preta, mas milhares de mulheres negras presas injustamente”.