Requião: “O povo brasileiro não retornará submisso à senzala”

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O senador Roberto Requião (PMDB-PR) apresentou nesta terça-feira (30), no Senado Federal, suas razões finais para condenar o golpe parlamentar contra a presidenta Dilma Rousseff.

Em seu discurso, Requião citou Tancredo Neves, que chamou de canalhas os parlamentares golpistas de 1964, e a carta testamento  de Getúlio Vargas, de 1954: “Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte.”

Rememorando os dois golpes de estado contra governos populares, Requião afimou que o povo brasileiro “não retornará submissamente às senzalas” e disse que os senadores precisam ter a consciência das consequências do golpe contra uma presidenta que nunca cometeu crime de responsabilidade. “Que depois nenhum (senador) alegue ignorância ou se diga trapaceado”. 

Confira o discurso de Requião:

 

Aqui, a íntegra do discurso do senador Roberto Requião:

Não pretendo, nesta histórica sessão, moderar a linguagem ou asfixiar o que penso. Não vou reprimir a indignação que me consome.

Canalha!Canalha!Canalha!

Assim Tancredo Neves apostrofou Moura Andrade que declarou vaga a Presidência, com Jango ainda em território nacional, consumando o golpe de 1964.

Duvido que um só de nós esteja convencido de que a presidente Dilma deva ser impedida por ter cometido crimes.

Não são as pedaladas ou a tal da irresponsabilidade fiscal que a excomungam.

O próprio relator da peça acusatória praticou-as à larga.

Só que lá em Minas não havia um providencial e desfrutável Eduardo Cunha e nem um centrão querendo sangue, salivando por sinecuras e pixulecos.

A inocência do relator é a mesma de Moura Andrade declarando vaga a Presidência.

Ah, as palavras de Tancredo coçam-me a garganta.

Este Senado está prestes a repetir a ignominia de março de 64.

O que se pretende?

Que daqui a alguns anos se declare nula esta sessão, com declaramos nula a sessão que tirou o mandato de Goulart e peçamos desculpas à filha e aos netos de Dilma?

Tudo bem.

Se mesmo sem culpa, esta Casa condenar a presidente, que cada um esteja consciente do que há de vir.

Que ninguém, depois, alegue ignorância ou se diga trapaceado, porque as intenções do vice que quer ser titular são claras, solares.

Vejam só alguns casos exemplares.

1. Desvincular o reajuste das aposentadorias e pensões do aumento do salário mínimo. Será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda do país, que é a Previdência Social.

Se pensões e aposentadorias não mais acompanharem o aumento do salário mínimo vai ser um massacre contra mais de 20 milhões de brasileiros.

Para quê?

Para pagar os juros da dívida;  os juros que são hoje o maior instrumento de concentração de renda no Brasil.

2. Rever direitos e garantias sociais acumulados ao longo dos últimos 80 anos, especialmente direitos e garantias previstos na CLT. Impor, como pedra de toque dessa revisão, o negociado sobre a legislado.

3. Eliminar tímidas conquistas na área da igualdade de gênero.

4. Congelar por inacreditáveis 20 anos as despesas correntes e de investimento da União, excetuando-se as despesas financeiras com o serviço da dívida pública.

Ou seja: congelar por duas décadas as despesas com saúde, educação, segurança pública, saneamento, infraestrutura, habitação, mas garantir o pagamento de juros.

É como proibir que, por 20 anos, nasçam crianças, que jovens tenham acesso às escolas; que os brasileiros envelheçam ou fiquem doentes. E assim por diante.

É espantoso que algum ser humano tenha um dia concebido tamanha barbaridade. E mais espantoso ainda que algum ser humano possa aprovar isso.

5. Privatização em regra e alienação radical de todo o patrimônio energético, mineral, florestal, agrário, territorial, hídrico, fabril, tecnológico e aéreo do Brasil.

Depois da entrega do pré-sal, da venda de terras para os estrangeiros, querem entregar até mesmo o  Aquífero Guarani, a maior reserva de água potável do planeta.

O desmantelamento do país, o esquartejamento de nossa soberania e a submissão aos interesses geopolíticos globais gritam, berram, expõem-se à vista de todos.

Tudo bem.

Se as senhoras e o senhores concordam com a redução do Brasil a um medíocre estado associado, outro Porto Rico, que se sintam servidos. Não será a primeira vez que os abutres e os corvos caem sobre o nosso país, retalhando-o, estraçalhando-o, sugando-o.

Essa combinação explosiva de entreguismo com medidas contra os aposentados, os assalariados, os mais pobres, contra direitos e conquistas populares alimentam as contradições de classe, em consequência, a luta de classes.

As senhoras e os senhores estão preparados para a guerra civil?

Não? Entrincheirem-se, então, porque o conflito é inevitável.

O povo brasileiro, que provou por alguns poucos anos, o gosto da emergência social não retornará submissamente à senzala.

Os dias de hoje, esses infelizes dias, lembram-me outros dias, também dramáticos, decisivos:

os dias de agosto de 1954.

Assim, leio trechos da Carta Testamento de Vargas porque nela se reproduzem o drama de agora.

      “Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam; e não me dão o direito de defesa.

 

Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

(….)

A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho.

(…….)

Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.

Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma.

(…..)

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo e renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado.

Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue.

Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado.

Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência.

(….)

Esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto.

O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história.