Após o fracasso das políticas neoliberais vivenciadas na América Latina nos anos 1990, os governos progressistas surgidos no começo dos anos 2000 se caracterizaram por adotar políticas econômicas pouco ortodoxas e que, em sua grande maioria, contrariavam os ditames feitos pelo FMI (Fundo Monetário Internacional). O resultado disso foi sentido no aumento do salário médio dos trabalhadores, do poder aquisitivo nos países e em um avanço da desconcentração de renda.
Passados 15 anos do início desse processo e com a substituição de governos progressistas por líderes mais alinhados ao neoliberalismo, a política exitosa – responsável por tirar mais de 72 milhões de pessoas da pobreza e por cumprir as metas de desenvolvimento do milênio lançada pela ONU – também é afetada e, com ela, o modelo econômico de mais independência dos organismos internacionais, como o FMI.
Exemplo deste cenário verifica-se na Argentina. Após os governos dos presidentes Néstor e Cristina Kirchner terem uma postura de hostilidade ideológica com o organismo, o atual presidente, Mauricio Macri têm alinhamento diferente, de reaproximação e submetimento da política do país aos ditames consagrados por levar a região à situação de alta de desemprego, fome e instabilidade no passado.
Neste cenário, as recentes conclusões do FMI sobre o país rio-platense, divulgadas em meados do mês passado, felicitam o governo Macri e ressaltam que “ao entrar em funções em dezembro do ano passado, o novo governo enfrentou desequilíbrios macroeconômicos generalizados, distorções econômicas e um marco institucional debilitado. Os níveis de consumo eram insustentavelmente elevados, o investimento se encontrava em níveis historicamente baixos”, em referência às gestões anteriores. O organismo também questionou a proteção à indústria nacional, a luta contra a fuga de capitais e as regulações sobre a definição de preços aplicada pelo governo anterior.
O conselho do FMI para colocar a “economia do país nos trilhos novamente” passa por cortar o gasto público, ou seja, o investimento do Estado em programas sociais, por exemplo, aumentar a rentabilidade de empresas e as exportações. Assim como o receituário aplicado nos anos 1990, o organismo defende o aumento das margens de lucro das empresas, o que tem como contrapartida a redução do salário real e do consumo da população (que, como comentaram os experts em seu informe, estava muito alto no ano passado).
Os efeitos das mudanças econômicas começam a ser sentidas no país. Não da forma como os economistas do FMI apregoam aos países do terceiro mundo, mas na redução do emprego e aumento da pobreza. De acordo com o jornal argentino Página/12, em 2016 espera-se um déficit fiscal de 5 pontos do PIB (no ano passado, sob o governo de Cristina Kirchner, foram 4 pontos). Já a inflação será de 45%, o dobro de 2015. Além disso, embora seja de difícil comparação com anos anteriores – porque o governo Macri mudou a metodologia de computar os dados – hoje 32,3% dos argentinos vivem na pobreza. É um a cada três habitantes do país. O último levantamento que se tinha até o momento, 2012, registrava que apenas 5,4% da população da Argentina era pobre.
Na região, onde verifica-se um aumento de governos conservadores e, como já dissemos, alinhados aos ditames do FMI, a perspectiva da ONU é de que haja um aumento de 2,8 milhões de pobres em 2016. O aumento de pessoas em situação de pobreza na região é um fenômeno observado pela primeira vez em uma década, como diz o informe Progreso multidimensional: bienestar más allá del ingreso.