“Não é da nossa incumbência darmos-lhe explicações. Volte para o seu quarto e aguarde. O processo já está em andamento, o senhor será informado de tudo na devida altura.”
O Processo – Franz Kafka
Na última segunda-feira (10), o advogado Cristiano Zanin Martins apresentou à imprensa nacional a peça que protocolou na Justiça em resposta à acusação dos procuradores da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Dentre as mais de dez inconsistências apontadas no documento dos procuradores, uma delas chama a atenção pela afronta desabrida e perigosa à legalidade que representa: a existência de um inquérito oculto na Polícia Federal, que veio a desembocar na acusação de que Lula teria recebido propina de uma empreiteira na forma de um apartamento no Guarujá, cuja propriedade não é nem nunca foi do ex-presidente.
Contrariando a previsão legal e o Estado de Direito, o Inquérito Policial nº 5035204-61.2016.4.04.7000 correu às escondidas desde sua instauração, no dia 22 de julho deste ano, até o dia 24 de agosto, quando o STF (Supremo Tribunal Federal), atendendo a uma reclamação da Defesa, ordenou que os policiais fizessem o que manda a lei: tornar transparentes seus procedimentos investigatórios, possibilitando, assim, o direito ao contraditório e à ampla defesa. Quando autoridades de investigação escondem seus trabalhos, mostram que estão mais preocupadas em acusar do que esclarecer os fatos. Quem perde não é só o acusado, mas toda a sociedade, que fica a mercê de práticas policialescas que reduzem os direitos do cidadão e ampliam o poder do aparato repressivo estatal.
Os policiais da Lava Jato até hoje não explicaram o motivo que os levou a contrariar a Lei 13.245/16, que não deixa margem para dúvidas na medida em que apregoa, mesmo para as investigações que correm sob segredo de Justiça, que é de livre acesso aos advogados de defesa todos os autos de uma investigação, com exceção dos “elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos”.
Quer dizer: pela lei e pelos princípios basilares do Estado de Direito, qualquer pessoa que sofre uma investigação tem o direito de conhecer os termos em que é investigada, tomar ciência sobre os documentos que a autoridade policial junta contra si, saber quais acusações pesam sobre ela. Mas não agiram assim os policiais federais da Lava Jato.
Dois dias após serem obrigados por mando judicial a cumprir a lei e fornecer à Defesa as peças da investigação até então oculta, os policiais já indiciaram Lula. “Quer dizer, tivemos apenas 48 horas para conhecer toda a investigação, apresentar os esclarecimentos que entendíamos necessários e solicitar as diligências que poderiam esclarecer os fatos e provar a inocência do ex-presidente. É óbvio que não foi possível concluir nossa defesa a tempo, e ainda assim a Polícia Federal precipitou o indiciamento, mostrando que estava mais preocupada em incriminar a pessoa de Lula do que efetivamente esclarecer os fatos investigados. Não importa o que Lula tem a dizer, a disposição de denunciá-lo é evidentemente maior do que a de buscar a verdade”, diz Cristiano Zanin Martins.
O indiciamento do ex-presidente se deu no dia 26 de agosto. O inquérito se transformou em uma caudalosa denúncia de 149 páginas no dia 14 de setembro. O juiz Sérgio Moro acatou a acusação e passou a processar o ex-presidente no dia 20 do mesmo mês. Quando se trata de incriminar Lula, a Justiça falha, mas não tarda.