Por que delações vazadas são contrariadas por seus autores quando falam em juízo?

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No dia 1º de setembro de 2016, o ex-deputado federal Pedro Corrêa (PP-PE) – que se encontrava preso na sede da Polícia Federal em Curitiba – assinou um acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. Condenado a mais de 20 anos de prisão, Corrêa afirmou, em sua delação, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tratava com intimidade o ex-executivo da Petrobras Paulo Roberto Costa, por sua vez também condenado e preso na Lava Jato. Segundo o ex-parlamentar, Lula tratava o executivo por “Paulinho”, e despachava com frequência com o funcionário da estatal. 

Grande parte da imprensa brasileira simplesmente tomou como verdade o que disse o delator que buscava se livrar da cadeia. “Lula tratava o executivo carinhosamente como Paulinho”, decretou a mídia.

Eis então que Paulo Roberto Costa, na ocasião em que foi à Justiça depor como testemunha (ou seja, com a obrigação legal de não faltar com a verdade) em frente ao juiz Sérgio Moro, disse, com todas as letras, o que se pode ouvir no vídeo abaixo: que ele jamais teve intimidade com o ex-presidente Lula, que o viu pessoalmente em duas ou três ocasiões, sempre em eventos reunindo outros executivos da Petrobras, que nunca conversou a sós com Lula sobre qualquer assunto, e que nunca foi chamado de “Paulinho por Lula”.

Já o ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS), que foi preso enquanto ainda estava ocupando o cargo, porque foi flagrado em uma gravação arquitetando um plano para tirar do país um executivo embaraçado com a Justiça, também assinou um acordo de delação premiada com os procuradores da Lava Jato. Nela, afirmou que procurou a família do pecuarista José Carlos Bumlai a pedido de Lula e pediu pagamentos com o objetivo de comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que considerava colaborar com a Lava Jato.

Como recompensa, os procuradores sob a chefia de Deltan Dalagnoll assinaram o acordo de delação e deixaram que Delcídio fosse cumprir prisão domiciliar, em sua propriedade em Campo Grande.

Já durante a oitiva de testemunhas do processo em que Lula é réu, Delcídio foi desmentido por Bumlai, por Cerveró e até por ele mesmo, obrigado que estava a dizer somente a verdade no testemunho.

Os exemplos acima mostram a importância do parágrafo 16  do Artigo 4º da Lei 12.850/2013, a norma que criou o instituto da delação premiada no Brasil:

“§ 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”

A razão para a existência de tal regra é evidente. Não fosse assim, qualquer pessoa que incorra em ato delituoso poderia, a fim de livrar-se da consequência penal de seus feitos, criar as histórias e acusações que bem entendesse. Por isso, em uma delação premiada, segundo a lei, não basta afirmar, é preciso afirmar e provar.

Apesar disso, por mais difícil que seja acreditar, o Ministério Público Federal sustentou, em sua acusação aceita pelo juiz Moro, a tese de que Lula era chefe de um esquema criminoso unicamente em vagas delações de pessoas que efetivamente lesaram os cofres da Petrobras.

Ao longo da instrução do processo, porém, tais “evidências” foram caindo por terra, desbaratadas inclusive pelos próprios delatores, que, sem induções e questionados também pelos advogados de defesa e pelo juiz, desmontaram as teses enviesadas, e vazadas, para a imprensa.