Na terça-feira, 5 de abril, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista à Radio Lagoa Dourada, de Ponta Grossa (PR), retransmitida para todo o estado do Paraná pelas 22 emissoras da Rede T de Comunicação. Confira abaixo a conversa com os jornalistas João Barbiero, Márcio Martins e Eduardo Vaz, no programa Manhã Total:
João Barbiero: O senhor está em que parte do Brasil hoje, presidente?
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu estou em São Paulo, estou em casa, e eu queria, João Barbiero, cumprimentar você, cumprimentar o Márcio Martins e cumprimentar o Eduardo Vaz, e dizer para vocês que é uma alegria estar falando no programa de vocês, Manhã Total. É muito importante eu estar falando com o estado do Paraná. E eu queria só dizer uma coisa para vocês, a pergunta, a entrevista, e eu tenho certeza pela qualidade de jornalistas que vocês são, ela tem que ser uma entrevista muito verdadeira. Não há pergunta complicada, não há pergunta difícil. Eu tenho dito em todas as entrevistas que a única coisa que pode acontecer é eu não saber responder uma pergunta. Quando eu não souber eu falo para vocês “não sei”, e aí a gente pede, pede para os universitários responderem.
João Barbiero: Presidente, mas fique tranquilo, que não precisa o senhor pedir isso, transparência aqui, porque era o que ia ter, viu presidente. Era o que ia ter, pode ter certeza disso.
Márcio Martins: Presidente Lula, eu quero começar fazendo uma pergunta um pouco diferente. Para o Lula, o que é democracia?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, para mim democracia é você ter liberdade de expressão, você ter liberdade de ir e vir, você ter liberdade de falar o que você quiser, sendo que você precisa respeitar apenas o direito dos outros. Ou seja, no fundo, no fundo, a democracia é você poder fazer tudo desde que você não tire o direito do outro fazer.
João Barbiero: Presidente, mas o senhor fala em liberdade de expressão e existe um burburinho e umas interpretações de algumas entrevistas suas que o senhor quer controlar a mídia. Aí já não tem… Como é que…
Luiz Inácio Lula da Silva: Primeiro João Barbiero, essa é uma narrativa construída por algumas pessoas que vem desde o último ano que eu era presidente da República. Contra essa narrativa de que eu quero controlar a imprensa, eu tenho uma vida política. Eu não tenho um dia de política, eu tenho 50 anos de vida política, tenho 20 anos de sindicalismo, tenho 8 anos de presidente da República e eu duvido que em algum momento do meu governo houve qualquer interferência para que a imprensa não fizesse aquilo que ela quer fazer. Porque na minha compreensão quem vai controlar a imprensa no rádio são os ouvintes, na televisão é o telespectador, na internet são os internautas e nos jornais e nas revistas é o leitor, eles que iam controlar.
Agora, o que eu quero na verdade, é que nós precisamos discutir uma relação, sobretudo da mídia eletrônica, porque a última regulação é de 1962. O mundo mudou muito e nós precisamos então discutir. Quem é que vai fazer isso? É um debate com a sociedade brasileira. Isso não é uma coisa feita por um presidente da República, é um debate com a sociedade. Só para lembrar que o congresso que eu fiz em 2009 tinha mais de 4 mil pessoas participando, de todos os recantos do Brasil, só não participou de televisão grande a Globo e o SBT, mas o restante participou do debate em que a gente fez um projeto, só que não foi dado entrada na Câmara porque depois que que a companheira Dilma assumiu ela e o pessoal da comunicação devem ter entendido que não era o momento de dar entrada no projeto. Mas aquele projeto também já deve estar superado, eu acho que a sociedade vai ter que discutir como é que a gente vai regular a internet. Eu, por exemplo, não sou um especialista em internet, mas é preciso juntar todas as pessoas para que a gente discuta como regular a internet sem censurar a liberdade das pessoas utilizarem a internet.
João Barbiero: Aliás, a mídia eletrônica hoje todo mundo é vítima dela, não, é presidente? Essa é uma verdade.
Márcio Martins: E principalmente as redes sociais. Você entende, presidente, que a mídia social é uma terra sem lei?
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu acho que do jeito que está colocado hoje é. É na verdade uma coisa que a gente chama de mídia social, mas na verdade é uma mídia digital, esse é o nome, ou seja, é porque as pessoas às escondidas fazem coisas que não teriam coragem de fazer presencialmente. Ou seja, então a provocação, as ofensas, as falsas denúncias, fake news, ou seja, essa é uma coisa que ganhou um espaço muito grande na internet. Então, é preciso que se tenha uma regulação para a gente separar o joio do trigo. Ou seja, não é você tentar evitar que as pessoas sejam verdadeiras, é você tentar evitar fake news, tentar evitar mentira, tentar evitar mentira contra a vacina, tentar evitar mentiras contra doenças, tentar dizer que pessoas, aconteceu tal coisa e que não aconteceram com as pessoas. Vender terrorismo na verdade é que é uma coisa muito grave na internet, e que ainda não tem uma regulação e não tem controle. Eu acho que é uma coisa no mundo inteiro, possivelmente não seja nem um debate só nacional, é preciso envolver muita gente, inclusive um debate que pode ser coordenado pelas Nações Unidas para que a gente possa ter uma certa regulação e que a gente possa dormir tranquilo, sabendo que ninguém está propondo matar uma pessoa da sua família, dar um tiro em alguém, roubar alguém, sabe, essas coisas é que não pode efetivamente ser utilizada pela internet como se fosse liberdade de comunicação.
João Barbiero: Na verdade o termo regulação é que eu acho que amedronta, não é, presidente? Dá para entender agora conversando com o senhor, e dá também, veja, o que nós estamos fazendo agora, a prática deste momento? Nós estamos numa rede de rádio, estamos numa Rádio Lagoa Dourada, com pessoas com total liberdade de pergunta, com total transparência para conversar, no mesmo momento online. Quer dizer, é oportunidade. Nós aqui estamos falando em nome da comunidade e o senhor aí pronto a responder. Isso é a mídia real, isso é real. O senhor não acha que esses órgãos de comunicação vão ter mais credibilidade, presidente?
Luiz Inácio Lula da Silva: Isso chama jornalismo. Quando a gente estabelece uma entrevista com qualquer que seja a pessoa, não importa o perfil ideológico, que a pessoa pode ser perguntada e que a pessoa pode responder sem que haja depois a divulgação de uma interpretação, é o verdadeiro jornalismo, é tudo que a gente quer. Quem vai julgar efetivamente é quem está nos assistindo.
Márcio Martins: Presidente, você acha que a mídia brasileira hoje ela está, digamos assim, tendenciosa?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, essa pergunta para mim, essa pergunta para mim não é muito válida não porque eu se der para você os dados dos últimos períodos eu poderia dizer que ela foi muito tendenciosa. Eu poderia, por exemplo, dizer para você que 80% do processo da Lava Jato foi uma invenção montada pelo Moro e pelo Dallagnol para enganar a imprensa, e a imprensa aceitou divulgar as mentiras como se fosse verdade. Esse é o mal que causou à história do Brasil, ao desenvolvimento do Brasil, ao crescimento do Brasil. Porque você pode combater a corrupção, e tem exemplos extraordinários na Alemanha, na Coreia, ou seja, você pegou alguém que roubou você prenda aquele alguém que roubou. O que você não pode é destruir todo um sistema produtivo, a indústria de óleo e gás, a indústria naval, a indústria de engenharia no Brasil, a Petrobras, que perdeu valores na Bolsa por causa de tantas denúncias, quando você poderia ter prendido quem roubou e deixar a empresa com os seus contratos funcionando normalmente. Então, eu acho que a imprensa, no meu caso, eu vou dar um dado para você, um dado que é verdadeiro. Em nove meses eu tive 13 horas de Jornal Nacional contra mim e nenhum minuto a favor, sequer o meu advogado tinha direito de resposta. Nesses mesmos nove meses eu tive mais de 680 primeiras páginas de jornais contra mim, nesse mesmo período eu tive 59 capas de revistas contra mim. Ou seja, depois que passou tudo isso, todos os meus processos caíram porque o juiz foi considerado suspeito quando deu a primeira sentença, alertado por mim. Vocês aí do Paraná são testemunhas de que na primeira audiência eu disse: olha, você está condenado a me condenar porque deixou a mentira ir longe demais. E aconteceu o que estava previsto.
João Barbiero: Mas presidente, o senhor não cometeu erro nenhum, presidente, nem o seu partido? Então o senhor acha que realmente teve um… quais são os erros que foram cometidos que o senhor se for presidente não cometeria novamente?
Luiz Inácio Lula da Silva: Barbiero, se alguém comete erro esse alguém é punido, o que você não pode é acusar alguém de um erro que não cometeu. Isso que é o grave. Ou seja, qual é a punição que recebe um cidadão que te acusa de ladrão, que destrói a tua família, que destrói toda uma história e uma biografia que você construiu, o que sobra desse cara depois que prova que ele errou na acusação? Significa que o cara que está no Ministério Público tem que ser muito sério, ele não pode ser moleque, ele não pode ser leviano, ele quando fizer acusação ele tem que ter prova. E nós desmontamos todas as acusações, todas. Não tem uma hoje, inclusive aquela que era mais grave, que era do PowerPoint do Quadrilhão, que caiu ainda em 2017 pela 13ª Vara da Justiça Federal em Brasília. Ou seja, como é que fica esse cidadão que conta uma mentira deslavada para a sociedade, que a imprensa acredita nele e divulga de forma farta essa mentira? O que eu posso fazer depois? Me conte.
João Barbiero: E agora, presidente, o senhor, claro, vai pleitear ser presidente e acredita na sua eleição e as pesquisas indicam o senhor em primeiro lugar, até o momento, várias pesquisas. Este mesmo promotor, este mesmo Ministério Público, representante do Ministério, vamos dar nome aos bois, o Dallagnol e o Moro, os dois vão ser candidatos a deputado federal, e vão puxar muito voto junto, e estão querendo fazer o que, fortalecer a Câmara para cuidar do seu governo. Como é que o senhor vai administrar isso se se eleger?
Luiz Inácio Lula da Silva: Primeiro eles não têm o objetivo de fortalecer a Câmara, porque na verdade eles tentaram destruir a política. Na verdade eles tentaram destruir as instituições. Teve um momento que eles desacreditaram da Suprema Corte, desacreditaram o Superior Tribunal de Justiça, desacreditaram a Câmara, desacreditaram o Senado, ou seja, teve um momento em que eles se colocaram como se fossem ungidos por um ser superior para serem o dono da verdade, sabe. Aquela pessoa messiânica, que acredita de forma, eu diria, muito radical numa coisa que não é verdade, mas ele vende como se fosse verdade? Eu acho maravilhoso que essa a gente se candidate a deputado, eu acho maravilhoso que essa gente entre no mundo da política, que eles vão perceber que a política é muito mais complicada do que eles imaginavam quando estavam me julgando. É só ver os acordos que eles estão fazendo, é só ver qual é os partidos que eles estão entrando que a gente vai ver qual é o perfil de seriedade dessa gente. Então, eu sinceramente, acho que o fato deles entrarem na política é muito importante. É muito importante que eles participem dos debates, que eles vão fazer discurso na tribuna para eles saberem que o mundo, a política é muito mais difícil do que ficar atrás de uma toga e do Código Penal julgando os outros.
João Barbiero: Falando em acordos, presidente, o senhor vai, tem conversado, e o Alckmin vai ser o seu vice, não é? Acordos, conversas, o Alckmin era um arquirrival político seu e de repente agora vocês conseguem afinar um discurso juntos.
Márcio Martins: Deixa só eu complementar essa pergunta do João. Quem mudou, o Lula mudou ou o Alckmin mudou?
Luiz Inácio Lula da Silva: É só você ver a minha fisionomia pelo vídeo que você vai perceber que eu mudei, eu tinha cabelos pretos e muito cabelo, hoje eu não tenho cabelos pretos e pouco cabelo, a minha barba era preta, ou seja, eu acho que eu mudei, acho que o Alckmin mudou, acho que o Brasil mudou e acho que o Brasil precisa dessa mudança para que a gente possa reconstruir o Brasil. Veja, você disse bem João, eu fui adversário do Alckmin, eu não fui inimigo do Alckmin. Feliz era o Brasil no tempo em que a disputa, a polarização, era entre dois partidos democráticos, PT e PSDB. Feliz era o país que tinha disputa entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, entre Lula e Serra, entre Dilma e Serra, entre Dilma e Alckmin, feliz era o país, porque você tinha um debate civilizado, você tinha um debate sobre programa de governo. Isso é muito importante. Então, eu acho que é o seguinte, o Alckmin mudou de partido, eu tenho dito para todo mundo que eu não quero ser candidato apenas do PT, que é preciso eu ser candidato de um movimento que esteja disposto a reconstruir e devolver a democracia a esse país, a fortalecer as instituições para que elas possam garantir o exercício democrático de quem governa esse país, para que ela possa garantir o exercício democrático de cada ser humano nesse país. Coisa que o atual governo não garante, porque ele efetivamente não gosta de democracia. Então, o que eu acho é que eu e o Alckmin podemos estar juntos na chapa, eu vou ter uma reunião na sexta-feira em que o PSB vai propor ao Alckmin de vice, e isso nós vamos levar para discutir no PT. E você pode ficar certo que se nós estivermos juntos nós vamos reconstruir o Brasil porque nós somos dois democratas, gostamos da democracia, exercemos a democracia e temos como prova o exercício dos nossos mandatos.
Márcio Martins: O senhor entende, presidente, que hoje não é, não é uma democracia perfeita no Brasil?
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu acho que nós não temos uma democracia perfeita. Veja, você por acaso já tinha ouvido falar numa coisa chamada orçamento secreto na Câmara dos Deputados? Não. Nós não tínhamos orçamento secreto. O orçamento secreto é uma transferência de uma parcela de poder do Poder Executivo para o Poder Legislativo. Hoje o Bolsonaro não comanda o orçamento da União, quem comanda o orçamento da União é a Câmara dos Deputados e o Senado. Então, isso é grave, é grave porque diminui o papel e a importância que tem que ter um presidente num regime presidencialista. Eu acho que nós não temos uma plena democracia, nós temos um governo que vai terminar o seu primeiro mandato sem conversar com sindicalista, sem conversar com ninguém do movimento social, sem visitar sequer uma família que perdeu um parente por causa do Covid. Nós estamos vivendo um período em que um presidente da República ataca a democracia todo dia, ataca a imprensa todo dia, quando não ataca a imprensa ataca jornalista todo dia, e não é o presidente sozinho, é ele e a família toda. Ou seja, nós temos um presidente que acaba de atingir com acusações que jamais poderia acontecer, a Miriam Leitão. Ou seja, acusando ela porque ela foi presa. Então, esse tipo de gente não presta para governar o Brasil, esse tipo de gente que enaltece o Ustra, que foi um torturador nesse país, que tenta utilizar as Forças armadas como se fosse dele, quando as Forças Armadas é uma instituição do povo brasileiro, que rouba as cores do Brasil como se fosse o partido dele, a Bandeira Nacional, a camisa da Seleção Brasileira, ou seja, aquilo que é na verdade de todos ele tenta extrair para ele. Então, qual é a prática democrática dele? Nenhuma. Não respeita direitos humanos, não respeita negro, não respeita índio, sabe, provoca o desmatamento todo santo dia. É o seguinte, ele não gosta de uma relação civilizada, ele faz questão de ser ogro, ele faz questão de ser ignorante, ele faz questão de ofender as pessoas de tudo quanto é jeito. Então, o Brasil não precisa disso, gente, o Brasil precisa de alguém que seja um harmonizador, alguém que estimule a paz, a harmonia, a fraternidade, a solidariedade, o crescimento econômico, a distribuição de riqueza, alguém que ajude o pequeno e médio produtor rural, alguém que ajude o micro e pequeno empresário. É disso que o Brasil está precisando para crescer e se transformar em uma grande nação. Mas ele lamentavelmente ele não faz isso.
Márcio Martins: Agora, presidente, a Constituição de 1988 transformou o Brasil num modelo híbrido, isso na minha opinião, ele não é presidencialista ao ponto do presidente poder tudo, assim como ela não é parlamentarista assim como o parlamento elegeria o primeiro-ministro. Agora eu faço uma pergunta, como você vê a formação desses blocos na Câmara de Deputados ao longo, desde 88 para cá, você inclusive já participou lá, você foi deputado ao seu tempo. E essa formação de blocos, hoje se fala muito no tal do Centrão, mas como é que é fazer uma administração em que você tem que combinar com a Câmara aquilo que você vai fazer?
Luiz Inácio Lula da Silva: Márcio, eu fui constituinte, e na verdade, na verdade a maioria estabelecida na constituinte que era liderada pelo PSDB, eles estavam fazendo uma Constituição parlamentarista acreditando que na hora que fosse fazer o plebiscito o povo iria votar para o parlamentarismo. E aconteceu o inverso, a gente tinha uma Constituição parlamentarista e o povo votou pelo presidencialismo. Então, ficou uma coisa meio confusa em que tem muita interferência do Congresso nas decisões do governo. Eu acho que isso não é de todo mal, porque eu não gosto desse regime presidencialista absolutista, eu acho que é importante que o presidente saiba que sempre tem uma outra instituição que pode frear os ímpetos de um presidente da República, pensando sempre no melhor para o povo brasileiro. Eu acredito que o Brasil é um país que tem vocação presidencialista, nós não temos… É que as pessoas tratam o Centrão como se fosse um partido político.
Nós temos poucos partidos políticos no Brasil, eu posso dizer para você, com muito orgulho, que eu sou o presidente de honra do mais importante partido político existente no Brasil em tamanho, em grandeza e qualquer pesquisa que você fizer e você perguntar qual o partido da sua simpatia, você vai ter o PT com 29, com 20, com 22, e vai ter o segundo com 1%, porque os outros partidos não existem, se transformaram em cooperativas de deputados. Sobretudo agora em função do Fundo Eleitoral, ou seja, virou verdadeiro pequenas e médias empresas, ou seja, as pessoas ficam disputando, deputado, até a janela foi criada agora como se fosse o campeonato europeu. A sua janela para contratar as pessoas dos países de terceiro mundo.
Eu acho isso ruim, eu acho que os partidos deveriam ter programas, ter manifesto, os partidos deveriam ser uma coisa mais séria para que a sociedade pudesse confiar ao votar na pessoa, votar no partido. Porque tem muita gente que acha que é importante não ter partido, eu quero votar na pessoa. Acontece que a pessoa precisa ter alguém para discutir, alguém que defina, a sociedade tem que ter alguém para debater, e nós não temos. O Centrão não é um partido, o Centrão é um agrupamento de deputados que se juntam ao governo por interesses. O Centrão não existia até a Constituição de 88, você não faz acordo com bloco do Centrão, você faz acordo com partidos.
Acontece que hoje está difícil fazer acordo com partidos porque a grande maioria dos partidos a direção apita muito pouco, as lideranças apitam muito pouco, porque agora com o orçamento secreto a relação é individual com cada deputado. Então, os partidos ficaram mais fragilizados. Veja, eu tenho em mente que nessa campanha, Márcio, nessa campanha nós vamos ter que fazer um trabalho imenso para fazer com que o povo leve muito a sério a eleição para deputado e para senador. Se a gente quiser fazer mudanças substanciais para melhorar a vida da sociedade significa que você tem que ter uma outra qualidade de deputados e deputadas, e o povo tem que saber disso, o povo tem que saber que se ele colocar uma raposa no galinheiro a raposa não vai tomar conta da galinha e do galo, ela vai comer. Então, se você vota em deputado que pensa exatamente de forma antagônica ao que a sociedade pensa, significa que esses caras não terão, não terão nenhum, nenhum, nenhum sentimento de privatizar a Petrobras, de privatizar a Eletrobrás, como privatizaram a empresa de fertilizantes no Paraná, na perspectiva de que ia melhorar. E não melhora.
Hoje nós temos um problema sério, tenta-se jogar a culpa em cima da Ucrânia, mas é um problema de responsabilidade. Eu comecei a construir uma fábrica de uréia em Três Lagoas e uma de amônia em Uberaba, e isso foi paralisado, porque o Brasil sempre, sempre deixou para fazer amanhã o que poderia fazer hoje. Então, eu estou convencido, eu estou convencido de que é preciso ter uma mudança substancial no Congresso Nacional, o presidente é presidente, o Legislativo legisla e o Judiciário julga. Nós temos que voltar à normalidade institucional para que esse país possa ser bem governado e para que o povo possa estar tranquilizado, vivendo num país em que as instituições funcionam e a democracia vai prevalecer.
Márcio Martins: Agora, só para completar essa questão. No primeiro, numa das primeiras intervenções suas hoje se disse o seguinte, que você quer ser presidente ou de um grupo, não só do PT, mas sim de um grupo de partidos. E aí eu concordo com a sua resposta quando você diz que o PT hoje é o partido de maior relevância a nível brasileiro, a nível Brasil. Por quê? Porque realmente ele continuou como sendo um partido, o PT não mudou, os outros todos mudaram, mudaram de sigla, mudaram de nome, trocou todo mundo. Mas com relação ao PT ele se manteve assim, dentro da sua filosofia, daquilo que ele começou lá atrás, como um partido político. Aí por isso que eu pergunto, o PT vai ter que fazer um acordo com o Centrão para ganhar a eleição?
Luiz Inácio Lula da Silva: Não, não porque o Centrão, eu já disse que o Centrão não é um partido político e que tem partidos do Centrão que não estão ligados diretamente à campanha do Bolsonaro. O que nós queremos é juntar todos os partidos progressistas que estão trabalhando pela democratização do país, pela reconstrução do país, aí entra praticamente todos os partidos de esquerda e os partidos de centro-esquerda. E nós então vamos ganhar as eleições com esse espectro mais progressista da sociedade. Essa é uma coisa. A outra coisa é que quando você ganhar, que você quiser aprovar um projeto de lei, você tem que conversar com todo mundo que foi eleito, você não conversa com quem ficou na suplência, você conversa com quem está deputado. Então, você vai conversar com os partidos que estão com representatividade na Câmara e no Senado. Essa é a prática política da humanidade. Eu não estou inventando isso, a Angela Merkel não inventou isso, o Chirac inventou, o Biden não inventou, ou seja, essa é a realidade política da humanidade, você conversa com as pessoas que estão nos cargos que decidem as coisas que você tem que fazer. Porque quando eleito você manda um projeto, as pessoas que são contra você não são obrigadas a votar o teu projeto tal como você quer. As pessoas podem querer fazer emendas, as pessoas podem querem aprovar um outro dispositivo. E aí é que começa o exercício da democracia, da negociação política.
Eduardo Vaz: Presidente, o senhor falou a respeito do Partido dos Trabalhadores. Eu gostaria de saber, presidente, qual é a sua relação hoje com a ex-presidente Dilma Rousseff, e se em uma eventual eleição sua ela poderia vir a ocupar algum cargo na esfera federal dentro de um governo seu.
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, deixa eu te dizer uma coisa meu caro Eduardo, primeiro a minha relação com a Dilma é uma relação eu diria mais do excelente, é ótima. Porque eu gosto muito da Dilma, tenho um carinho muito especial por ela, acho que ela foi vítima de uma grande mentira contada nesse país, a pedalada, porque o que estava em jogo na verdade não era só fazer o impeachment da Dilma, era evitar que o PT voltasse ao governo em 2018. Era isso que estava em jogo na verdade. Veja, eu te confesso, eu vou dizer com muita clareza, eu quando a Dilma me chamou para ser ministro eu tive uma conversa com a Dilma até quase meia-noite, eu insisti que eu não poderia voltar porque no palácio não cabe dois presidentes da República. É muito difícil você imaginar um presidente mandando em outro presidente, um presidente dando ordem para outro presidente.
Eu quero dizer para você o seguinte, eu vejo que a Dilma tem um papel importante a cumprir no Brasil e para o Brasil. A Dilma pode ajudar de forma extraordinária porque ela tem uma experiência acumulada. Agora, eu não me sinto à vontade de mandar na Dilma, de dar bronca na Dilma, de obrigar ela a fazer uma coisa. Não, não me sinto, eu acho que é muito difícil, é muito difícil e ela sabe disso, porque eu disse para ela quando eu fui convidado, eu fui convidado numa situação anômala, uma situação delicada, a Dilma sabe que eu aceitei muito contra a minha vontade, porque eu achava que não ia dar certo. E eu acho que não dá certo, não dá certo você achar que você pode chamar um presidente para ser teu ministro, você vai tornar ele uma figura inferior a você na escala de autoridades e aí fica um presidente mandando em outro, a tendência é dar problema. A tendência é não dar certo. Então, eu sinceramente não trabalho com essa hipótese. Não trabalho com essa hipótese, mas eu acho que a Dilma tem um papel a cumprir, ela e outras pessoas que foram presidentes, que podem ser acionados a qualquer momento que o governo precisar. Agora, eu quero te dizer que a minha relação com a Dilma é a melhor possível. Eu tenho um carinho muito especial pela companheira Dilma Rousseff.
João Barbiero: Presidente, perguntas populares, coisa que se fala no dia a dia, nas fatídicas redes sociais e tudo mais. Primeira, o senhor, o seu filho ficou milionário realmente, é sócio da JBS e não sei o que? Segunda, o Brasil está a caminho de virar uma Venezuela? Terceira, aquela foto sua com a namorada mostrando a coxa, é sua mesmo aquela coxa ou é fake news? Perguntas populares.
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu peguei a coxa do Hulk, ou seja, sabe aquele filme, aquele artista? Deixa eu te falar uma coisa, primeiro quando no começo vocês começaram a perguntar da imprensa, o meu filho foi uma dessas vítimas, sabe. Você veja que faz quase dez anos que o meu filho é acusado, a primeira capa contra o meu filho ainda foi em 2004, 2005. Entretanto, eu tive a oportunidade junto com a minha ex-esposa, com a Marisa, com o doutor Kalil, de visitar o Roberto Civita antes dele morrer no Hospital Sírio-Libanês e ele me disse, disse para a minha mulher: eu sei que a senhora não gosta de mim porque a Veja mentiu sobre o seu filho, a gente não tinha prova daquilo que nós falamos. Eu falei: olha Roberto, eu não vim aqui para discutir meu filho, eu vim aqui só para te fazer uma visita. E fui embora. Pois bem, nunca se provou nada contra o meu filho, entretanto já disseram que ele tem carro de prata. Uma vez eu vi uma fake news lá no Uruguai, um carro, uma McLaren, uma Ferrari de prata que era do Lula, de repente disseram que o meu filho era dono de todos os gados que tem no estado do Pará, que tem no estado de São Paulo, de Minas Gerais, sabe, e o meu filho vive de aluguel no apartamento que ele mora. É isso que eu acho que precisa ter uma certa regulação porque as pessoas não podem destruir a vida dos outros, as pessoas não têm o direito de destruir a vida dos outros. Eu acho que você precisa ter a tranquilidade de não permitir que a tua vida seja destruída por conta de uma mentira. Porque quando se conta uma mentira contra você se coloca como manchete, quando diz a verdade coloca com letras pequenas que 1% de quem leu a manchete não vai ler o desmentido. Então, não é possível as pessoas que fazem isso tem que ser punidas, as pessoas que fazem uma denúncia falsa, essa pessoa tem que ser punida, essa pessoa se depois do processo aquele acusado for inocente porque não tem prova, quem fez a acusação tem que pagar. Não pode ser assim.
Márcio Martins: A questão da Venezuela, presidente?
Luiz Inácio Lula da Silva: A Venezuela é outra barbárie que se fala aqui no Brasil. Quando eu fui presidente da República nós tínhamos uma relação muito boa com a Venezuela, e o Brasil tinha um superávit comercial de 4 bilhões de dólares com a Venezuela. A Venezuela comprava quase tudo que o Brasil produzia, quase tudo. E essa relação foi importante que ela começou com Fernando Henrique Cardoso em 2000, quando o Chávez foi eleito. E aí essa relação foi crescendo, foi crescendo, nós tínhamos empresas investindo lá no setor elétrico, nós tínhamos empresas investindo em infraestrutura. E eu estava incomodado porque um país não pode ter um superávit muito grande com outro, é preciso que haja uma política como se fosse uma via de duas mãos. Ou seja, você compra e você vende, você compra e você vende, tem que ter um certo equilíbrio porque senão você asfixia o outro. É por isso que eu tentei fazer um acordo para fazer uma refinaria junto, que não deu certo porque a PDVSA não quis, para que a gente pudesse importar um pouco de petróleo da Venezuela para equilibrar um pouco a balança. Porque a Venezuela comprava leite do Brasil, comprava ovo do Brasil, comprava frango do Brasil, comprava porco do Brasil, ou seja, e a gente praticamente não comprava nada deles. Então, essa relação era muito boa. Você veja que eu fui acusado de que eu estava gastando dinheiro no metrô de Caracas. Quem começou a fazer o metrô de Caracas foi o Fernando Henrique Cardoso quando era presidente e começou correto. Começou correto porque um país do tamanho do Brasil ele pode financiar com dinheiro emprestado obras em outros países sim, como muitos investiram no Brasil.
João Barbiero: Mas com todos os problemas internos que nós temos, presidente? Mas com todos os problemas internos que nós temos?
Luiz Inácio Lula da Silva: Veja, o problema é que quando você faz investimento você não está tirando dinheiro do mercado interno porque é um dinheiro emprestado, é um dinheiro que o empresário brasileiro não tomou emprestado. Aí você empresta, e você está fazendo o que quando você empresta? É importante prestar atenção, você está na verdade exportando engenharia. Quando você, o Brasil é o único país do mundo, presta atenção nisso, o Brasil é o único país do mundo que quando o BNDES empresta dinheiro para fazer uma obra no exterior tudo o que vai ser utilizado e todo o serviço é da engenharia brasileira. Então, na verdade, o Brasil está exportando serviço, está exportando engenharia. Termina sendo uma coisa lucrativa quando você vende, e uma coisa quando você recebe. É a coisa mais normal do planeta Terra, é a coisa mais normal, o Brasil se desenvolveu assim. Houve investimento da Inglaterra, houve investimento dos Estados Unidos, houve investimento do Canadá, houve investimento da Alemanha. Houve investimento da Holanda, houve investimento da Noruega, porque senão o Brasil não teria se industrializado. Então, é preciso parar de pensar pequeno, é preciso parar de pensar nanico, você não está tirando dinheiro do orçamento, você está fazendo o dinheiro emprestado que as pessoas pagam juros, pagam o principal e ainda pagam pelas importações que fazem de nós.
Márcio Martins: Agora, presidente, você quando faz isso você não está usando o seu crédito para passar para alguém que não tem crédito?
Luiz Inácio Lula da Silva: Não. Não. Você está fazendo uma operação comercial. É simplesmente isso, é uma operação comercial. Eu vou te contar uma história, essa rodovia, essa binacional que sai do Acre e vai até Lima, uma rodovia que liga o Brasil ao Peru, que liga o Acre ao Pacífico, na verdade, essa rodovia ia ser financiada pelo BNDES. Aí o presidente Toledo encontrou empréstimo mais barato em outro banco, ele não fez, simplesmente ele não fez. Mas o que ele fez? Ele continuou contratando empresa brasileira para fazer a obra. É muito importante que a gente pense nisso, um país como o Brasil, um país grande… Todos os países que estão no G20, por exemplo, se puder emprestar dinheiro para desenvolvimento da África, por exemplo. O Brasil empresta dinheiro para a Angola, não tem como o Brasil perder dinheiro em Angola porque o Brasil tem recebíveis garantidos que é o petróleo. Então, o Brasil está exportando engenharia, exportando serviço, emprestando dinheiro e recebendo dinheiro com juros que o Brasil determina, e ainda o Brasil exporta para lá todos os produtos que são utilizados para fazer aquela obra. É um negócio realmente importante para um país que tem vocação, que tem tamanho, tem população para ser protagonista internacional. Só as pessoas que pensam pequeno é que acham que o Brasil…” Ah, o Brasil está fazendo metrô de Caracas”. Quem começou a fazer o metrô de Caracas foi Fernando Henrique Cardoso e foi correto, e o Brasil está exportando peças, o Brasil está exportando quase tudo para fazer o metrô, além de receber o dinheiro emprestado. É uma coisa vantajosa para a empresa e para o Brasil.
João Barbiero: Presidente, por que o agronegócio credita um temor muito grande na sua pessoa, qual é a explicação que o senhor acha?
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu acho que você deveria perguntar para alguém do agronegócio. Porque veja, eu digo sempre o seguinte, o agronegócio toda vez que quiser conversar comigo ele sabe que tem um interlocutor, porque foi eu que fiz a Medida Provisória 432, se não me falha a memória 432/2008, que a gente fez um financiamento, ou seja, era uma dívida de quase 89 bilhões de reais e graças àquele projeto de securitização da dívida da produção agrícola brasileira a gente salvou a agricultura brasileira. Pode perguntar para qualquer agricultor que ele sabe disso. No tempo que a gente era presidente eles compravam a máquina dessa grande que você vê plantando e colhendo com juros de 2% ao ano, financiada pelo Finame. Agora não tem Finame, então agora se eles quiserem dinheiro emprestado eles pagam 14%, pagam 18%. Eles sabem que o nosso governo foi extraordinário para eles.
O argumento que eles têm é que os sem-terra invadiam muita terra. Os sem-terra não têm histórico de invadir terra produtiva, as terras que os sem-terra ocupavam eram fazendas improdutivas e tornavam elas produtivas como está vendo agora. Os sem-terra, são o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Então, os sem-terra têm dezenas de cooperativas hoje funcionando e produzindo bem. Então, eles vendiam a terra para o governo porque quando os sem-terra ocupavam, quem desapropriava era o governo e muita gente tirava proveito disso para vender as suas terras. Então eu não sei, eu sinceramente não sei, eu acho que eu tive uma boa relação. Aliás, um dos ministros da agricultura meu foi o Reinhold Stephanes, aí do estado do Paraná, que foi um extraordinário ministro, a quem eu devo gratidão pelo trabalho que ele prestou a esse país. Então, eu não sei porque, é uma questão ideológica, talvez eles gostem do Bolsonaro porque o Bolsonaro financia, fez decreto liberando o fuzil, liberando metralhadora, liberando não sei quantas mil caixas de bala. Eu acho que é isso que eles gostam do Bolsonaro, porque benefício para a agricultura tem poucos.
João Barbiero: Carência de novas lideranças, esse é um tema que eu gostaria de abordar com o senhor porque o seu partido também é prova disso, tanto que hoje está aí, candidato a presidente, pré-candidato, presidente, o senhor. O que acontece nesse país, presidente, e o que deveria ser feito para ter novas lideranças? Tem o Haddad aí, mas também não é mais nova liderança, digamos assim. Mas qual é o problema que falta nesse país para ter novas lideranças? A gente roda, roda, roda e estamos sempre na mesma roda.
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha meu caro João, não confunda liderança com candidato. Candidato pode ser qualquer um, teve mais de 35 anos você pode entrar no MercadoLivre procurar candidato, de vez em quando a imprensa tenta encontrar um candidato. Faz duas eleições que se insinua lançar o Huck como presidente. Você tem muita gente nova se lançando candidato, se o problema fosse esse, liderança nova, você vai num berçário e você vai ter gente muito nova. Liderança é uma coisa que nasce com o passar do tempo, você não cria um Brizola todo dia, você não cria uma figura como o Requião todo dia no estado do Paraná. Você pode ter um senador, mas você não terá um Requião. E você pode não gostar do Requião por conta do comportamento político ideológico dele, mas poucos estados tiveram um senador da qualidade como o Requião, que para a minha alegria vai ser candidato a governador pelo PT. Você não cria um Arraes todo dia, você não cria um Eduardo Campos todo dia, você depois que o Ulisses Guimarães morreu nunca mais o PMDB achou um presidente da qualidade do Ulisses Guimarães. Porque a liderança é uma coisa que não é feita numa universidade.
João Barbiero: Mas às vezes não é por falta de oportunidade, presidente? Eu não concordo totalmente com o senhor nesse tema, porque primeiro que procurar no berçário eu acho que seria bom porque você pega a pureza da criança, sabe, que já nasce, o nenê nasce puro e tal. Mas ele não poderia ser candidato a presidente, obviamente até porque não tem idade, que é uma das coisas que a Lei Eleitoral existe. Mas eu te digo o seguinte, a oportunidade, os jovens às vezes não conseguem ter essa oportunidade porque os coronéis dos partidos não permitem.
Luiz Inácio Lula da Silva: Não é verdade. Não é verdade. Eu vou lhe dizer uma coisa, eu vou lhe contar a minha história, o PT nasceu em 1980, quando só tinha MDB e Arena. A primeira vez que eu falei no PT num palanque em São Bernardo, num encontro para discutir liberdade partidária, estava todo o PMDB lá, eu fui vaiado. Ou seja, eu não criei o PT por concessão, foi teimosia. Foi teimosia. Nós não fizemos as greves de São Bernardo por concessão, foi teimosia. Então, se as pessoas quiserem ser líderes as pessoas tem que trabalhar para ser líder. O líder é aquele que trabalha mais, é aquele que se dedica mais, é aquele que ouve mais, é aquele que viaja mais, é aquele que participa das coisas. Ele vai cedo e vai se transformando numa referência, esse é o líder. O líder não é aquele que tem um cargo, o líder é aquele que as pessoas querem como líder. É diferente de um candidato.
Eu já fui candidato, eu sei como são essas coisas, você acha que de vez em quando, agora no Brasil estão procurando uma tal de uma terceira via: “ah, precisa de uma terceira via”. Como se tivesse um santo para aparecer para governar esse país. Qual é o passado, qual é o legado, qual é a história, para você saber se esse cara tem ou não competência para governar esse país? O que eles fizeram?
Eu tenho um legado nesse país, João, eu tenho um legado nesse país que é muito grande, é um legado de ser a maior política de inclusão social da história desse país, é um legado de aumentar o salário mínimo todo ano acima da inflação, é um legado de aumentar o salário das categorias organizadas dando a eles mais aumento do que a inflação, é um legado de criar 22 milhões de empregos, é um legado de ajudar a agricultura familiar a se transformar numa potência nesse país, que agora diminuiu bastante, é um legado de ajudar o agronegócio a se transformar num grande exportador. Então, quem é que tem legado para ser candidato a presidente? A pessoa tem que ter feito alguma coisa, tem que ser experiente, tem que ter… Então, que apareça. Apareça e se submeta ao povo. Eu fiz isso quando eu era metalúrgico.
Eu só queria João, que o povo do Paraná não esqueça nunca que quando eu fui, quando eu fui candidato a presidente em 89 eu não disputei com um Zezinho qualquer não, eu disputei contra Brizola, contra Ulisses Guimarães, contra Maluf, contra Afif Domingos, contra Mário Covas, contra Aureliano Chaves. Apenas alguns nomes das personalidades políticas que eu disputei. Quem é que foi para o segundo turno? Eu. Não estava previsto que eu ia. Por que eu fui? Porque por muito trabalho, muita insistência. Eu nesse país, eu andei 91 mil quilômetros para conhecer o Brasil de ônibus, de trem, de barco, para poder conhecer as entranhas do país e para poder dizer eu conheço o Brasil, eu posso governar o Brasil. As pessoas que façam isso. Não é porque a pessoa fez um curso na faculdade que ele acha que ele tem o direito, sabedoria para ser presidente. É preciso conhecer as entranhas do povo, é preciso saber como é que esse povo vive, é preciso saber como é que esse povo está passando hoje. Pior do que no tempo que eu fui presidente, e muito pior. A fome está matando, a fome chegou na casa de 19 milhões de pessoas. Nós temos 116 milhões de pessoas com insuficiência alimentar. Nós tínhamos estoque regulador de alimentos na Conab, que não temos mais. Olha como é que está o preço do feijão, olha como é que está o preço do arroz, olha como é que está a inflação, olha como é que está o preço do gás, o preço da gasolina, o preço do óleo diesel, uma vergonha.
João Barbiero: Presidente, o senhor não teve no seu mandato um, não estou dizendo que essa política está correta, mas se o senhor tivesse no seu mandato uma pandemia, a própria guerra da Ucrânia, como é que o senhor ia administrar tudo isso para não chegar nesse caos que está?
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu vou lhe dizer uma coisa que eu tive e você já esqueceu João, você não pode esquecer, eu tive a crise mais importante que a crise de 29, eu tive a crise do subprime, eu tive a crise da quebra do Lehman Brothers, que fez com que os americanos gastassem trilhões e trilhões para arrumar a casa dos bancos e não tiveram o mesmo gosto de arrumar a casa do povo. Até hoje se está pagando a crise. E eu disse: no Brasil ela vai ser uma marolinha. E ela foi uma marolinha no Brasil. Porque a gente estava com um processo anticíclico de investimento. É importante lembrar que o PAC foi lançado em 2007, a crise começou em 2008, a gente já estava com muito dinheiro. Você sabe o que é que eu fiz? Eu fiz o que o Biden fez agora, eu fiz o que Angela Merkel fez agora, nós colocamos dinheiro do BNDES para investir no setor produtivo, para fazer ponte, para fazer estrada, para fazer novas empresas. É esse o papel do Estado, é por isso que eu defendo um Estado forte, porque o Estado forte não é aquele que o Estado é empresário, é aquele que o Estado é indutor do desenvolvimento. O Estado ele não tem que fazer, ele tem que alavancar o crescimento econômico investido naquilo que é importante para o Brasil e foi o que nós fizemos. É por isso que eu deixei a presidência com um crescimento de 7% do PIB. E o comércio varejista crescendo quase a 14%. É isso que precisa no Brasil.
João Barbiero: Agora, presidente, o senhor não vê que na realidade a essa época, 2007-2008 antes, de 2008, o país ou o mundo estava numa onda de crescimento total? A China crescendo a 13% ao ano.
Luiz Inácio Lula da Silva: O Brasil teve estado do nordeste que cresceu acima da China. Me permita chamá-lo de companheiros, eu vou dizer uma coisa para vocês, o que vocês têm que entender é que o milagre que nós fizemos no Brasil foi colocar o povo pobre no orçamento da economia. É por isso que eu digo todo dia, para resolver o problema do Brasil nós temos que colocar o povo pobre no orçamento da prefeitura, do estado e da União e colocar o rico no imposto de renda, para que as pessoas que vivem de dividendos paguem imposto de renda. Eu vou dar um exemplo, o cara que tem uma casa muito chique aqui no Brasil e ele deixa a casa de herança ele paga apenas 4% de imposto. Nos Estados Unidos é 50%, e ainda no Brasil se acha que paga muito imposto.
Então, o dado concreto é que nós precisamos fazer uma reforma tributária. Eu tentei duas vezes e não consegui, é por isso que eu acho que é importante as pessoas saberem que tem que votar em deputados que querem fazer uma reforma tributária para fazer justiça tributária neste país. Quem ganha mais paga mais, quem ganha menos paga menos. E eu defendo que quem ganha até 5 salários mínimos não deva pagar imposto de renda, vamos cobrar um pouco de quem ganha mais para que a gente possa garantir que a sociedade brasileira viva num mundo mais justo. O que é importante, que tem explicação, é porque que nós tiramos 36 milhões de pessoas da miséria absoluta. Por que que nós colocamos 40 milhões de pessoas num padrão de consumo de classe média, porque nós geramos 22 milhões de empregos e por que que até 2014 a Previdência era superavitária. Por que que a Previdência é deficitária? Porque não tem emprego, as pessoas não contribuem. Você está lembrado que nós legalizamos 6 milhões de microempresas na Previdência Social. E todo mundo contribuindo, a Previdência arrecada. Não adianta depois fazer uma reforma para jogar o custo em cima da classe trabalhadora ou prejudicar o trabalhador.
João Barbiero: Presidente, eu queria fazer uma relação com que o senhor falou aí, por exemplo, o senhor deu a cara para bater, foi, pegou ônibus, viajou, lutou, foi candidato contra Brizola, conseguiu chegar a ser presidente da República, passou por tudo isso, enfim. O empresário, muitas vezes, ele também ele sai do conformismo, ele não tinha nada, ele começa, ele luta, ele vai, ele já emprego, ele… Hoje em dia ser empresário é um problema, ele enfrenta a CLT, ele enfrenta não sei o que, ele luta, luta e chega de repente a ter uma empresa e gerar emprego. Será que não está faltando um pouco também de ver esse empresário como um cara que gera emprego, que teve coragem? Não tem problema, não tem mal nenhum dele ser rico. Agora, porque ele é rico ele tem que pagar mais? Mas e o sofrimento que ele teve, a geração de emprego que ele faz, e o resultado da empresa dele, esse contexto, presidente, o que o senhor acha?
Luiz Inácio Lula da Silva: Vamos ser francos o seguinte, a CLT na verdade, ela não era uma desgraça, é importante lembrar que a CLT foi criada em 1943, no tempo em que a gente trabalhava quase que num sistema de escravidão, em que você não tinha uma jornada de trabalho assegurada de 8 horas, tinha gente trabalhando 14 horas por dia. Naquele tempo, naquele tempo muitos empresários de São Paulo achavam que as férias de trabalhador deveria ser só de 10 dias, porque se o trabalhador ficasse muito tempo em casa ele era ocioso, e a ociosidade fazia com que ele batesse na mulher, com que ele bebesse. Era essa a imagem e a cabeça dos empresários de uma nação escravista. Vamos ter claro isso. A CLT ela foi a primeira regulação, é por isso que aqui em São Paulo os empresários odeiam tanto Getúlio Vargas, porque ele tirou os trabalhadores de uma semiescravidão e deu direito para os trabalhadores.
Ora, nós queríamos fazer reforma na CLT para aprimorá-la aos dias atuais, nem tudo é igual era em 43. Mas o que eles fizeram? Tiraram. Tiraram, tudo jogando a culpa em cima do custo Brasil. Nenhum país do mundo sério desmonta a estrutura sindical como eles desmontaram aqui no Brasil. E eu sou prova, sou prova porque vivi no meio, eu quero que o empresário ganhe dinheiro, porque se o empresário não ganhar ele não vai investir, se ele não investir ele não gera emprego. Eu quero que o trabalhador brasileiro tenha, o empresário brasileiro tenha a cabeça pensando como pensava o Henry Ford, eu tenho que pagar bem aos meus trabalhadores para que eles possam consumir os produtos que eu fabrico. É lógico e é razoável pensar assim. Ou seja, o empresário que acha que o trabalhador tem que ganhar pouco, de que o trabalhador não tem que ter aumento, que não tem que ter sindicato é um empresário atrasado. É um empresário atrasado, porque o empresário moderno precisa de um sindicato forte para sentar numa mesa de negociação e negociar. Nós não estamos mais no tempo da escravidão, nós estamos no tempo da liberdade, no século 21.
Então quanto mais forte o sindicato mais negociação será feita e melhor será tratado os trabalhadores. E eu posso te dizer porque eu vivi 27 anos no chão de fábrica, todo trabalhador quer que o patrão ganhe dinheiro, todo trabalhador quer que a fábrica progrida, porque se a fábrica não progredir, se a fábrica não produzir, não tem o emprego que ele precisa. O que nós brigamos é para ser bem remunerado pelo trabalho que nós prestamos. Agora, o que é verdade é que na hora de pagar tributo a gente tem que pagar proporcionalmente ao que a gente ganha. Eu vou te dizer, no Brasil aqueles que vivem de renda e de dividendos não pagam mais do que um trabalhador que ganha 3 mil reais por mês. Proporcionalmente o trabalhador paga muito mais.
Então, o que nós precisamos é fazer uma política tributária justa, sabendo que as pessoas precisam sobreviver. Se o Estado for forte e tiver recurso, o Estado será um Estado capaz de induzir o crescimento econômico de forma regional, porque nós precisamos também ter um projeto de desenvolvimento regional. Você não pode permitir que só os estados mais fortes sejam desenvolvidos, é preciso espraiar esse desenvolvimento por todo o território nacional. O Acre merece uma indústria igual o Paraná, igual São Paulo, igual Minas Gerais, sabe, é preciso que a gente leve que tipo de indústria? Uma indústria que se adequar a realidade do Acre, que se adequar a questão da preservação ambiental, porque é uma região mais delicada e que ainda tem muita floresta em pé. Então, é para isso que o Estado tem que ser forte, para ele ter capacidade de pensar. O Estado, nós precisamos gerar novos empregos, não é isso jovem?
Então, o que nós temos que fazer? Nós temos que juntar os empresários, juntar o governo, juntar as universidades e pensar que tipo de emprego nós precisamos criar para que a gente possa enfrentar essa nova fase do capitalismo, essa nova fase da humanidade em que as pessoas estão deixando de ser humanas, estão virando praticamente vítimas da internet. Porque é pela internet que a gente compra, que a gente vende, que a gente paga a conta. Então, que emprego nós vamos gerar? Qual é a qualidade técnica dessas pessoas? Se o Estado não sabe nós temos que chamar as universidades, os empresários e falar: olha, nós vamos ter que ver como trabalhar nesse mundo, nesse mundo digital, que tipo de emprego a gente tem que fazer. É o Uber? Não. Não, o Uber não pode voltar a ser escravo, ou seja, o cara tem o carrinho dele, ele trabalha, quando ele fica doente ele não tem nenhum programa de seguridade, quando ele se acidenta ninguém cuida da vida dele, ele não tem sábado e domingo, ele não tem férias. Não.
É preciso que a gente estabeleça uma organização. A Espanha acabou de fazer isso. Quem trabalha no Uber ele tenha o mínimo de garantia para ele e para a sua família, o cara que entrega alimento ele tem que ter o mínimo de garantia, ele tem que ter descanso semanal remunerado, ele tem que ter jornada de trabalho, ele tem que ter férias. Porque senão ele voltou a ser escravo. Eu sei que é um debate complicado, mas é um debate que a gente vai ter que sentar numa mesa e começar a conversar. Na Espanha demorou nove meses e no Congresso Espanhol foi aprovado por um voto. Eu sei que é um tema difícil, mas é um tema que a gente não tem que ter medo de discutir, nós precisamos discutir e discutir com muita capacidade e muita habilidade. É preciso que os trabalhadores evoluam, mas é preciso que os empresários evoluam para que a gente possa ter uma sociedade mais justa, mais solidária, mais fraterna e as pessoas viverem mais dignamente.
Márcio Martins: Presidente, só deixa eu fazer uma colocação aqui. O imposto no Brasil hoje ele é fixado, assim como o modal de transporte é rodoviário, o imposto no Brasil é sobre consumo. A maior parte. Ou seja, porque, como o senhor mesmo disse, quem ganha menos paga mais. Paga mais por quê? Porque todo mundo consome. Então, o preço atual que você paga de imposto ele pega mais o que tem menos, e menos o que tem mais. Não teria que se mudar esse modelo que hoje o imposto no Brasil seja ele federal, estadual ou municipal, ele é embasado sobre consumo?
Luiz Inácio Lula da Silva: Márcio, eu acho que tem que mudar. Eu acho que tem que mudar, por isso é que nós vamos ter… tem coisas que a gente não pode esquecer. Em abril de 2007, se vocês estiverem lembrados, nós mandamos para o Congresso Nacional uma proposta de política tributária. Essa proposta foi aprovada pelos 27 governadores de 2007, foi aprovada por 27 representantes das federações de empresários do Brasil, foi aprovada pelas lideranças sindicais e foi aprovado pelo líder no Congresso Nacional. Quando eu mandei ela para o Congresso ela não andou, ela parou. Então, o que acontece? É preciso a gente construir uma proposta tributária que tribute menos, menos o setor produtivo, e pode diminuir também no consumo. Mas o que nós precisamos saber é o seguinte, a forma adequada possivelmente não esteja na minha cabeça, a forma adequada talvez não esteja na sua cabeça, o que nós precisamos, Márcio, é fazer um debate pensando no Brasil.
Qual é o Brasil que nós queremos? Eu em 2007 eu estava construindo através do embaixador Samuel Pinheiro, antes era o Luiz Gushiken, uma proposta do Brasil que a gente queria em 2022, quando a gente completasse 200 anos da independência que será agora em setembro deste ano. A verdade é que o Brasil que nós vamos chegar no dia 07 de setembro é um Brasil mais incerto, é um Brasil menos independente, é um Brasil com menos política externa, é um Brasil com menos aliados, é um Brasil mais empobrecido, é um Brasil com mais fome, é um Brasil com menos jovens nas universidades. Esse Brasil então piorou, do ponto de vista do atendimento da sociedade. É preciso que a gente dê uma chance para o Brasil. Por isso que essa será uma coisa, quando eu tomar posse, se for candidato e se ganhar as eleições eu vou dizer para você, a primeira coisa que eu quero fazer é uma reunião com os 27 governadores de estados para que a gente defina um programa de investimento em obras de infraestrutura nesse país. A gente começar já a partir de janeiro saber o que a gente quer para a gente não perder tempo e começar a fazer. Aquilo que é necessário ao Brasil.
Da mesma forma nós temos que pensar na Educação, como recuperar o padrão educacional que nós deixamos nesse país. É importante lembrar que quando eu cheguei na presidência a gente tinha 3 milhões e meio de jovens na universidade, e é importante lembrar que a gente deixou 8 milhões de jovens. É importante lembrar o significado do ProUni nesse país, do REUNE, o significado do FIES nesse país, o significado do ENEM, essas coisas todas estão diminuindo, essas coisas todas estão acabando. Por quê? Porque o Estado foi, foi tomando decisões equivocadas, na minha opinião. Obviamente que teve a crise, a pandemia, a pandemia exigiu um dinheiro a mais, mas é importante lembrar para a gente não ficar, que o Bolsonaro herdou só do lucro do dinheiro que nós temos lá fora, quase 800 bilhões. Pra gente não esquecer, é importante lembrar, o Bolsonaro herdou só do dinheiro que nós temos, com a reserva que nós fizemos, porque o Brasil não tinha reserva internacional, o Brasil quando eu cheguei no governo devia 30 bilhões para o FMI. O Brasil não tinha dinheiro para pagar as suas importações, nós fizemos uma reserva de 370 bilhões, que quando o dólar subiu o Brasil fez uma reserva, um lucro de quase 800 bilhões. Esse dinheiro o senhor Bolsonaro utilizou. Então, parte do dinheiro gasto para enfrentar a crise foi o dinheiro que nós deixamos das reservas internacionais. É importante falar para a sociedade saber as verdades nesse país, que a sociedade está cansada de fake news mentirosas todo dia.
Então, meu caro, é o seguinte, uma reforma tributária é necessária, e não é a reforma que o Lula quer, não é a reforma que o Márcio quer ou que o João Barbiero quer ou que o Eduardo Vaz quer. Não. É a reforma que o povo brasileiro entender que seja necessário para melhorar tanto a arrecadação, tanto a melhorar a qualidade dos tributos, como a gente melhorar a aplicação desses recursos com a participação da sociedade. É possível. E por que é possível? Porque quando eu era presidente eu fiz 74 conferências nacionais, todas as políticas públicas foram definidas em conferências nacionais. É possível fazer isso? É. É só o presidente ter compromisso com o povo e fazer as coisas ouvindo o povo. Eu duvido que tenha um presidente na história do Brasil que recebeu mais empresários do que eu. Eu gostava de receber, gostava de discutir, eu gostava de ouvir. Eu criei um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social que participavam 90 pessoas, a maioria empresários. E muitas das políticas que nós colocamos em prática foram decididas pelos empresários. Então, alguém que quer governar esse país precisa governar para todo mundo, ouvir todo mundo, mas tem que ter um compromisso maior com as pessoas mais necessitadas. É por isso que eu dizia, governar o Brasil é como se você fosse uma mãe, governe com coração de mãe. Você ama todos, você gosta de todos, mas aquele que está fragilizado é que vai ser pego no colo, que vai receber um cafuné especial.
João Barbiero: Presidente, eu quero fazer um último registro, que a sua assessoria já está me chamando a atenção aqui também, porque tem mais compromissos do senhor na agenda de hoje, obviamente. Mas nós temos pessoas aqui em Ponta Grossa muito ligados ao senhor pelo histórico, o Péricles, o Jefferson Tramontin. Mas o estado do Paraná indiscutivelmente hoje uma pessoa importantíssima é a presidente do PT, a Gleisi Hoffmann. Qual é o papel da Gleisi no seu governo, como é que, em que a Gleisi vai participar?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, obrigado pela pergunta, porque vai me dar a oportunidade de cumprimentar a Gleisi, o Ênio Verri, o Zeca Dirceu, o Arilson, a Luciana, o professor Lemos, o Tadeu Veneri e o Requião Filho, bom, os deputados do PT. Agora eu queria aqui dizer duas coisas, a Gleisi é uma… Bom, primeiro eu acho ela a dirigente partidária mais qualificada hoje no Brasil, de todos os partidos políticos. Ela é efetivamente a grande dirigente política desse país. Ela cuida com muito carinho, com muita sabedoria, com muita coragem. Porque não é fácil ser presidente de um partido como o PT, João, não é fácil. O PT é um partido complicado e a Gleisi com muita competência dirige esse partido. Ela está discutindo com todos os partidos políticos, discute em igualdade de condições. Aliás, ontem à noite ela foi fazer uma reunião com empresários e eu falei para a Gleisi: Gleisi, a única coisa que você não pode é ficar nervosa, vá lá, ouça, fale o que você quiser, mas não fique nervosa. Então, eu acho que a Gleisi vive um momento político excepcional.
Eu sinceramente de vez em quando eu fico imaginando que Deus é petista, porque permitir que a Gleisi dirija o PT com a competência que ela dirige, significa que ela é muito madura, muito responsável e muito competente. E veja, e consegui fazer o companheiro Requião entrar no PT, o que não era uma coisa fácil. E pode se preparar, pode se preparar que o Requião pode voltar a governar esse estado. Porque nós precisamos resolver algumas coisas no estado do Paraná. Ou seja, é preciso pensar um pouco mais no povo, é preciso pensar, sabe. A gente precisaria, quando terminar o mandato de cada governante, a gente questionar ele para perguntar o que foi feito para o povo. Porque os caras querem privatizar, tem gente que só pensa em privatizar. Ele se vende como moderno, arruma até o paletó, fecha o paletó quando vai dar entrevista e fala: não, “porque nós vamos vender nossas empresas, porque nós vamos fazer isso e vamos fazer aquilo”. Ou seja, mas não tem uma proposta de algo novo. Porque quando você começa a vender o patrimônio do estado, que é de todos, quando terminar de receber você vai fazer o quê?
Não conheço uma empresa que privatizou para baratear as coisas. Qual o discurso que fazia há um tempo atrás, João, dizendo: é preciso que a gente abra concorrência na área do petróleo, é preciso desmontar a Petrobras, vamos vender a BR que vai ter mais empresas participando. Venderam a BR, hoje tem 392 empresas importando gasolina dos Estados Unidos. É por isso que o preço tem que ser precificado, porque é preciso encher a pança dos acionistas de Nova Iorque em detrimento dos investimentos que a empresa precisa. A mesma coisa vale para a Copene, para a Copel no Paraná, ou seja, é uma empresa que está ganhando dinheiro, mas está apenas distribuindo para os correntistas. O que está fazendo de novos investimentos nesse país? Você não pode achar que só os acionistas têm direito, ou seja, tem que ter uma reserva para investimento, e não tem nenhuma explicação o preço da gasolina ser internacional se o petróleo é nosso, se nós somos autossuficientes, se a Petrobras tem competência. Nós temos é que fazer novas refinarias.
Nós quando viemos aqui na Refinaria Getúlio Vargas resolver o problema da refinaria, fazer, reformar ela para ela ficar mais moderna, ou seja, a gente não queria que ela fosse privatizada, a gente queria que ela fosse uma empresa brasileira, e se fosse necessário que a gente aumentasse a capacidade produtiva dessa refinaria. Porque hoje o Brasil não tem capacidade de refinar porque não fez refinaria. Quando eu estava na presidência a gente estava fazendo mais uma no Ceará e mais uma no Maranhão, simplesmente pararam, como pararam a fábrica de fertilizante. Então, meu caro, é o seguinte, esse país tem jeito, esse país só tem que eleger alguém que goste do Brasil, alguém que goste do povo brasileiro e alguém que não goste da boca para fora. A gente tem que saber se essa pessoa conhece o Brasil, se essa pessoa convive com esse povo, quantas vezes esse cara que está falando ficou desempregado, quantas vezes esse cara morou em bairro que dá enchente, quantas vezes esse cara passou fome. Porque essa a ligação com o povo é necessária para que a pessoa tenha compromisso.
Senão o cara ganha as eleições e fica só: é preciso cuidar da política fiscal, é preciso fazer um teto de gastos. Ora, o teto de gastos só faz quem não tem competência. Eu aprendi esse negócio de teto de gastos com a dona Lindu. Minha mãe era analfabeta, a gente recebia um pagamento no final do mês, vinha dentro de um envelopinho amarelo, a gente entregava o envelope da mão dela, ela pegava o dinheiro e separava: esse é para o aluguel, esse é para a padaria, esse é para o supermercado, esse é para pagar o ano de vocês, se sobrasse gastava em alguma coisa, se não sobrasse não vai gastar mais. Tem capacidade de endividamento? Tem. Então faça o endividamento que você possa pagar, se não tem não faça. Agora, quando você faz um teto de gastos e o único objetivo do teto de gastos é você evitar dar aumento de salário e evitar fazer política para melhorar a vida do povo, esse teto de gastos não vale. É por isso que eu sou contra o teto de gastos.
João Barbiero: Bom, acho que terminamos, presidente, o senhor tem outros compromissos e eu quero agradecer a oportunidade de estar conversando com o senhor aqui. Muito obrigado Eduardo Vaz, obrigado Márcio também pela oportunidade que nos dá de estar conversando com o Paraná através da sua rede de comunicação. E ao presidente Lula boa sorte na sua caminhada, que todo esse discurso obviamente se concretize com a sua força, com o seu dinamismo, com o seu trabalho. Para encerrar, presidente, que tipo de música o senhor está ouvindo nessa fase da sua vida?
Luiz Inácio Lula da Silva: João, antes de falar de música eu queria só agradecer a você, agradecer ao Márcio Martins e agradecer ao Eduardo Vaz, e dizer para vocês que foi muito bom dar essa entrevista para vocês. Eu na verdade agora eu tenho pouco tempo para ouvir música, cara, porque eu tenho trabalhado muito. Eu levanto 5:30 da manhã para fazer a minha ginástica, depois eu começo a trabalhar às 8 horas e estou parando 11 horas, meia-noite, só para trabalhar. As músicas quem ouve é o Stuckert, quem está cuidando desta gravação aqui, me enchendo os pacová todo dia, dos assessores e dos candidatos a deputados. Ou seja, eu tenho ouvido as músicas que o pessoal está fazendo para a minha campanha, que tem umas muito boas, muito engraçadas. E é isso, eu tenho trabalhado muito. Eu agora eu fiz uma visita no Rio de Janeiro e eu tive o prazer imenso de jantar na casa do Chico, jantar na casa do Gil, jantar na casa do Martinho da Vila, depois na Bahia jantar na casa da Daniela Mercury, com muitos artistas. Eu estou fazendo uma agenda cultural. Quando eu for no Paraná também eu vou querer fazer tudo, o meu sonho é fazer um discurso na Boca Maldita. Fazer um discurso. E depois eu quero ir ver se a gente encontra um grupo de artistas para a gente jantar e ouvir um pouco de música. Um abraço no coração, obrigado meu querido para vocês, um beijo no coração.
João Barbiero: Valeu Lula, um abraço. Bem, fechamos. Foi… fizemos a nossa parte, não é Márcio?