Alexandre Padilha: Cinco anos do Mais Médicos, uma revolução interrompida

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Há cinco anos a saúde pública do Brasil assumiu o compromisso mais corajoso e ousado, depois da criação do SUS: enfrentar qualquer preconceito e resistência para fortalecer uma atenção em saúde focada nas pessoas e baseada nas comunidades das áreas mais remotas do país.

O programa Mais Médicos levou atendimento médico básico de profissionais brasileiros e estrangeiros a milhões de pessoas que não tinham acesso nas periferias das grandes cidades, comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas.

Ele apresentava quatro grandes eixos: passar de 374 mil médicos para 600 mil até 2026 atuando no Brasil; ampliar a oferta nos cursos de graduação e residência médica com 11,5 mil novas vagas de graduação até 2017 e 12,4 mil novas vagas de residência para formação de especialistas para o SUS; reorientação da formação médica, mais centrada nas pessoas e com forte presença da atenção primária em saúde ao longo do curso; e investimento de R$ 5,6 bilhões em reformas, equipamentos e construção de novas unidades de saúde. 

Pesquisas comprovaram que o programa levou acesso a atenção básica a 63 milhões de brasileiros —24,6% da população brasileira—, com 18.240 médicos, sendo mais de 11 mil cubanos, a 4.058 municípios e 34 distritos indígenas —72,8% dos municípios brasileiros passaram a ser atendidos.

Onde já havia médicos, o programa contribuiu para a fixação e redução do rodízio de profissionais nas unidades básicas, como mostra estudo publicado pela Organização Pan-Americana da Saúde na periferia da zona sul de São Paulo —onde, de 2012 a 2016, a percentagem média de equipes da Estratégia de Saúde da Família sem médicos nas unidades de saúde passou de 20,9% para -1,8%, respectivamente.

De acordo com pesquisa do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas de 2015, para 85% dos atendidos houve melhora na qualidade do atendimento; para 87%, o médico é mais atencioso; e, para 82%, houve melhora na resolução dos problemas na consulta.

Fico impressionado quando visito cidades do interior do país e na periferia das cidades e ouço da população que, se não fosse pelos profissionais do programa, talvez não recebessem atendimento médico, sobretudo com o cenário atual de congelamento de recursos para a saúde, fechamento de serviços e descompromissos de vários governos municipais e estaduais.

Pela aprovação da população, o governo de Michel Temer não conseguiu acabar com o programa, mas está destruindo sua base, alma e energia com conjunto de iniciativas para eliminar sua subsistência.

De acordo com informações do Ministério da Saúde, o Mais Médicos conta hoje com 16,5 mil profissionais, sendo 8,4 mil cubanos. Mais de sete milhões de pessoas deixaram de ser atendidas em decorrência de atrasos na reposição dos médicos, diminuição da quantidade de municípios participantes e equipes do programa Estratégia Saúde da Família.

Além disso, um dos intuitos do programa era que todos médicos atuassem por ao menos um ano da residência médica na atenção primária, dentro das Unidades de Saúde, mais perto das pessoas, convivendo na rotina das comunidades. Com isso, teríamos um grande aporte de profissionais para atenção básica até 2019, qualificando sua firmação e reduzindo a dependência de estrangeiros no programa.

Outro passo estruturante era o exame nacional de progresso a ser aplicado regularmente a todos os estudantes de medicina para avaliação da qualidade de formação e, sobretudo, da escola que os forma. Não basta querer agir apenas no produto final do curso, como agem os defensores absolutos dos exames de ordem.

O atual governo também não deu os passos finais para isso. Suspendeu planejamento, reduziu a formação de preceptores e o envolvimento das universidades, o que faz com que ele sobreviva única e exclusivamente pela capacidade e compromisso dos médicos envolvidos e de secretários municipais de saúde de não perderem esses profissionais no momento em que tanto se perde na área da saúde. 

O atual governo mudou a Constituição e estabeleceu que não se pode investir mais recursos na saúde para os próximos 20 anos, sinalizando a diminuição do SUS, perdendo a qualidade, reduzindo ainda mais a estrutura que tem e inviabilizando a atuação dos profissionais do Mais Médicos, porque ele não existiria se não fosse o SUS.

Tal regra já funciona na prática, pois promoveu cortes federais na saúde e, mais do que isso, inibiu a ampliação de investimentos dos estados e municípios, já que estes, sem garantia de ampliação e habilitações pelo Ministério da Saúde, passaram a praticar o fechamento de unidades de saúde, com fez o ex-prefeito de São Paulo João Doria.

Em cinco anos do Mais Médicos, devemos comemorar sua ousadia e as mudanças que ele provocou, mas ficar preocupados e alertas pela destruição das suas bases e das ações estruturais pelo atual governo federal.

Alexandre Padilha
Médico, professor universitário e criador do programa Mais Médicos; ex-ministro da Saúde (2011-2014, governo Dilma) e da Secretaria de Relações Institucionais (2009-2010, governo Lula); ex-secretário municipal de Saúde de São Paulo (2015-2016, gestão Haddad)

Originalmente postado na Folha de S.Paulo