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Artigo: África – Uma parceria global renovada para a era pós-2015, por Carlos Lopes

Reproduzimos mais um artigo de Carlos Lopes. publicado em seu blog, em janeiro. Ele ganha especial importância agora, quando o Brasil avança nas suas parcerias com muitos países africanos e consolida o acordo do Instituto Lula com a União Africana e a FAO no combate pela erradicação da fome na África até 2025.

Ao qualificar as parcerias desejadas pelos africanos, Lopes diz em seu artigo: “Uma nova parceria global deve ser mutuamente benéfica, promover a autonomia dos Estados africanos por meio de apoio à capacitação, ao desenvolvimento tecnológico e à industrialização, e considerando as prioridades de desenvolvimento da África.”

Carlos Lopes é o atual secretário-geral adjunto e secretário-executivo da Comissão Econômica para a África da ONU. Ele nasceu na Guiné Bissau e atualmente é uma das principais referências no debate sobre o desenvolvimento do continente africano.

Uma parceria global renovada para a era pós-2015, por Carlos Lopes

Entre 2000 e 2009, onze países africanos cresceram a uma taxa anual de 7 por cento ou mais, o que é considerado suficiente para dobrar suas economias em dez anos. O PIB coletivo atual da África de mais de US$ 2 trilhões é praticamente o mesmo que o do Brasil ou da Rússia e maior que o da Índia. Sob o ponto de vista econômico, a África agora é vista como um vibrante mercado de fronteira e um polo emergente de crescimento.

Indicadores sociais e políticos também foram aprimorados, com conquistas significativas em matrículas na escola primária e paridade de gêneros. Foram registrados declínios nas taxas de prevalência de HIV/AIDS e de mortes maternas. No entanto, o desemprego permanece alto – especialmente entre os jovens –, os ganhos com HIV/AIDS e malária foram obtidos por acesso a fundos verticais, praticamente metade da população é considerada pobre e o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM) da África está abaixo da média.

Não há dúvidas de que as parcerias globais podem proporcionar o ímpeto para combater os principais desafios socioeconômicos enfrentados pela África. A Índia deixou de ser um dos maiores receptores de ajuda humanitária internacional do mundo nos anos de 1980 para se tornar uma doadora da rede, e hoje a ajuda internacional constitui menos de 0,3% de seu PIB nacional, além de o país ser membro do BRICS e do G20. O desempenho do desenvolvimento da Índia é um dos mais espetaculares dos últimos 50 anos. O país conduziu uma revolução agrícola, transformando-se em um grande exportador de alimentos, dobrando sua expectativa de vida e reduzindo pela metade a taxa de pobreza.

As parceria globais, portanto, podem funcionar para a África se estiverem alinhadas com a visão estratégica do continente e apoiadas por uma voz continental unificada. Os resultados mistos registrados com o ODM8, por um lado, e a ambição da África de incentivar o crescimento sustentável transformador, por outro, justificam que pensemos na parceria global de uma nova forma. O fim iminente da era do ODM oferece, portanto, uma oportunidade de revisitar parcerias globais de uma maneira ao mesmo tempo benéfica e sustentável.

Os parceiros de comércio global não estão entre os interesses da África no momento. No início da adoção do próximo conjunto de objetivos do milênio, a contribuição da África para o comércio global permanece marginal: cerca de 3 por cento, ainda dominado pelos produtos primários e amplamente não alterado, desde 2000.

Os esforços para aumentar a participação do continente no comércio global por meio da Ajuda para o Comércio e de iniciativas de acesso preferencial ao mercado produziram resultados mistos. Embora os compromissos da Ajuda para o Comércio tenham aumentado nos últimos anos, as despesas os tornaram insuficientes. Além disso, a proporção de importações de países desenvolvidos da África (isenção de impostos admitida) foi estagnada. Essas tendências são lamentáveis, uma vez que o comércio representa um importante mecanismo de promoção do crescimento duradouro e do emprego em países em desenvolvimento.

Diante disso, precisamos ficar atentos para a heterogeneidade dos países africanos, como os países menos desenvolvidos (LDC, least developed countries), os países sem litoral (LLDCs, landlocked developing countries) e os pequenos estados insulares em desenvolvimento (SIDS, small island developing states). As necessidades especiais desses países, como reconhecido pela Declaração do Milênio, devem ser refletidas na próxima estrutura de parceria global, que deve fazer ainda melhor em termos de opções de financiamento para os países mais vulneráveis.

Quais podem ser algumas das características de uma nova estrutura de parceria global?

As parcerias globais permanecem fundamentais para lidar com preocupações globais como mudança climática, conflitos e insegurança, instabilidade financeira, fluxo ilícito de capitais ou ameaças à saúde.

Uma nova parceria global deve ser mutuamente benéfica, promover a autonomia dos Estados africanos por meio de apoio à capacitação, ao desenvolvimento tecnológico e à industrialização, e considerando as prioridades de desenvolvimento da África. E embora essas prioridades sejam particulares a cada país, a transformação estrutural e o desenvolvimento de capacidades fundamentais para sustentar a agenda de transformação são duas áreas comuns à maioria dos países africanos. Essa nova parceria deve evitar a lógica de doador-receptor que corrobora o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 8 com relação às parcerias globais e promover o comércio justo, o investimento direto e a cooperação gradativa com o setor privado nativo.

Paralelamente, a África deve assumir mais a sua própria agenda de desenvolvimento. Isso exigirá que os países realizem uma avaliação crítica de seus potenciais de recursos domésticos e desenvolvam estratégias de mobilização de recursos que visem maximizar esse potencial. A mobilização de recursos domésticos não se resume à captação de recursos, mas também abrange a restauração das responsabilidades do Estado com seu povo e a correção da responsabilidade invertida do Estado para os parceiros de desenvolvimento. Essa responsabilidade exigirá estruturas nítidas de Monitoramento e Avaliação, e uma data de linha de base a partir de 2015. Sendo assim, os sistemas oficiais de estatística e sistemas adicionais de informações precisam de atenção e apoio especiais.

A nova estrutura deve levar em conta também as condições iniciais de cada país. Isso é importante, pois o desempenho deve ser considerado com relação às conquistas obtidas tendo como referencial o ponto de partida. Não podemos repetir o erro metodológico de aumentar o progresso de todos os países com relação a um objetivo universal, como se todos estivessem partindo do mesmo ponto. Diante disso, a responsabilidade mútua, os mecanismos de imposição e os mecanismos que incentivem a conformidade das empresas multinacionais com as normas e os padrões internacionais são características indispensáveis dessa nova estrutura.

Para finalizar, a futura parceria global deverá incluir um novo conjunto de atores, como o setor privado, parlamentares, a sociedade civil, fundações privadas, mulheres e jovens. Em particular, as vozes dos jovens devem ser ouvidas no continente mais jovem.

Enquanto estamos na transição para a próxima agenda de desenvolvimento, devemos estar unidos em nosso compromisso de negociar uma parceria global e uma arquitetura de financiamento que respeitem as prioridades de desenvolvimento da África, promovam os interesses mútuos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento e responsabilizem todos os lados por suas ações, com credibilidade. A falha em realizar isso constituirá em um naufrágio de nossos deveres como líderes de instituições, comunidades e países.

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