Colaborador do Instituto Lula, o professor João Bosco Monte é pós-doutor em Relações Internacionais e consultor internacional. Ele compartilha conosco um artigo publicado no jornal O Povo, de Fortaleza, no qual critica a estratégia da a importação de alimentos que podem ser produzidos localmente para combater o problema da fome. “É uma proposta economicamente frágil, ambientalmente inadequada e socialmente negativa porque não favorece nem a produtores nem a consumidores”. Em contraponto a isso, ele defende o empoderamento dos indivíduos. Ou seja, “deixar de tratar as pessoas que passam fome como objetos passivos receptores de caridade, senão como sujeitos ativos iguais que têm capacidade de contribuir e decidir e que acima de tudo têm dignidade e uma cultura que se deve respeitar”.
Leia abaixo o artigo na íntegra:
Nos últimos anos tem sido comum o debate em torno da capacidade que os países dispõem – principalmente os mais pobres – em proporcionar alimentos para suas populações. E dentro das diversas questões que surgem a respeito deste tema, reside o principal problema que até agora não foi solucionado. Como prover alimentos para todos?
É importante mencionar que a Organização das Nações Unidas, através da Declaração de Direitos Humanos, afirma que “Toda pessoa tem direito a um nível de vida adequado que lhe assegure, bem como a sua família, a saúde e o bem-estar, e em especial a alimentação, ao vestuário, a moradia, a assistência médica e os serviços sociais necessários”.
Como se não bastasse, para ratificar e tornar esta premissa uma realidade, em 1996 em Roma foi assinado o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, onde os Estados signatários, individualmente e mediante a cooperação internacional, se comprometeram a garantir o acesso à alimentação (meios de produção, distribuição equitativa etc) a todos os cidadãos.
O que se vê, entretanto é que as garantias asseguradas em gabinetes não atendem às necessidades individuais e coletivas e a fome ainda é um problema sério e que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, e mais uma vez se tornam aparentes os paradoxos da globalização do mundo em que vivemos.
Segundo a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação-FAO, a geração de alimentos no planeta Terra é duas vezes maior que a necessidade para alimentar toda a população mundial, mas existem atualmente aproximadamente um bilhão de pessoas desnutridas no mundo. Isto significa que ao menos uma de cada 7 pessoas não tem alimentos suficientes para levar uma vida saudável ativa. A FAO afirma ainda que a fome e a desnutrição são consideradas a nível mundial o principal risco à saúde, mais do que a aids, a malária e a tuberculose juntas.
É imperativo, portanto, que o tema da segurança alimentar mundial se apresente de forma recorrente nos grandes fóruns mundiais para que sejam identificadas as alternativas para a distribuição de alimentos para todos, principalmente quando a falta de vontade política dos Estados e a especulação com o preço dos alimentos se caracterizam como as principais causas do problema.
Há de se considerar também que as relações econômicas no presente têm na produção e comercialização de alimentos, diferentemente de outras épocas, uma lucrativa fonte de rentabilidade. As concentradas e centralizadas empresas mundiais controlam o mercado das sementes e agroquímicos que incidem nas formas de produzir, bem como nos custos e preços dos alimentos no mundo.
Da mesma forma, as potências econômicas e grandes empresas multinacionais monopolizam terras em diferentes espaços nacionais (sobretudo na Ásia e África), garantindo grandes lucros através da comercialização de mantimentos, criando ou potencializando uma autêntica insegurança alimentar numa época de aumento da produção de alimentos.
Por outro lado, a importação de alimentos que podem ser produzidos localmente, sem importar sua procedência nem o impacto ambiental e social de sua produção e transporte, é uma proposta economicamente frágil, ambientalmente inadequada e socialmente negativa porque não favorece nem a produtores nem a consumidores.
Como alternativa para resolver o problema, uma das estratégias para promover a produção local, ante as atuais regras do comércio mundial de alimentos, é melhorar as possibilidades dos agricultores de competir respeitando seu ambiente, sua cultura, sua história e o direito dos povos de produzir seus alimentos. Igualmente, se incorpora o conceito de soberania alimentar propiciando sua viabilidade econômica mediante processos de inovação.
Para impulsionar a produção alimentar nos países em desenvolvimento, e em particular nos menos desenvolvidos e mais seriamente afetados entre eles, as nações desenvolvidas e outros países que estejam em condições de fazê-lo deverão adotar medidas internacionais urgentes e efetivas afim de favorecer assistência técnica e financeira em condições favoráveis e em volume suficiente para suas necessidades, através de acordos bilaterais e multilaterais. Esta assistência não deverá ir unida a condições que atentem contra a soberania dos Estados beneficiários
Diante desta situação, uma solução que se apresenta como estratégia global a longo prazo é o empoderamento dos indivíduos. Isto quer dizer, deixar de tratar as pessoas que passam fome como objetos passivos receptores de caridade, senão como sujeitos ativos iguais que têm capacidade de contribuir e decidir e que acima de tudo têm dignidade e uma cultura que se deve respeitar.
A produção e distribuição de alimentos devem figurar de forma incisiva na agenda dos Estados, pois a fome tem um impacto positivo na paz e na segurança mundial.
João Bosco Monte
Pós-doutor em Relações Internacionais
Consultor Internacional
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