Autores de cartas para Lula comemoram liberdade e chance de ler seus textos para o ex-presidente

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“Resistamos. Fique forte, Não adoeça, é uma ordem! Preste atenção, menino: você não tem direito de ter uma gripe”.

A médica paraibana Fátima Lima encerrou com esse pedido de cuidado a primeira das três cartas que enviou ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Era o feriado de Tiradentes em 2018, duas semanas depois que ele se entregou e foi detido de forma arbitrária na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR).

Fátima, que vive em Natal, chegou a passar um dia na vigília que permaneceu do lado de fora da PF até a libertação de Lula, em novembro de 2019. Ela só não imaginava que pouco mais de quatro anos após escrever para o ex-presidente pela primeira vez, teria a chance de ler pessoalmente a carta para ele.

O texto de Fátima foi um dos 46, das mais de 25 mil correspondências que Lula recebeu ao longo dos 580 dias na PF, selecionadas para fazer parte do livro Querido Lula, lançado na noite de hoje, 31, em um ato no teatro Tuca, em São Paulo. Do total, 21 dos missivistas tiveram a chance de falar ao ex-presidente, com atores e artistas lendo as outras cartas.

“Quando eu tinha 19 anos e era estudante, costumava escrever cartas para os colegas que tinham sido presos pela ditadura. Como não existia internet e eles não tinham acesso a televisão, eu escrevia uma pequena crônica, era um jeito de contar para eles o que estava acontecendo do lado de fora”, explicou ela, “Escrevi a Lula para contar da dor de todos nós, da falta de liberdade. Também contei algumas histórias da minha infância no sertão, A ideia era conversar com ele, estar junto”.

Não soltar a mão de Lula e protestar contra a injustiça foram os temas de muitas das cartas que o ex-presidente recebeu. Algumas, no entanto, adotaram um tom mais pessoal. Foi o caso da estudante de História Marina Ribeiro, de São Paulo. Com apenas 19 anos na época, ela mandou uma mensagem não necessariamente para o ex-presidente, mas para o cidadão que estava detido injustamente.

“Foi uma carta muito pessoal. Era muito jovem e estava vendo tudo sendo desmontado, via um futuro muito complicado pela frente. Mas quis escrever mais para o Luiz Inácio que para o Lula. Comentei que o Corinthians tinha ganho naquela semana, achei que ele tinha ficado feliz com isso, perguntei se ele tinha uma TV para ver o jogo”, conta Marina.

Filha de uma ex-sindicalista, ela relata que passou a infância em manifestações e eventos de esquerda e viu vários discursos do ex-presidente, mas que essa foi sua primeira oportunidade de se dirigir a ele pessoalmente. Em outubro ela também será sua primeira oportunidade de votar nele para presidente. “Achei que não teria essa chance”, admite.

Acervo precioso

A oportunidade de lançar o livro com uma cerimônia dessas é algo que a historiadora francesa Maud Chirio não vislumbrava quando começou a arquivar e catalogar as cartas para o ex-presidente, ainda em 2018, em parceria com o Instituto Lula, O que começou como um ato de resistência acabou se tornando um importante documento de dias difíceis no Brasil e uma celebração de liberdade.

“Queríamos fazer isso como proteção contra um possível apagamento da memória. No processo de organização, fomos descobrindo que era um acervo excepcional, que precisava ser conhecido, que a emoção era universal. São vozes populares, cidadãos contando suas trajetórias e como o Estado pode mudar a vida das pessoas”, relata ela.

Além de uma versão do livro em francês, que foi lançado na França em março, e de um espetáculo que já foi encenado em seu país, Maud explica que o livro ainda terá uma tradução para o espanhol, que será vendida na América Latina e na Espanha. Um site com parte das cartas, disponível em inglês, português, espanhol e francês, também deu resultados surpreendentes, segundo ela. “Pessoas de todas as partes do mundo contam que se identificaram com os relatos”, diz.