Bolsolão do asfalto é consequência do ‘toma lá, dá cá’ de Bolsonaro com orçamento secreto

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O governo Bolsonaro tem uma relação especial com o asfalto. Construir estradas é, nos últimos anos, um dos argumentos favoritos para falar de boas ações da gestão, sem falar das motociatas que tomaram as vezes de manifestação popular nos últimos anos. Para comemorar seus mil dias de governo, no ano passado, o presidente fez uma agenda para inaugurar 10 km de trechos de rodovias e aproveitou para mentir sobre sua atuação na produção de vacinas e no enfrentamento da pandemia de covid-19.

Não haveria de ser motivo para nenhuma atenção especial, mas, como se trata de Jair, não estamos falando de desejáveis investimentos em infraestrutura, mas de mentiras e denúncias de corrupção. Na segunda (10), uma reportagem da Folha de S.Paulo trouxe à luz a mais recentes delas, que já ganhou o nome de Bolsolão do asfalto. Segundo o jornal, a empreiteira Engefort, de Imperatriz, no Maranhão, tem conquistado a maioria das concorrências de pavimentação do governo Bolsonaro em diferentes licitações nas quais participou sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada em nome do irmão de seus sócios.

Tudo, é claro, graças à farra do orçamento secreto: fonte de 70% dos recursos recebidos por ela até agora.

“Até agora, o governo reservou cerca de R$ 620 milhões do Orçamento para pagamentos à empresa —o valor total já quitado a ela soma R$ 84,6 milhões. Apesar do volume, a empresa é uma caixa-preta e silencia sobre seus contratos e a firma de fachada usadas nas concorrências”, diz o texto.

A empresa é líder dos repasses da Codevasf, estatal federal entregue por Bolsonaro numa barganha política que afrouxou o controle sobre as obras, e também se beneficia de verbas de emendas parlamentares. No ano passado, foi a segunda construtora mais contratada pelo governo federal com dinheiro público, apesar de não ter comprovado no balanço o valor real das obras executadas, como apontou uma auditoria independente.

A Engefort foi a única participante das licitações em 15 estados e no Distrito Federal, e ganhou 53 concorrências, ou mais da metade dos pregões. Um exemplo citado na reportagem é o de Minas Gerais, onde ela concorreu sozinha em 10 de 21 pregões apesar de haver no estado mais de 200 empresas do setor de construção pesada.

A situação causa ainda mais estranheza após a Folha ter descoberto que, em parte dos processos licitatórios, a única concorrente da construtora foi a Del Construtora Ltda, empresa de fachada de um dos sócios da Engefort. O endereço que consta nos documentos dela nem sequer existe.

A história não para por aí. Transparência não é e nunca foi marca da gestão de Bolsonaro, e o mesmo vale para a nova denúncia. Segundo o jornal, a empreiteira fez reuniões sem registro em atas com o então titular do Ministério do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Para chegar na denúncia, a Folha analisou documentos de 99 concorrências de pavimentação da Codevasf realizadas em 2021 por meio de um tipo de licitação simplificada chamada pregão eletrônico, que ocorre de forma online. É justamente esse tipo de pregão que são parte da manobra feita por Bolsonaro para dar vazão a recursos bilionários de emendas parlamentares que reduziu o controle sobre planejamento e fiscalização das obras.

Essa não é a primeira vez que a população denuncia a péssima qualidade das obras de pavimentação neste governo, e começaram a vir à tona pouco depois da manobra. Na cidade de Petrolina, os moradores nem se atrevem a chamar aquilo de asfalto. Por lá, o nome é farofa ou Sonrisal. A qualidade é tão baixa que o pavimento derrete sob o sol quente (que não são poucos já que estamos falando de Pernambuco) e gruda na sola dos sapatos de quem anda por aí. Quando quebra em pedaços, se esfarela, daí os apelidos “carinhosos”.

Com menos de um ano desde que a obra foi entregue, já há diversos trechos com buracos e falhas. E quando chove, alaga, porque a construção não levou em conta serviços de drenagem ou construção de meio-fio. O asfalto da obra é tão ruim que em fevereiro a Controladoria-Geral da União listou dez irregularidades no processo de contratação e execução das pavimentações, destacando a falta de planejamento prévio e de projeto básico para as obras.

Ou seja, quando Bolsonaro de fato faz algo que parece positivo, e não só inaugura obras construídas quase que majoritariamente nos governos petistas, o presidente na verdade está fazendo o velho jogo político do toma lá, dá cá. Com o agravante da falta de transparência, do afrouxamento da fiscalização e da péssima qualidade do que entrega.

Sobre a reportagem da Folha, a direção da Engefort e a Codevasf não se manifestaram ao jornal em relação às apurações quanto à falta de competitividade nos pregões, ao uso de empresa de fachada e à precariedade da obra recente do anel viário. Procurada, a Codevasf não respondeu aos questionamentos específicos sobre a Engefort.