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Chuva, frio e tensões não arrefecem resistência nos arredores da PF

Quinze graus em Curitiba. Nove dias desde que os arredores da Polícia Federal no bairro Santa Cândida foram tomados por gente de todos os lugares do Brasil. O frio que tomou conta da capital paranaense não arrefece a multidão que cerca o prédio da PF. Restritos a uma distância de 100 metros do prédio que detém Lula, centenas de acampados criam uma nova rotina que mistura a sensação de que o ex-presidente está entre eles, mesmo não estando fisicamente.

Mas Lula pode ouvir. E seus apoiadores falam com essa certeza. A cooperação rege o acampamento, que congrega os mais variados movimentos. Todos os dias ônibus de todos os lugares chegam ao local. Doações se acumulam em uma tenda central. Se acumula também a solidariedade dos moradores locais, que abrem as portas de suas casas para acolher estranhos com um mesmo ideal. 

Em tempos de quebra institucional, na vigília pela libertação de Lula a fé se faz muito presente. Atos ecumênicos aglomeram diferentes crenças em atividades que fazem valer a democracia em sua essência. Lideranças políticas se revezam em presença permanente. Em uma semana, nove governadores, senadores, deputados, pré-candidatos da esquerda, líderes dos movimentos sociais. A pluralidade de lideranças não altera o discurso: Lula segue candidato. Todo dia resistência.

Resistência também virou nome da vira-lata adotada pelos metalúrgicos do ABC. Caminhava perdida pela avenida entre os carros e a polícia, quando foi socorrida e agregada a uma barraca. Hoje aquecida por seus novos companheiros, tem no horizonte sua nova casa: a cidade de São Bernardo. E só vai para lá acompanhada do ex-presidente Lula, garantem seus novos donos. 

Lula Livre foi o nome escolhido para batizar o acampamento. Eles já estavam lá quando no dia 7 de abril o helicóptero que trazia o ex-presidente aterrizou. Foram dispersados com bombas e gás lacrimogêneo em uma ação desmedida ainda sem resposta. Durante a semana, enfrentaram resilientes a dura batalha pela permanência do acampamento. E mesmo sob a iminência de remoção por vias judiciais, eles garantem que Lula não deixará de ouvir do “bom dia” ao “boa noite”, em uma vigília democrática diária e permanente ali. 

Cozinhar também é um ato político

Isabel, 62, tem pouco mais de um metro de altura. As panelas da cozinha do acampamento com cerca de 40 cm não a intimidam. Neste domingo foram 50 kg de arroz, feijão e frango com batatas. Quatro horas cozinhando para alimentar 150 pessoas que junto com ela atravessaram quase 700 km de Ribeirão Preto (SP) a Curitiba (PR). Quando saíram de lá os termômetros marcavam 35º. A queda de 20º na temperatura também não intimida. Isabel não consegue responder o que sente em relação a Lula preso. Também não consegue escrever para o ex-presidente sem chorar. Mas segue alimentando a resistência. 

“Dar de beber a quem tem sede”

Gelsoli Bandeira é dono de uma das casas mais simples da rua. Foi ele o primeiro a abrir suas portas para os recém chegados a Curitiba. “Eu estava voltando do trabalho e vi uma pessoa pedir água e uma vizinha recusando. Naquela hora soube que tinha que ajudar. A bíblia ensina: dai de beber a quem tem sede”, relatou Bandeira, que não só deu água como tornou sua casa uma espécie de QG do acampamento, oferecendo o espaço para banho e emprestando energia elétrica. “Pena que minha casa é pequena e só tem um banheiro”, diz, de forma acolhedora, sempre solicito e preocupado em ajudar mais. 

Os ideais de solidariedade e luta do acampamento são os mesmos disseminados por Lula durante toda sua vida política. Hoje privado do direito de se insurgir contra as graves agressões à democracia e a sua própria figura, Lula dorme tranquilo sabendo que bem ali, do lado de fora, suas ideias estão vivas e em batalha pela sua liberdade.

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