Como a milícia digital e movimentos de direita se apossaram das redes sociais

Caso do iFood relembra como milícia digital se apossou das redes sociais com disseminação de fake news e pode prejudicar eleições em 2022.

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Nesta semana, veio a público a tática usada por uma grande empresa de delivery de alimentos para minar um movimento grevista de motoboys que lutavam por melhores condições de trabalho. Com a ajuda de empresas de marketing e monitoramento de redes sociais, o iFood se infiltrou nos movimentos para ditar a pauta dos grevistas e enfraquecê-la, além de criar diversas páginas em redes sociais. A injeção de recursos financeiros foi parte crucial da estratégia.

Essa tática é muito parecida com a que vem sendo usada há tempos por parte do marketing eleitoral. As empresas contratadas pelo iFood, inclusive, Benjamin Comunicação e Social Qi, atuam na política. A Benjamin Comunicação tem como diretor Lula Guimarães, que foi responsável pela propaganda da campanha presidencial de Eduardo Campos e Marina Silva (2014), de Alckmin (2018) e de João Dória à prefeitura de São Paulo, em 2016. A SQi é contratada atual de João Dória para monitoramento de suas redes sociais.

A estratégia utilizada pelo iFood foi revelada por uma reportagem da Agência Pública, que ouviu funcionários de agências de inteligência e monitoramento digital que prestaram serviços para a empresa.  Uma dessas fontes cita o “gabinete do ódio”, criado e mantido por Bolsonaro, como exemplo.

“O modelo (usado pela agência) era o de propaganda lado B. Tipo o que o Bolsonaro faz com o gabinete do ódio, mas que as agências já fazem há muito tempo”, diz uma das fontes. O gabinete do ódio de Bolsonaro faz campanha de ataque a adversários baseando-se na disseminação massiva de fake news.

Essa tática é usada principalmente por movimentos de direita na política brasileira e mundial e levanta dúvidas sobre a contratação de agências para fazer trabalhos semelhantes para utilizar fake news para minar reputações de empresas como Correios, Petrobras, sistemas como o SUS, sindicatos e cooptar movimentos como as Jornadas de Junho, todos na mira da direita brasileira.

Um caso que merece atenção especial e mostra muito bem como funciona a guerrilha bolsonarista é o caso da plataforma Brasil Paralelo, que ninguém sabe de onde veio e para onde vai, mas é muito boa em colocar reputações em xeque, somente de políticos de esquerda, baseando-se em fake news. A plataforma, inclusive, já defendeu discursos supremacistas.

Mas chama atenção sua estratégia de marketing digital que envolve muita inteligência e, sobretudo, quantidades enormes de dinheiro. Uma delas é anunciar no Google utilizando o próprio nome da plataforma para elevar muito o custo por clique e inviabilizar que um “concorrente” anuncie com a mesma palavra-chave (o nome da plataforma) para questionar seu conteúdo. E esse é apenas um dos exemplos de uma estratégia de milícia digital muito bem pensada e construída, sem citar sua fonte de financiamento.

Após pesquisarmos mais sobre a plataforma, já recebemos sua publicidade convidando para que nos tornássemos associados, pelo Twitter.

Bolsonaro e as milícias digitais

Bolsonaro tem na milícia digital uma de suas principais ferramentas de campanha e de governo. A principal pauta do presidente, desde o último ano, tem sido desacreditar o processo eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas.

Bolsonaro tem feito duros ataques às urnas eletrônicas, baseados em fake news já desmentidas, utilizando-se inclusive de suas lives semanais, que lançam mão de estrutura governamental . Isso fez com que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, incluísse o presidente como investigado no inquérito das fake news, que já tramitava na corte.

O relatório da Polícia Federal sobre o inquérito sugere que Bolsonaro seja investigado e que sua live é mais um evento promovido pela suposta organização criminosa que ataca as instituições e a democracia. A delegada Denisse Ribeiro afirmou que Bolsonaro teve atuação “direta e relevante” na produção de desinformação sobre o sistema eleitoral e aderiu “a um padrão de atuação já empregado por integrantes de governos de outros países”.

A delegada afirma que coletou no inquérito das milícias digitais elementos de uma ação orquestrada de bolsonaristas na difusão de desinformação e ataques às instituições. A atuação deles, segundo a PF, seria por meio do autodenominado gabinete do ódio, que produz conteúdos para atacar pessoas previamente designadas pelo grupo, em sua maioria desafetos políticos ou não políticos.

Esse relatório pode ser um anteparo para coibir algumas ações do grupo em ano eleitoral, assim como as ações do TSE junto às plataformas e redes sociais para coibir a divulgação de fake news, mas está longe de dar conta da dimensão do problema criado pela milícia digital.

Para além de colocar em xeque o resultados das eleições e colocar em risco a democracia e todo o processo eleitoral, as ações do gabinete do ódio têm aumentado a desinformação e incitado a violência. Esse é um problema que acontece em todo o mundo, mas que é visto com especial preocupação no Brasil.

Fake news na velocidade da pólvora

Nesta quarta (6), a Folha publicou uma matéria com um alerta de especialista para o perigo dos memes como arma de desinformação nas redes sociais. Eles são divertidos e fáceis de compartilhar, mas com grande alcance e ausência de responsabilização, tem um poder de espalhar mentiras imenso.

A matéria cita o exemplo da visita de Bolsonaro à Rússia em fevereiro, quando apoiadores passaram a compartilhar memes dizendo que o presidente brasileiro teria “evitado a Terceira Guerra Mundial”. E teve gente que realmente acreditou.

Um estudo publicado em 2018 na Revista Science e realizado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusets, nos Estados Unidos, concluiu que cada postagem verdadeira atinge, em média mil pessoas; enquanto isso, as postagens falsas atingem de mil a 100 mil pessoas.  Os pesquisadores chegaram à conclusão de que as fake news se espalham 70% mais rápido do que as notícias verdadeiras.

Além disso, um estudo do Twitter sobre seu próprio algoritmo descobriu que a plataforma favorece publicações no espectro da direita. A plataforma analisou milhões de tuítes publicados entre 1 de abril e 15 de agosto de 2020 e os especialistas da companhia perceberam que os algoritmos amplificam movimentos de grupos políticos ligados à direita. A plataforma disse que está trabalhando para corrigir as injustiças. Mas, diante de todo o exposto, temos uma batalha longa e árdua em defesa da verdade e da informação de qualidade pela frente.