Tem muito coach financeiro que gosta de anunciar frases feitas por aí. Dinheiro não traz felicidade. Felicidade é que traz dinheiro. Trabalhe enquanto eles dormem. O dia tem 24 horas pra todo mundo. Quer ser rico? Acorde cedo. Seu dinheiro rende mais quando você pensa antes de comprar. Quer uma boa aposentadoria? Poupe. Tudo balela: não dá pra falar em educação financeira sem falar de renda digna, emprego decente e controle da inflação. Foi isso que Lula fez em seus 8 anos de governo, e vai voltar a fazer.
As frases de coach continuam: acredite em você. É possível multiplicar os seus R$ 1.212 mensais e se tornar um milionário. Com inteligência emocional você consegue transformar esse nada em tudo.
O primeiro passo é pensar no futuro. Poupe R$ 100 mensais para a aposentadoria dos filhos. Ah, você não vai se aposentar? Pare de pensar negativo. Destrave sua mente, você foi feito para prosperar. Segundo passo. Não gaste mais do que ganha. Se não está sobrando dinheiro, certamente está gastando com futilidades. Organize uma planilha com os gastos mensais fixos e aperte o cinto.
A cesta básica é suficiente para alimentar uma pessoa por mês, mas porque não quatro? Veja as coisas pelo lado positivo. É uma ótima oportunidade para a família iniciar uma dieta e se manter em forma. A conta de água está muito alta. É possível economizar. O presidente já deu a dica: fazer cocô dia sim, dia não. Corta o gás. E apague as luzes. Tem coisa mais romântica do que um jantar à luz de velas com uma comidinha aconchegante feita no fogão à lenha?
Quem nunca ouviu uma dessas frases ou algo do tipo pipocarem entre um vídeo e outro no Youtube ou em meio a stories? Qualquer rede social que você acesse é uma proliferação de coachs financeiros com suas dicas de investimento, passo a passo para economizar e frases motivacionais que exaltam a produtividade ininterrupta e ridicularizam as horas de descanso.
Uma parte desses “profissionais”, além de não possuír formação adequada, está completamente descolada da realidade econômica da maioria dos brasileiros. Vende-se educação financeira. Entrega-se desconhecimento.
Hoje, cerca de 39% dos trabalhadores brasileiros recebe um salário mínimo de R$ 1.212. Nesse cenário, como seria possível poupar R$ 500 por mês para garantir a aposentadoria do filho? Parece piada. No mundo real, as pessoas estão se endividando para comer.
Nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, o país valorizava o salário mínimo em lei e promovia a distribuição de renda e o controle da inflação, mesmo em períodos de crise econômica. O poder de compra do salário mínimo aumentou continuamente durante todos os anos das gestões dos ex-presidentes Lula e Dilma. Entre 2002 e 2016, o salário mínimo teve aumento real (acima da inflação) de 76%.
Hoje, como dizer a uma mãe soanalo de três filhos que para ela se organizar financeiramente é preciso cortar gastos? Não se trata de gastar mal, mas de ganhar pouco frente à atual conjuntura do país comandado por Bolsonaro e Paulo Guedes: escalada da inflação dos produtos básicos para a sobrevivência, empregos mal remunerados e com mais horas de trabalho, destituição de direitos e benefícios trabalhistas.
Qualquer debate acerca da necessidade de educação financeira deve levar em conta a vida real. Profissionais da área, como a Naty Finanças e a Gaby Chaves, do No Front, têm isso em mente. Mais importante do que saber poupar é entender o que é inflação e como ela corrói o poder de compra do seu salário.
A renda per capita de uma família de quatro pessoas que sobrevive com um salário mínimo é de R$ 303. Importante lembrar que, pela lei de Bolsonaro, essa família não teria direito ao Auxílio Brasil, pois só são elegíveis para receber o benefício famílias com renda per capita de até R$ 210,00.
O valor médio da cesta básica no mês de julho em 17 estados, segundo dados do Dieese, foi de R$ 664,51. De acordo com o próprio órgão, uma cesta básica é suficiente para alimentar um adulto durante um mês. Essa família de quatro pessoa certamente está entre as mais de 125,2 milhões de pessoas que vivem em insegurança alimentar no país, pois convivem com a incerteza diária se terão ou não o que comer. Só com a cesta básica, a hipotética família já comprometeu 54,82% da renda mensal.
É bem provável que essa família esteja entre as que foram obrigadas a retroceder no tempo e passar a usar lenha para cozinhar. Mas vamos supor que isso ainda não foi necessário. Nesse caso, soma-se às despesas mensais R$ 110, o custo de um botijão de gás, contrariando a promessa de campanha de Bolsonaro de que no seu governo o item não passaria de R$ 35.
Suponhamos também que essa família não tenha casa própria, o que é a realidade de 27% da população. O aluguel de uma casa de 2 quartos, de 50 m², no Capão Redondo, está em torno de R$ 750.
Mas essa família tem outros gastos fixo com itens básicos para uma sobrevivência minimamente digna. O consumo racional de água por pessoa é 110 litros/dia. Essa família consome, então, 13,2 mil litros de água por mês. Com o valor do metro cúbico de água para residências vulneráveis, segundo dados da Sabesp, em torno de R$ 2,95, a conta de água dessa família ficaria R$ 38,94.
O Brasil tem a segunda conta de energia elétrica mais cara do mundo. Se a família de quatro pessoas consumir mensalmente 150 KWH/mês, com a média de 1 kwh a R$ 1,03, a conta será de R$ 154,50.
Para o transporte, considerando que as crianças tenham acesso ao passe livre e que o adulto remunerado receba vale-transporte, essa família gastaria quatro passagens por dia para levar e buscar a criança na escola ou outros deslocamentos. O custo desse item fica em torno de R$ 387,20 mensais, com o preço da passagem em R$ 3,22.
O gasto mensal básico dessa família será de R$ 2.105,15. Ou melhor, seria. Pois lembre-se, essa família tem apenas um salário mínimo de renda e não é elegível para receber o auxílio bolsonaro.
E esses são apenas os gastos básicos e fixos. Não entram no cálculo medicamentos, material escolar, vestimenta, lazer. Nada disso. Como poupar se o déficit de uma família com o básico do básico chega a R$ 893,15? De acordo com o Dieese, o valor mínimo para sustentar uma família de quatro pessoas no país no mês de julho, considerando gastos com moradia, transporte, alimentação, saúde, educação, vestuário, higiene, lazer e previdência, seria R$ 6.388,55, mais de cinco vezes o valor do salário mínimo atual.
Infelizmente não sobra para arcar com cursos e mentorias financeira.
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