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Cristiano Zanin: Os recibos e a falsa polêmica

Cristiano Zanin Martins

O conceito de que o réu se defende daquilo que consta na peça acusatória do Ministério Público -a denúncia- não vale para o ex-presidente Lula nos processos que tramitam sob a condução do juiz Sergio Moro.

Nesses processos, os fatos e o direito estão em movimento permanente. Vale aquilo que possa justificar a condenação preestabelecida, por mais frágil e injurídica que seja. Quando a defesa produz prova da inocência, ela é desprezada ou, no mais recente episódio dos recibos dos aluguéis, a verdade é fraudada já no prejulgamento de setores da imprensa.

A força-tarefa da Lava Jato escolheu o juiz Sergio Moro para presidir três ações penais contra Lula sob a afirmação de que o ex-presidente teria recebido a “propriedade de fato” de imóveis adquiridos com recursos desviados de contratos específicos firmados entre a Petrobras e algumas empreiteiras.

No entanto, embora o magistrado tenha acolhido o argumento para autorizar o processamento das ações em Curitiba, não há nenhuma prova ou indício que vincula os imóveis com recursos da Petrobras.

Na ação do tríplex, Moro reconheceu expressamente essa situação ao afirmar que “jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente”.

Da mesma forma, na segunda ação em curso -que trata do apartamento vizinho ao do ex-presidente e de outro imóvel-, o juiz acaba de reconhecer que não há necessidade de verificar a existência de recursos da Petrobras. Mas como?

Mesmo a controversa competência universal atribuída à 13ª. Vara Federal Criminal de Curitiba pelo Supremo Tribunal Federal (Inq. 4.130/QO) está vinculada a situações em que haja demonstração inequívoca de vínculo com desvios da Petrobras. Mas isso parece que não vem ao caso.

Nessas mesmas ações, o Ministério Público atribui a Lula a prática de crime de corrupção passiva. Para a configuração desse delito, o funcionário público deve praticar ou deixar de praticar ato de sua competência -o chamado ato de ofício- e receber vantagens em contrapartida. É o que consta de forma pacífica nas obras jurídicas sobre o tema.

Uma delas é de autoria do presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, que chegou a emitir juízo de valor favorável sobre a sentença do tríplex, mesmo reconhecendo que não leu os autos.

Mas nos processos contra Lula esses conceitos jurídicos também não importam. Naquela sentença, o magistrado afirma que Lula praticou “atos de ofício indeterminados”. Cita em apoio ao juízo condenatório quatro julgados de Cortes intermediárias dos Estados Unidos, sem se atentar que o entendimento acolhidos naquelas decisões, além de contrários ao Direito brasileiro, foi alterado recentemente pela Suprema Corte daquele país (McDonnell vs. United States).

No último dia 13 de setembro, Lula foi mais uma vez prestar depoimento em Curitiba. Esperava-se que o foco dos questionamentos seria a propriedade dos imóveis indicados na denúncia e a eventual existência de vínculos com recursos da Petrobras. Mas não foi isso o que aconteceu. Moro fez 12 perguntas sobre a existência de recibos de locação de um dos imóveis. O MPF, outras nove.

Durante o depoimento, Moro colocou a apresentação dos recibos como fato crucial para o desfecho da ação. Parece ter apostado na inexistência dos documentos.

Mas os recibos foram encontrados e apresentados, com a segurança de que os documentos são idôneos. Foi o suficiente para que alguns órgãos de imprensa colocassem a defesa sob suspeita, evidentemente impulsionados por agentes do processo que trabalham apenas com a hipótese condenatória.

Chegaram a atribuir ao proprietário do imóvel uma versão que jamais foi por ele apresentada.

Os processos contra Lula na Lava Jato se alimentam de falsas polêmicas. O Direito e os fatos são alterados a todo o momento para impulsioná-las.

Lula foi condenado sem prova da culpa e desprezando a prova da inocência. Mas a verdade irá prevalecer, inclusive na história.

CRISTIANO ZANIN MARTINS é advogado de defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo

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