Em último evento de agenda de dois dias em Porto Alegre (RS), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva encontrou trabalhadores da Cultura na tarde de hoje (2) e reassumiu o compromisso de dar atenção e protagonismo ao setor num eventual novo governo.
A um grupo com nomes como o diretor de cinema Jorge Furtado, o escritor Jefferson Tenório e o músico Hique Gomes, Lula afirmou que recriará o Ministério da Cultura, criará comitês culturais em todo o país e dará espaço para o setor apresentar suas demandas para as políticas públicas.
“Hoje estou convencido de que a questão cultural não é fazer favor a nenhuma categoria de artista. A questão cultural é uma necessidade política, econômica e cultural e uma questão de democracia do nosso país. Vocês não podem ser vistos como pessoas que de vez em quando vão procurar a Lei Rouanet. Isso não é favor, é obrigação do Estado brasileiro garantir que as pessoas tenham acesso à cultura”, disse, lembrando de parte do legado dos governos petistas, como os pontos de cultura – “pequena revolução nos lugares mais longínquos do país” – e o vale cultura, e destacando a importância do setor para a economia com movimentação de recursos e geração de empregos.
Lula afirmou que os governos dele e de Dilma Rousseff, também presente no encontro, fizeram tudo o que podiam fazer, com políticas acima do padrão feito para o setor desde a Proclamação da República, mas que não fizeram tudo. A ideia de voltar, contou, é para tentar fazer o que ainda não foi feito e um pouco mais do que já foi.
Diversidade cultural
O ex-presidente defendeu que os meios de comunicação deem visibilidade a manifestações culturais de todo o país e não se concentrem apenas na tradição do eixo Rio-são Paulo. Lula citou, especificamente, o frevo e o Maracatu, de Pernambuco, o carimbó, do Pará, e a riqueza cultural do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. “Em todo estado tem uma riqueza cultural excepcional, mas o povo não conhece”.
Aos artistas, Lula disse que está assumindo o compromisso mais sério de sua vida com a cultura brasileira e que está convencido de que tudo será melhor se as pessoas estiverem arejadas culturalmente. Ele afirmou ser preciso criar condições para que todas as artes tenham chance de se manifestar e as pessoas precisam apenas saber, assistir, começar a ouvir para gostar.
“Vi um concerto de violinos na Áustria e fiquei levitando. Dá uma chance a um peão como eu e ele fica levitando com um concerto de violino, imagina dar ao povo brasileiro o direito de ver todas as artes”
Desmonte do setor
Na cerimônia, com performances e até apresentação pelo músico Lico Silveira da canção “Sujeito de sorte”, de Belchior, regravada recentemente por Emicida e com o trecho “ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”, representantes do setor denunciaram o desmonte da Cultura.
O diretor Jorge Furtado, que entre muitos clássicos do cinema brasileiro dirigiu “Ilha das Flores”, curta metragem citado por Lula no encontro, lembrou da importância da cultura para a economia e disse ter convicção de que o Congresso Nacional vai derrubar o “veto mesquinho e cruel” do presidente Jair Bolsonaro às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, “vitais para sobrevivência de milhares de artistas”.
“Estar aqui para defender a cultura e tudo o que ela representa já seria um ótimo motivo, mas o que nos une é bem mais do que isso. Nós, trabalhadores da cultura, não queremos viver num país onde a forme ameaça 36% das famílias, onde o governo acha que armas nas mãos das pessoas são respostas para acabar com a violência, num país onde o governo louva a morte, despreza a ciência e tem o único governante não vacinado do planeta, um péssimo exemplo que, certamente, causou muito sofrimento e muitas mortes. Não queremos viver num país onde a polícia truculenta e racista tortura e mata jovens negros todos os dias”, disse emocionado.
Furtado afirmou estar contando os dias para o fim do pesadelo que é o atual governo. “Está acabando. Se trabalharmos juntos, vamos acordar num país onde é possível sonhar. Nós da cultura vamos estar juntos na construção desse sonho. Quem vê esperança no horizonte lembra das palavras de Elza Soares: Eu preciso encontrar um país onde ser solidário seja um ato gentil, eu prometo encontrar, esse país vai se chamar Brasil”.
Autor do aclamado “O avesso da pele”, com o qual ganhou o prêmio Jabuti, Jefferson Tenório disse que o estado fascista que é o Brasil hoje quer silenciar as vozes dos artistas, mas não vai conseguir. O escritor contou que foi o primeiro formando negro por cotas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
“Vivemos, infelizmente, nesse estado fascista que tenta silenciar nossas vozes, mas não vai conseguir. Sempre que me perguntam por que hoje em dia a gente consegue ver escritores negros com visibilidade. Tem um fator muito importante que foi a entrada de pessoas negras na universidade. Eu digo com, muito orgulho, que eu sou o primeiro cotista negro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul a se formar, e penso que a gente não tem que discutir se deve ou não ter cotas. A gente tem que discutir é a ampliação das cotas”, afirmou, defendendo que a história do Brasil, que foi silenciada, precisa ser conhecida e escrita. “Precisamos empretecer nosso conhecimento, nossa escrita, nossos saberes”.