De volta para o passado: privatizações, racionamento e apagão no Brasil

Falta de capacidade de gestão de Bolsonaro pode levar Brasil de volta aos anos 2000, quando o país sofria com apagão da era FHC

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A destruição promovida pelo governo Bolsonaro e sua total falta de gestão técnica relacionada a questões climáticas e recursos hídricos fazem o Brasil se avizinhar de nova crise energética. Quem nasceu depois dos anos 2000 deve se lembrar muito pouco, mas não é a primeira vez que se fala de apagão elétrico no Brasil. O “plano de reestruturação” do setor elétrico realizado pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi marcado pelos apagões mais famosos de nossa história, até agora. Os governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do PT aumentaram em 60% o parque energético brasileiro de energia limpa. Com Bolsonaro, todo o esforço é colocado a perder.

Início dos anos 2000 e Brasil no escuro


Naquela época, o governo já tinha sido alertado para o risco de um apagão elétrico de grandes proporções mas, mesmo assim, continuou com o plano de privatização das estatais do setor em um momento de especulação das Bolsas de Valores mundiais, com uma supervalorização do real frente o dólar.

A partir de 1999, com a crise cambial do real, os recursos para financiamento dessas privatizações e para a reestruturação do setor secaram. Haviam também uma forte desarticulação no plano governamental, gerando insegurança e falhas no setor. Para além disso, o plano enfrentava resistência política e o governo sufocava a Eletrobras com falta de recursos visando sua privatização (qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera coincidência).


Isso, somado ao desabastecimento das usinas e hidrelétricas por causa da seca, levou a um período de constantes interrupções no fornecimento de energia em boa parte do País. A situação não se resolveu nos anos seguintes e, entre junho de 2001 e março de 2002, o governo implantou formalmente um racionamento de energia elétrica para toda a população. Os brasileiros passaram a trocar lâmpadas incandescentes por fluorescentes e a usar radicalmente menos os eletrodomésticos. Na indústria, máquinas alimentadas por energia elétrica foram trocadas por outras a gás, por exemplo. Segundo cálculo do Tribunal de Contas da União, o prejuízo causado pelo apagão foi R$ 45,2 bilhões.

Reportagem do Jornal Nacional, de 2001, mostra os esforços da população para racionar energia elétrica


Após a ocorrência de novo apagão que atingiu 11 estados e o DF, o governo criou novos impostos sobre a conta de luz.
As manchetes à época eram parecidas com as de hoje, que tentam encontrar alternativas para os altos preços dos alimentos e combustíveis (e, num futuro próximo, para a crise energética), jornais ensinavam como brincar no escuro e faziam propaganda da venda de geradores caseiros.

Lula e o PT reconstruíram o setor elétrico brasileiro


Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, em 2003, teve que reconstruir o setor elétrico, pelos motivos apontados acima. Em 2004, o governo Lula criou o novo modelo do Setor Elétrico Brasileiro, aprovado no Congresso com a Lei nº 10.848, que possibilitou que o país expandisse sua capacidade instalada de geração de energia, com segurança para investidores e tarifas justas para a população.


Um dos grandes trunfos do governo Lula no setor elétrico foi estabelecer modelos de tarifa que incentivaram a expansão da geração de energia com baixo custo, além de atender milhões de pessoas que ainda se encontravam na era do candeeiro, com o programa Luz para Todos.


Na época, o investidor privado não considerava o modelo vigente até então convidativo para fazer colocar seu dinheiro, uma vez que a tarifa do mercado flutuava muito por conta das mudanças nas chuvas, que afetam o sistema brasileiro, extremamente dependente de energia hidrelétrica.Então, a solução foi reduzir o risco para os investidores com os leilões em que os vencedores ganhavam contratos de longo prazo, de 20 ou 30 anos para as hidrelétricas. Assim, as distribuidoras passaram a comprar energia em leilões organizados pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, utilizando o critério da menor tarifa.

Com essa política, até 2016 se contratou mais de mil usinas de geração de energia elétrica, totalizando cerca de 85 mil megawatts. Para se ter um parâmetro de comparação, atualmente a capacidade de geração do Brasil é de aproximadamente 150 mil megawatts.


Ainda que a matriz da geração de energia no Brasil seja majoritariamente hidrelétrica, a política dos governos de Lula e do PT para o setor também favoreceu a instalação de fontes renováveis, como a eólica, a biomassa, e mais recentemente a solar.

Energia limpa


O primeiro leilão de energia eólica foi realizado em 2009 e garantiu um investimento de R$ 9,4 bilhões na construção das usinas de geração de energia eólica, com resultados que dão bons frutos até hoje. Este é considerado um marco na mudança de paradigma da geração de energias limpas no Brasil.

No governo Dilma, a energia eólica conquistou um papel de destaque como uma das fontes complementares à energia hídrica. O Plano Brasil Maior definiu a eólica como prioridade entre as renováveis e apontava iniciativas para adensar a cadeia e aumentar o conteúdo local.


Em julho, o nordeste registrou um recorde na geração de energia eólica, atingindo um pico 11.715 MWh (megawatt), o suficiente para abastecer mais de 106% da demanda de toda a área. Hoje, devido aos extensos investimentos dos governos do PT, a energia eólica responde por 10,7% da matriz elétrica brasileira. Isso é extremamente importante para nós e para o meio ambiente, principalmente no cenário internacional.

A expansão da rede de transmissão de energia realizada ao longo dos governos do PT também teve início com Lula, ultrapassando os 57 mil quilômetros de linhas. Com o Luz Para Todos, mais de 3 milhões de famílias passaram a ter acesso à eletricidade, sendo cerca de 35 mil famílias indígenas, 29 mil famílias de quilombolas e 14 mil escolas em áreas rurais.

De volta para o passado

Hoje, a história se repete como farsa e sob o governo de Jair Bolsonaro corremos o risco real de viver novos apagões elétricos em um futuro muito próximo. Apesar de o fator climático ser muito importante para isso, como mostramos acima, a qualidade da gestão é fundamental para afastar o problema. E sabemos e qualidade, gestão e Bolsonaro não combinam.

Hoje, o Brasil ocupa o segundo lugar com a tarifa mais cara de energia elétricapodendo atingir o topo até o fim do ano. A nova bandeira de luz, anunciada pela Aneel no fim de agosto, representou um aumento de quase 50% em relação a anterior. Cerca de 12 milhões de famílias de baixa renda, beneficiadas pela tarifa social, podem ficar sem energia elétrica no país. O corte do serviço, que estava suspenso desde abril por conta da pandemia do Coronavírus, voltou a ser autorizado na última sexta-feira, 1º, pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

E, apesar de pagar caro, o brasileiro corre o risco de ficar sem. O presidente já aconselhou que não usemos elevadores e tomemos banhos frios para economizar energia. Esse é o mesmo presidente que sancionou a Medida Provisória que abre caminho para a privatização da Eletrobras e que também sancionou uma MP, em março deste ano, para beneficiar usinas nucleares como a Angra 3 em detrimento da produção de energia limpa, como a eólica e a solar.

Se houvesse gerenciamento adequado, em vez de discurso apelando para a sociedade parar de tomar banho, poderiam ter sido aplicadas políticas de demanda.

Com Bolsonaro, o Brasil vive no escuro. Estamos sob um apagão da ciência, da saúde, da educação, do bom senso. Voltamos ao passado da fome e da falta de esperança. E a escuridão que, até então, era grave, mas existia apenas no sentido figurado, corre o risco de se tornar real.