Declaração de Abidjan

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DECLARAÇÃO DE ABIDJAN

Preâmbulo

A Conferência Internacional sobre a Emergência da África (CIEA) realizou-se
entre os dias 18 e 20 de março sob a presidência de V.Exca.. Alassane OUATTARA,
em Abidjan. O evento foi organizado pelo Governo da República da Costa do
Marfim e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em
parceria com o Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD).

O objetivo geral da Conferência foi de estimular os debates e o intercâmbio
de experiências sobre a problemática e as condições da emergência da África à
luz das dinâmicas que ensejaram as transformações econômicas e sociais
ocorridas nos países emergentes, notadamente na China, no Brasil, na Índia, na
Turquia e na Malásia. A Conferência, de maneira específica, deverá permitir:

· 
um melhor entendimento e uma
avaliação compartilhada dos problemas e condições dessa emergência;

· 
a identificação e a promoção de
ferramentas e de métodos de análise, planejamento e avaliação desse processo de
emergência;

· 
a identificação e o
desenvolvimento de políticas concretas e operacionais visando uma transformação
estrutural e um desenvolvimento que sejam também inclusivo na África, com o
objetivo de gerar empregos produtivos e decentes além de respeitar o meio
ambiente.

Participou da Conferência um número importante de delegações nacionais e
personalidades provenientes de países africanos, de países emergentes e de países
desenvolvidos. Assim, participaram da conferência, os presidentes Alassane
Ouattara, da Costa do Marfim, e Macky Sall, do Senegal, o ex-presidente Thabo
Mbeki, da África do Sul, a administradora do PNUD, a senhora Helen Clark, cerca
de 40 ministros da África e de países emergentes, trezentas personalidades e
especialistas de alto nível representando governos e instituições regionais e
internacionais, diversas organizações do setor privado e da sociedade civil, e centros
de pesquisa e universidades.

1. Principais temas abordados e recomendações.

Os desafios e condições do processo de emergência foram abordados sob a
ótica de três temáticas principais, (i) o Estado Desenvolvimentista e o
Processo de Emergência; (ii) as Alterações nos Modos de Produção e  de Consumo; (iii) o Processo de Emergência e o
Desenvolvimento Humano.

2.1. O Estado Desenvolvimentista e
o Processo de Emergência

Partindo do conceito de que o processo de emergência de um país é uma
aposta feita no futuro, e que ele se constrói em um ambiente estável, de paz, de
segurança e de respeito aos direitos humanos, os participantes consideram que o
Estado tem um papel central a desempenhar nesse processo. Este papel central do
Estado foi confirmado através da análise de recentes experiências feitas em
países que conseguiram realizar uma rápida transformação nos seus sistemas
políticos, econômicos e sociais, trazendo assim à luz o conceito de Estado Desenvolvimentista.

Os participantes salientaram que não pode haver qualquer processo de
emergência sem que haja, ao mesmo tempo, um processo de crescimento forte e
sustentável e que este último não seja apenas o simples produto de um conjunto
de forças de mercado. O processo de emergência deve ser o resultado da execução
de um conjunto coerente e em larga escala de reformas estruturais e de investimentos
públicos e privado bem selecionado, em um quadro macroeconômico estável e
planejado.

Além de suas clássicas funções regulares, o Estado Desenvolvimentista Africano
deverá possuir cinco características principais:

 (i) deverá dotar-se de uma visão
clara, compartilhada e que se traduza em ações desenvolvimentistas.

 (ii) deverá ser capaz de estimular
reformas estruturais em benefício do interesse geral. Tal Estado é
materializado por instituições nacionais dotadas de capacidades e meios que
assegurem seu funcionamento perene.

 (iii) deverá ser capaz de planejar o
desenvolvimento a médio e longo prazo e de orientar os investimentos em direção
a setores programas e projetos que possam auxiliar na realização das
prioridades e de objetivos globais e setoriais com vistas à materialização da
visão do processo de emergência.

 (iv) deverá ser capaz de fornecer
serviços socioeconômicos básicos suscetíveis de acompanhar a eclosão da
iniciativa privada e o funcionamento eficiente dos mercados. Nesse particular,
o fortalecimento dos sistemas de planejamento para garantir a coerência entre os
níveis centrais e locais centrados sobre os objetivos do desenvolvimento
sustentável, é indispensável.

 (v) sua ação deve fundar-se na
transparência e na prestação de contas, ou seja, em resumo, uma boa governança.
Esta última deverá focar-se na ampliação das responsabilidades e da
participação do setor privado e da sociedade civil.

2.2. As mudanças nos modos de
produção e de consumo.

Há cerca de dez anos já, a África vem apresentando um crescimento notável
que não se traduziu, entretanto, na constituição de um processo de emergência.
Na maioria dos países do continente, o crescimento econômico continua a
basear-se na exportação de recursos naturais e na melhoria das condições de
intercâmbio comercial, o que torna as economias de muitos países vulneráveis a
choques externos, particularmente aqueles relacionados com os preços das
matérias-primas.

Os participantes observam que esse crescimento, variável conforme os países
e os setores, ainda não estão sendo acompanhado por importantes mudanças
estruturais.

Ora, a experiência dos países emergentes mostra que os mais eficientes
desses países experimentaram elevada acumulação de capital físico e um processo
de aprimoramento do capital humano acompanhados de uma transferência maciça de
pessoal qualificado em direção aos setores industriais e terciários. Sob esse
aspecto, o processo de aceleração da industrialização e da transformação de
matérias-primas é essencial para a consolidação e a sustentabilidade de um crescimento
forte e sustentável no Continente Africano.

Esse crescimento, todavia, deve assentar-se em um aprimoramento da
produtividade e dos fatores de produção, fundado no progresso tecnológico, no
desenvolvimento das competências humanas e na promoção de uma atmosfera de
negócios propícia aos investimentos, e também na tomada em conta por parte das
empresas, de sua plena responsabilidade social.

A experiência dos países emergentes também ensina que eles foram capazes de
tomar as medidas necessárias para elevar os índices de investimento e de
poupança privada, tanto os públicos quanto os privados. Para isso, um bom
sistema bancário e financeiro, ao mesmo tempo eficiente e competitivo, e que
ofereça um variado leque de produtos para uma boa intermediação financeira,
particularmente entre os investidores e poupadores, é de uma importância
capital.

Deve ser promovida a inclusão, no sistema financeiro, das populações mais
vulneráveis, incluindo as mulheres, e em particular seu acesso ao crédito, a
fim de reforçar a sua participação na economia e garantir o bem-estar do maior
número de cidadãos.

Por outro lado, os países que tomaram o rumo do processo de emergência,
fizeram a opção de integrar-se plenamente e estrategicamente na globalização do
comércio, lutando ao mesmo tempo contra a concorrência desleal.

Em decorrência dessas análises, a Conferência recomenda que os países
candidatos à condição de países emergentes implementem as medidas seguintes:

 (i) alcançar um crescimento
econômico forte e sustentável e diversificado, com forte agregação de valor,
focado nos seres humanos e fazendo bom uso da tecnologia e da inovação.

 (ii) Promover modos de produção e de
consumo que estejam em coerência com os imperativos da transição em direção à
economia verde, e reforçar a capacidade de resiliência do sistema produtivo e da
infraestrutura produtiva e energética.

 (iii) Acelerar a integração regional
através da criação de blocos regionais que possam, eventualmente, desenvolver o
comércio inter-regional e ensejar um acesso efetivo aos mercados mundiais.

 (iv) fortalecer a mobilização de
recursos internos através de uma ampliação dos espaços orçamentais do país, que
inclua a implementação de sistemas de incentivos fiscais, a otimização da
exploração de potencial tributário e a luta contra os movimentos de capitais
ilícitos.

2.3. Desenvolvimento humano e do
processo de emergência.

A despeito do crescimento contínuo verificado nos últimos anos, a pobreza
vem se ampliando na África. Este fenômeno se deve, entre outras causas, ao
rápido crescimento demográfico (2,65 por cento ao ano) e aos índices
subjacentes de fecundidade que têm afetado o ritmo de crescimento do PIB per
capita, de 1,8 por cento ao ano em média entre 1995 e 2014. A demografia é,
portanto, uma variável importante no processo de emergência africano.

Dessa forma, a transição demográfica iniciada na África não é suficiente,
em si mesmo, para dar fim à pobreza.

Em decorrência da análise acima, a Conferência recomenda que os países
africanos candidatos à condição de países emergentes implementem as medidas
seguintes:

 (i) promover o crescimento acelerado
e mais inclusivo da África, orientado notadamente para os setores e regiões onde
se encontram as populações mais pobres, permitindo que estas últimas contribuam
diretamente e de forma mais ampla para o crescimento. Neste particular, uma das
chaves para o sucesso, além do aprimoramento do desempenho da agricultura, seria
a diversificação das fontes de renda rurais, através da promoção de atividades
rurais não agrícolas.

 (ii) melhorar os mecanismos de
proteção social e as transferências de renda para melhor redistribuir os
benefícios do crescimento. A realização de tal crescimento, para ser
sustentável, deverá integrar a preservação do meio ambiente e incluir a questão
da segurança humana e da resiliência.

 (iii) renovar os sistemas
educacionais e reorientá-los em direção a uma mudança de comportamento e de
mentalidade, ao desenvolvimento de habilidades, ao emprego dos jovens e ao
empoderamento das mulheres.

 (iv) melhorar os sistemas de saúde e
de planejamento, com foco especial na acessibilidade, disponibilidade e nos
custos dos benefícios.

 (v) dar uma atenção especial ao
setor agrícola, notadamente rural, com o objetivo de reforçar, entre outros
aspectos, a segurança nutricional e alimentar.

 (vi) promover políticas
populacionais apropriadas para tirar o melhor partido possível da rápida
urbanização, administrando da melhor forma possível os fluxos migratórios que
são um componente importante da mesma.

3. Medidas de acompanhamento da Conferência

No caminho da emergência, um triplo desafio deverá ser vencido: esse
desafio é de ordem conceitual, comunicacional e operacional.

Para responder a esse repto, a conferência recomenda:

– a implementação de um centro de vigília tecnológica sobre o processo de
emergência da África: os participantes, diante das experiências expostas pelos
países emergentes e desenvolvidos, e conscientes das restrições, dos pontos
fortes e das oportunidades para os países africanos, estão determinados a
lançar as bases de uma transformação estrutural de suas economias e de suas
sociedades com vistas a atingir um crescimento mais inclusivo para um
desenvolvimento humano sustentável.

Nesse pano de fundo, a Conferência identificou opções de políticas
operacionais favorecendo o processo de emergência. Qual é a pertinência dessas
opções? O que irá acontecer nos próximos anos? Quais serão os indicadores? A
resposta a essas perguntas deverá passar por um processo prospectivo nas
esferas nacional, regional e internacional e pelo desenvolvimento de ferramentas
de análise e de planejamento estratégico orientado para esse processo de
emergência.

– a organização, de dois em dois anos, de um fórum de boas práticas. Tal
iniciativa iria favorecer a construção de uma sólida rede de compartilhamento
de experiências e de boas práticas entre os especialistas dos países emergentes
e os países africanos candidatos a esse status. Esse fórum será essencial para
aprofundar os argumentos e a defesa para a constituição dessa rede. Será dada
atenção especial à questão dos mecanismos previsíveis e inovadores de
financiamento e à questão do respeito aos compromissos assumidos no âmbito da
parceria global

– a instalação de um Comitê de alto nível, composto por representantes da
Costa do Marfim, da União Africana, e das Comunidades Econômicas Regionais
(CER) além das organizações parceiras, e que inclua também o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Banco Mundial e o Banco Africano
de Desenvolvimento (BAD) para assegurar o acompanhamento das recomendações da
“Declaração de Abidjan” sobre o processo de emergência da África. Esse comitê,
que também será aberto às organizações pertinentes do setor privado e da
sociedade civil, disporá de uma secretaria e terá a incumbência de preparar um
plano de ação com base nas recomendações da conferência, cuja implementação
será monitorizada pelas instâncias das partes envolvidas, inclusive no nível
ministerial.

Abidjan, 20 de março de 2015