“Defensora” do direito internacional, Dodge ignora decisão da ONU

Procuradora-Geral da República, que tenta barrar candidatura de Lula, já defendeu obrigatoriedade de decisões de órgãos externos em questões internas

A procuradora geral da República, Raquel Dodge, ainda não se pronunciou sobre o fato de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter comunicado o estado brasileiro para que tome as medidas necessárias e garanta os direitos políticos e constitucionais de Lula.

Curiosamente, embora tenha trabalhado rápido para tentar impedir que o ex-presidente dispute as eleições, ela mesma já defendeu a prevalência de decisões no âmbito do direito internacional em questões internas do país.

Há menos de um ano, em novembro de 2017, Dodge destacou que o Brasil deve cumprir, em suas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos, conforme prevê a Constituição. Na ocasião, apoiou ainda a criação de um Tribunal Internacional de Direitos Humanos.

“A consolidação desses valores comuns é um processo em curso que se reforça continuamente na atividade dos vários órgãos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Esse repertório de hermenêutica de direitos humanos tem revolucionado ordenamentos jurídicos, impondo modificações em condutas administrativas, legislações nacionais e mesmo interpretações judiciais internas”, declarou à época.

Esta, no entanto, não foi a única vez que a procuradora defendeu a obrigatoriedade do cumprimento e decisões de regras internacionais. Em 2014, a então subprocuradora na 2ª Câmara de Coordenação e Revisão, defendeu a prevalência do que estabelecia a Comissão Interamericana de Direitos Humanos em detrimento ao que determina o STF em relação à Lei de Anistia.

Disse Dodge:

“A Corte Interamericana disse que a Lei da Anistia não é válida, diante da Convenção Internacional de Direitos Humanos, e expediu recomendação ao Brasil para que investigue e denuncie os crimes por meio de ações penais. A decisão deve ser cumprida no Brasil por meio do Ministério Público Federal”.

Direitos humanos

Logo após a decisão da ONU, o jurista Pedro Serrano afirmou que “se o juízo de execução impedir que Lula dê entrevistas livremente, receba dirigentes partidários, pratique atos de campanha, como filmar vídeos, fica consolidado que a intenção do Judiciário é liquidar seus direitos humanos.”

A decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU corrobora justamente este ponto: impedir Lula de disputar as eleições é uma grave violação aos direitos humanos.

Dodge concorda. Ao dar posse em setembro passado a dez novos membros do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), a procuradora-geral disse que os MPs federais e estaduais devem dar a mesma importância à defesa de direitos humanos que é atribuída a questões criminais. “O Ministério Público, instituído pela Constituição de 1988, tem a obrigação de exercer com igual ênfase a função criminal e a defesa de direitos humanos”, defendeu.

Na ocasião ainda disse que estudos apontam um aumento da simpatia por posições totalitárias no Brasil e no mundo e foi aplaudida ao afirmar que a atuação do CNMP “deve contribuir para aumentar a confiança na democracia e nas instituições de Justiça, repudiando quaisquer cogitações de retrocesso”.

Militante histórica dos direitos humanos

Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (1983), Dogde é mestre em Direito e Estado pela UnB e em Direito pela Universidade de Harvard Law School. Dentro da consagrada da instituição de ensino estadunidense escolheu justamente o  Programa de Direitos Humanos para aprofundar seus estudos. Não à toa, defendeu no final do ano passado que a PGR tenha uma atuação conjunta com entidades defensoras dos direitos humanos.

“Quero dar voz e vez a quem precisa falar em nome dos direitos humanos no Brasil. O trabalho na defesa dos direitos humanos no país é perigoso. Precisamos reconhecer que seus defensores são perseguidos”, declarou durante participação na reunião do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) – foi a primeira vez que um chefe do MPF esteve presente no Conselho.

O silêncio de Dodge, no entanto, não significa que o MPF esteja inerte. Nesta segunda-feira (20), o especialista em direito internacional e procurador do Ministério Público Federal Vladimir Aras reafirmou o caráter obrigatório da liminar do Comitê de Direitos Humanos da ONU. Aras, apontou que cabe ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acatar a decisão.

“Assim, tendo manifestado por duas vezes validamente sua vontade na ordem jurídica internacional (…), o Estado brasileiro está obrigado a cumprir seus termos, e a atuação do Comitê não constitui intromissão em assuntos internos. Tampouco há violação da soberania brasileira. Ao contrário, o ingresso nos dois tratados decorreu de um ato de soberania da República Federativa do Brasil”, afirmou o jurista.

Por Erick Julio e Henrique Nunes, da Redação da Agência PT de Notícias

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