Em abril de 1980, os metalúrgicos do ABC estavam em greve por reajuste salarial – a inflação anual beirava os 90% – e alguns de seus líderes foram enquadrados na Lei de Segurança Nacional e presos no Dops, ou Deops, a polícia política da ditadura. Um deles era Luiz Inácio da Silva, o Lula, presidente do sindicato de São Bernardo do Campo e Diadema, atual sindicato do ABC. Passadas algumas semanas, o jornalista Samuel Wainer escreveu editorial na Folha de S. Paulo cujo título parece manter validade nos dias atuais: Se prender Lula bastasse…
O artigo foi publicado no alto da página 2 do jornal, página nobre, reservada aos editoriais. O movimento dos metalúrgicos chamava a atenção em todo o país. Era, por sinal, a manchete da edição daquele dia, 7 de maio de 1980, noticiando sobre a decisão da Justiça de libertar líderes sindicais de Santo André. E Samuel Wainer, que morreria em setembro daquele ano, era um dos principais nomes do jornalismo brasileiro – tinha sido diretor do mítico Última Hora.
“Se prender Lula e destruí-lo politicamente bastasse, estaria tudo bem para os que ainda não descobriram que, contrariando o saudoso presidente Washington Luís, a questão social não é mais um caso de polícia”, escreveu Wainer. “Muito pelo contrário, Lula, incomunicável, no Deops, talvez seja muito mais eloquente que nos seus arroubos no estádio de Vila Euclides”, acrescentou o articulista, fazendo referência ao local de assembleia dos metalúrgicos em São Bernardo, que hoje leva o nome de 1º de Maio. Aquela data foi particularmente tensa no município, cercado por tropas, enquanto os operários em greve se reuniam.
Para Wainer, “a brutal intervenção da polícia na dissolução dos manifestantes em São Bernardo acabou por exacerbar os setores radicais de ambos os lados”. Em um momento de “encruzilhada”, ele afirmava que a situação havia ultrapassado limites regionais e exigia atuação do governo federal. “A não ser que queiram criar irreversíveis sentimentos de hostilidade e incomunicabilidade entre a classe operária e a classe empresarial”, escreveu, vendo riscos de tornar quase impossível “a reconstrução pacífica do pacto social”.
Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, em 2014, Lula chegou a afirmar que sua prisão foi uma “burrice” da ditadura. “O que aconteceu quando eles me prenderam? Foi uma motivação a mais para a greve continuar, as mulheres fizeram uma passeata muito bonita em São Bernardo do Campo, depois foi aquele 1º de Maio histórico, em que foi o Vinicius de Moraes, e a greve durou mais quase 30 dias”, declarou, lembrando do diplomata e poeta, autor do poema O operário em construção. Entre abril e maio, Lula ficou 31 dias preso. Nesse período, só pôde sair para o velório de sua mãe, dona Lindu, morta em 12 de maio daquele ano.
Ainda na edição de 7 de maio, o jornal informava que o Superior Tribunal Militar havia rejeitado o desarquivamento do inquérito sobre a morte do operário Manoel Fiel Filho. Ele morreu sob tortura no DOI-Codi de São Paulo em 1976, mesmo local onde, meses antes, havia sido assassinado o jornalista Vladimir Herzog, o Vlado – crime pelo qual o Brasil foi recentemente condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.