A luta da mulher negra brasileira por uma sociedade antipatriarcal e antirracista vem de séculos. A resistência se irmana à luta de mulheres na América Latina e no Caribe – antigas colônias que receberam escravizados da África e tiveram um impacto profundo na formação cultural e racial dos países.
Com o objetivo de debater as injustiças e desigualdades que assolam massivamente mulher negras e pobres dessas regiões, foi organizado, em 25 de julho de 1992, em Santo Domingos, na República Dominicana, o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas. Desse encontro surgiu o Dia Internacional da Mulher Negra Latina e Caribenha.
A data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas (ONU) ainda em 1992. No Brasil, se tornou oficial apenas em 2014, com a ex-presidenta Dilma Rousseff. Desde então, 25 de julho é o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, como homenagem à líder quilombola. Tereza chefiou o Quilombo do Piolho após a morte do seu esposo, José Piolho. Sob sua liderança, negros e indígenas que viviam no local conseguiram resistir por mais de vinte anos, até meados de 1770, quando foi morta por uma emboscada. Ficou conhecida como Rainha Tereza em alguns registros históricos.
Séculos de luta, sem dúvida, resultaram em conquistas inestimáveis para mulheres negras. Os dados sobre violência e desigualdade, no entanto, demonstram que ainda há muito caminho a ser trilhado até a equidade e respeito almejados.
Desigualdades
Negros e negras representem 54% da população do país, segundo o IBGE, e são a parcela da sociedade que mais sofre com a pobreza, violência e descaso do governo. De acordo com o Mapa da Violência, as mulheres negras são as maiores vítimas de violência obstétrica, abuso sexual e homicídio.
Mulheres brancas recebem 70% a mais do que negras, segundo dados do IPEA. A renda média mensal das mulheres negras no Brasil, é de R$ 279,70 – contra R$ 554,60 para mulheres brancas, R$ 428,30 para homens negros e R$ 931,10 para homens brancos.
A crise econômica, agravada pela crise sanitária em 2020, tem rosto de mulher. E um rosto de mulher negra. Em 2019, a taxa de informalidade das negras foi de quase 45%, enquanto para as brancas foi de 32%. Também, em 2019, observaram-se significativas diferenças de taxa de subutilização da força de trabalho por raça/cor: para mulheres brancas este índice ficou em 22%, para mulheres negras ele foi de 34%. Isso significa dizer que as negras entraram na pandemia em pior situação.
A morte e a fome nesse período também têm cor e gênero. De acordo com estudo da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e Sociedadev, as mulheres negras que têm ocupações na base do mercado de trabalho foram o segmento da sociedade que mais morreu de Covid-19 em 2020. A cada 10 lares chefiados por mulheres ou por pessoas negras de ambos os gêneros, 6 têm algum nível de insegurança alimentar, de acordo com a pesquisa.
A reforma da Previdência do presidente Jair Bolsonaro, associada à trabalhista, do golpista Michel Temer, contribuiu para perpetuar a lógica da escravidão que impõe à mulher negra as piores formas de trabalho. A cada ponto percentual a mais na taxa de desocupação, as mulheres negras são afetadas, em média, com o aumento de um 1,5 na taxa de desemprego, enquanto mulheres brancas têm um reflexo de 1,3 pontos percentuais.
Mulheres
Ao longo dos últimos séculos, muitas mulheres dedicaram suas vidas para mudar essa realidade. Na política, nas artes, na literatura, na academia, em todos os cantos. Algumas nem sequer tiveram o reconhecimento merecido ainda em vida.
É o caso da escritora Carolina Maria de Jesus. Autora do best seller “Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada”, de 1960. Suas obras apresentam de forma nua e cruel o cotidiano de vida na favela do Canindé, em São Paulo, e seu trabalho como catadora de lixo para criar sozinha os três filhos. Quarto de despejo, assim que lançado, vendeu 10 mil cópias em cerca de uma semana, foi traduzido em mais de duas dezenas de línguas e vendido em mais de 40 países. Apesar de sua obra ser reconhecida mundialmente, no país, muitos a desconhecem.
Muitos sabem quem foi Zumbi dos Palmares, mas desconhecem Dandara, grande lutadora pela libertação das negras e negros. Foi esposa de Zumbi e teve três filhos com ele. Capoeirista, enfrentou batalhas ao lado de homens e mulheres. Não há registros do local de seu nascimento, por isso não se sabe se nasceu no Brasil ou na África.
Na política, Antonieta de Barros enfrentou diversos obstáculos para conquistar espaços não ocupados por mulheres. Jornalista, fundadora e diretora do jornal “A Semana”, foi a primeira mulher negra eleita deputada federal no Brasil. Abriu caminho para Benedita da Silva, Erika Hilton, Talíria Petrone, Marielle Franco, vítima da violência política, que atinge com mais vigor candidatas negras, e outras tantas. Ainda assim, mulheres negras representam apenas 2% do Congresso Nacional e são menos de 1% na Câmara dos Deputados.
Politicas para a redução das desigualdades
No Brasil, o 25 de julho é celebrado em muitos estados e tem como objetivo fortalecer, ampliar e dar visibilidade à luta das mulheres negras brasileiras, a valorização de sua identidade, além de discutir estratégias e temáticas para o enfrentamento ao preconceito e as demais iniquidades sociais e raciais.
Em 2013, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou do Festival Latinidades, em Brasília, considerado o maior festival de mulheres negras do país. Na ocasião, falou sobre as políticas públicas implementadas na sua gestão, que reduziram as desigualdades sociais e de gênero. Ao longo de seus governos, Lula e Dilma Rousseff implementaram uma série de políticas afirmativas e de promoção da igualdade racial, resultados do diálogo e das conquistas do movimento negro no Brasil.
Programas como Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida empoderaram especialmente milhões de mulheres brasileiras. Com foco na autonomia econômica, na proteção à saúde, na educação e em defesa da igualdade de gênero, mudaram a realidade de mulheres, que comandam quase a metade dos lares brasileiros. Cerca de 85% das famílias beneficiadas pelo programa Minha Casa Minha Vida eram chefiadas por mulheres. Segundo a ONU Mulheres, dos 20 milhões de empregos formais criados durante os 12 anos dos governos do PT, 46% foram ocupados por trabalhadoras.
A PEC das Domésticas, aprovada no governo Dilma, estabeleceu a igualdade de direitos entre trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores. Hoje, graças às políticas de cota e programas como Enem e Prouni, mulheres negras são o maior grupo nas universidades públicas do país, representando 27% dos estudantes.
Em encontros recentes e frequentes com lideranças femininas e negras de todos os cantos do Brasil, o agora candidato reafirmou seu compromisso com o combate ao racismo e sexismo.
“Se quisermos ter um futuro de justiça e democracia, precisamos combater e superar o racismo. Não basta não ser racista. Precisamos urgentemente ser antirracistas. Sem igualdade étnica e racial, assim como sem igualdade de gênero, não há democracia de verdade, não há cidadania efetiva e não haverá desenvolvimento. Com racismo, não há sequer soberania. Um Brasil racista será sempre pobre, injusto, pequeno e frágil. Portanto, para se reconstruir e transformar o Brasil, como desejamos, precisamos de uma democracia que se assuma antirracista. Precisamos de uma sociedade antirracista. Em nome da vida, da vida de todas e todos, precisamos superar o racismo”. Lula, em 2020, em discurso pelo dia 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra.