O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou hoje (2), no Ato da Independência da Bahia, em Salvador.
Segue a parte do discurso que foi lida por Lula no evento, realizado na Fonte Nova.
“É uma honra imensa estar aqui hoje, neste 2 de julho, ao lado do povo baiano, no ano em que o Brasil comemora os 200 anos de independência.
Como diz o hino da Bahia, hoje é o dia em que “até o sol é brasileiro”.
Embora a data oficial da independência do Brasil seja o 7 de setembro, sabemos que ela não aconteceu num passe de mágica, no dia do grito de Dom Pedro Primeiro às margens do Ipiranga.
A independência é o resultado de uma luta que começou antes em várias partes do Brasil, inclusive na Bahia, a partir de movimentos como a Conjuração Baiana, liderada pelos alfaiates. E que se estendeu até o dia 2 de julho do ano seguinte, quando o povo baiano sacramentou a vitória sobre os colonizadores portugueses.
Talvez em nenhum outro estado deste país o povo brasileiro tenha sido tão protagonista de sua própria história.
A independência aqui na Bahia não foi feita por um pacto entre as elites. Ela foi conquistada a duras penas por negros, brancos e indígenas, mulheres e homens que decidiram dar um basta à opressão.
Há quem pensa que as conquistas históricas no Brasil foram obtidas a partir de conchavos entre os poderosos, e não pelo confronto.
Mas aqui está a Bahia para desmentir esse equívoco, com o 2 de julho, a Conjuração Baiana, a Revolta dos Malês e a Guerra de Canudos, entre muitas outras revoltas populares.
São tantas lutas pela liberdade que o próximo governador – que eu tenho certeza de que vai ser o Jerônimo – poderia adotar o seguinte slogan: “Bahia Insubmissa”.
Meus amigos e minhas amigas.
Justiça seja feita: a insubmissão aos poderosos não é, felizmente, privilégio do povo baiano.
A história do Brasil é feita de importantes lutas populares, a exemplo da Revolta da Chibata, no Rio de Janeiro; a Cabanagem, no Pará; a Balaiada, no Maranhão; a Batalha de Tejucopapo, em Pernambuco; as diversas guerras indígenas contra os invasores europeus; e a extraordinária resistência do povo negro no quilombo dos Palmares, entre tantas outras.
A verdade é que não pode haver avanço sem luta. E a verdade ainda maior é que o povo brasileiro é um especialista na arte de lutar.
Não há um único dia em que o nosso povo não seja obrigado a exercitar toda a sua extraordinária capacidade de resistência, sobretudo nestes quase quatro anos de desgoverno.
É uma luta sem tréguas para sobreviver a essa política de destruição em massa imposta pelo atual governo, que não pode ter outro nome senão “Guerra contra o Brasil e o Povo Brasileiro”.
Uma guerra que usa como armas a fome, o desemprego, a inflação e o endividamento das famílias brasileiras.
Que aprofunda as desigualdades, destrói o patrimônio público, devasta o meio ambiente, ataca a ciência e a cultura, condena o Brasil ao atraso e ao isolamento internacional. E coloca em xeque a democracia e a soberania.
Uma guerra que tem como alvos preferenciais as mulheres, os negros, os jovens da periferia, os povos indígenas e a parcela mais pobre da nossa população.
Mas que não poupa também a classe média, os profissionais liberais, os microempreendedores, os empresários comprometidos com o desenvolvimento e a geração de empregos.
E que atinge em cheio o coração de todos aqueles que sonham e lutam pela construção de um Brasil melhor.
Minhas amigas e meus amigos.
Nada mais justo do que a luta do povo baiano ter como símbolos três mulheres extraordinárias.
Para elas – e para tantas outras guerreiras que estiveram na linha de frente do 2 de julho – o lugar da mulher era onde ela quisesse estar na luta pela liberdade.
Maria Quitéria, Maria Felipa e Joana Angélica representam não só as mulheres baianas que lutaram pela independência do Brasil.
Elas representam também as mulheres brasileiras que hoje lutam o dia a dia de uma guerra injusta: recebendo menores salários que os homens em igual função, expostas ao machismo, ao feminicídio, aos estupros e outras formas de violência.
Desrespeitadas pelo atual presidente da República, que divide as mulheres entre as que não merecem e as que merecem ser estupradas.
É mais do que urgente construirmos a igualdade de direitos entre mulheres e homens. Salários iguais para trabalhos iguais, em todas as profissões. E por mais mulheres participando ativamente da política, da pesquisa científica e da gestão pública.
É igualmente urgente a implementação de um amplo conjunto de políticas de promoção da igualdade racial e de combate ao racismo estrutural. Contra o genocídio e a perseguição à juventude negra.
Este país tem uma dívida histórica com sua juventude. É preciso devolver aos jovens o direito de sonhar. Construir um projeto de país que viabilize novas e mais oportunidades para a juventude, com acesso à educação e à cultura, e geração de empregos de qualidade.
Fizemos muito durante os nossos governos. Combinamos crescimento econômico com inclusão social, como nunca antes na história. Mas é preciso fazer muito mais. Até porque tudo o que fizemos está sendo desfeito pelo atual governo.
No Brasil dos que cultivam o ódio e a mentira, o 2 de julho é todo dia. E não haverá paz, se não houver luta.
Atravessamos uma das piores crises da história deste país. Uma crise social, política, econômica e humanitária causada por um governo que fez pouco caso da pandemia, levando centenas de milhares de brasileiros à morte.
E um presidente incapaz de derramar uma única lágrima pelas 670 mil vítimas da Covid.
É contra esse desgoverno – e todo o mal que ele causa ao país e ao povo brasileiro – que nós precisamos fazer a nossa nova independência. E eu tenho certeza de que ela virá, a partir das eleições de 2 de outubro.
Nossa arma é a esperança. Mas não a esperança de quem espera acontecer. E sim a esperança de quem trabalha e luta. De quem viveu dias melhores durante os governos populares, e sabe que é possível reconstruir e transformar de novo este país.
Nosso primeiro e mais urgente compromisso é com a imensa maioria da população brasileira.
Aqueles que durante nossos governos conquistaram o direito de fazer pelo menos três refeições de qualidade por dia e ter uma vida digna, e que agora sofrem na fila dos ossos e dos caminhões de lixo.
Os 125 milhões de brasileiros que vivem em situação de insegurança alimentar.
Os 33 milhões de homens, mulheres e crianças que vão dormir esta noite com fome, sem saber o que terão sequer um pedaço de pão para comer amanhã.
Os quase 70 milhões de brasileiros inadimplentes, que muitas vezes contraíram dívidas para alimentar suas famílias.
Nosso compromisso é com a defesa da igualdade, da democracia, da soberania e da paz. Com a geração de empregos, a restauração dos direitos trabalhistas, a valorização do salário mínimo e a inclusão social.
É com um Bolsa Família renovado e ampliado, que recupere as principais características do projeto que se tornou referência mundial de combate à fome e ao trabalho infantil. E que ao mesmo tempo inove ainda mais na ampliação de garantias cidadãs para quem mais precisa.
Nosso compromisso é com o desenvolvimento econômico sustentável e a retomada dos investimentos em infraestrutura e habitação.
Com a reindustrialização nacional em novas bases tecnológicas e ambientais. Com a reforma agrária, a agricultura familiar e os pequenos e médios produtores rurais.
Com a educação de qualidade, da creche à pós-graduação, e com a valorização dos profissionais de ensino.
Com o fortalecimento do SUS e a retomada de políticas como o Mais Médicos e o Farmácia Popular.
Nosso compromisso é com a ciência, a arte e a cultura. E com tudo aquilo que de melhor o nosso povo é capaz de construir.
A retomada do crescimento, a geração de empregos e a inclusão social serão tarefas prioritárias em nosso governo.
É preciso restabelecer um ambiente de estabilidade política, econômica e institucional que proporcione confiança e segurança aos investimentos que interessam ao desenvolvimento do país.
É preciso revogar o teto de gastos, que tira dos pobres para dar aos ricos, e rever o perverso regime fiscal brasileiro, no qual quem ganha menos paga mais.
É preciso colocar os pobres outra vez no orçamento, e os super-ricos no imposto de renda.
Meus amigos e minhas amigas.
Lutar por uma nova independência é defender a Petrobras, a Eletrobrás e os Correios, empresas que foram construídas com o suor do povo brasileiro e são peças-chave para a nossa soberania.
É defender a Amazônia da política de devastação posta em prática pelo atual governo. É garantir aos povos indígenas a posse de suas terras.
E dizer em alto e bom som: não haverá garimpo em terras indígenas. A Amazônia é patrimônio da humanidade, mas pertence aos brasileiros que tiram dela o seu sustento, com respeito à extraordinária biodiversidade da floresta.
Chico Mendes, Bruno Pereira, Dom Phillips, Dorothy Stang e tantos outros heróis e heroínas que perderam suas vidas na defesa da Amazônia jamais serão esquecidos.
O Brasil independente e soberano que queremos não pode abrir mão das suas Forças Armadas. Não apenas bem treinadas e equipadas, mas sobretudo comprometidas com a democracia.
Cabe às Forças Armadas atuar na defesa do território nacional, do espaço aéreo e do mar territorial, cumprindo estritamente o que está definido pela Constituição.
É necessário superar o autoritarismo e as ameaças antidemocráticas. Não toleraremos qualquer espécie de ameaça ou tutela sobre as instituições representativas do voto popular.
Para sair da crise e voltar a crescer e se desenvolver, o Brasil precisa de normalidade e respeito institucional, com observância integral à Constituição, que estabelece os direitos e obrigações de cada poder, de cada instituição, de cada um de nós.
E eu tenho certeza de que as Forças Armadas estarão ao lado do povo brasileiro nessa luta pela nova independência, como estiveram em momentos importantes da nossa história.
Quero terminar citando um dos mais belos hinos deste país. Um hino que é da Bahia e dos baianos, mas que representa toda essa nossa brava gente brasileira:
“Nunca mais o despotismo
Regerá nossas ações.
Com tiranos não combinam
os brasileiros corações.”
Viva a Bahia. E viva o povo brasileiro”.