O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou nesta terça-feira (19) da abertura da exposição Genesis, de Sebastião Salgado. Amigo de longa data do fotógrafo mineiro, Lula lembrou uma frase do escritor brasileiro Eric Nepomuceno, que se referiu a Sebastião como “um caçador de luz” e agradeceu ao convite para abrir “esta deslumbrante, espantosa exposição de seu mais recente trabalho” no Museu de História Natural de Londres.
Para baixar fotos em alta resolução, visite o Picasa do Instituto Lula.
Para acompanhar mais sobre a exposição e o trabalho de Sebastião Salgado, visite a página da Genesis no Facebook: https://www.facebook.com/SebastiaoSalgadoGenesis
Leia abaixo o discurso completo de Lula
Eu não me canso de repetir que a grande bênção do Brasil, em seus quinhentos anos de existência, não reside apenas em suas infinitas riquezas naturais, em seu solo fértil ou nas jazidas de petróleo que acabamos de descobrir, a sete mil metros de profundidade do nosso mar azul.
O melhor presente que o destino nos deu é a nossa gente. São os duzentos milhões de brasileiros que habitam nosso território.
E cada vez que refletimos sobre esse povo maravilhoso, é inevitável que nosso olhar recaia sobre o trabalho e a figura de alguns dos mais ilustres filhos do Brasil.
Entre eles está, em um lugar de honra, o fotógrafo Sebastião Salgado, que me honrou com o convite para abrir esta deslumbrante, espantosa exposição de seu mais recente trabalho.
Mesmo convertido em cidadão do mundo, reconhecido e celebrado nos quatro cantos do planeta, Sebastião Salgado – ou simplesmente Tião Salgado, como carinhosamente os amigos o tratam – nunca deixou de ser o suave brasileiro de Aimorés, a linda cidade mineira debruçada às margens do Rio Doce.
Tangidos da pátria pela mão implacável da ditadura militar, em meados dos anos sessenta Tião e Lelinha, sua mulher e inseparável parceira, foram obrigados a se exilar na Europa. E foi aqui que o economista especializado em cafeicultura deu lugar a um dos mais sensíveis e talentosos artistas do nosso tempo.
Vinte anos atrás, quando as fotos da série intitulada “Trabalhadores” estavam sendo expostas em Madri, um crítico terminou sua resenha em um jornal com uma frase que ficou gravada na memória de todos: “Muito obrigado, Sebastião Salgado, por nos surpreender a cada dia”.
E é nisto que eu penso cada vez que vejo fotos dele publicadas em jornais ou revistas. Elas nos surpreendem a cada dia, a cada olhar. Naquelas imagens, e nestas impressionantes imagens aqui expostas, está sua maneira de ver o mundo e de ver a vida. Em cada fotografia de Salgado está impressa sua fé obstinada no ser humano, na capacidade do homem de sonhar, mesmo nas mais perversas situações. Uma irremediável fé na vida.
São fotos que parecem dizer: “Esta é a vida da humanidade, é a minha vida, e não vou abandoná-la”. Sua marca registrada é o seu profundo compromisso social.
Dias atrás um amigo me mostrou uma entrevista dada por Salgado no final dos anos 90, quando ele montava uma exposição de 360 fotos que lhe consumiram anos de trabalho, muitas vezes em condições absolutamente inóspitas. Um detalhe técnico me chamou a atenção. Salgado contou que sua câmera operava na velocidade de 250 avos de segundo – quatro milésimos de segundo! – cada vez que ele apertava o obturador. O autor da reportagem fez as contas e descobriu que aquelas 360 fotos, produzidas em intermináveis meses de trabalho, significavam 1,44 segundos de história do ser humano. Em menos de dois segundos Sebastião Salgado captava e punha diante de nossos olhos todo o esplendor e toda a tragédia da vida humana.
Tornou-se comum identificar a autoria de suas fotos mesmo que elas não estejam assinadas. Cada uma delas é o resultado de uma sensibilidade aguda e sem limites, de uma técnica exemplar e também de uma consciência social inquebrantável. Sebastiao Salgado é um fotógrafo de compromisso, um compromisso sem retorno, sem volta.
Quem se der ao privilégio de acompanhar seus álbuns, desde o “Outras Américas”, de 1986, passando por “Trabalhadores”, “Terra”, “Êxodo” e “África”, verá que não são imagens isoladas, mas fotos que contam uma mesma história. Sua maneira de fotografar é única, e é subjetiva. Não são apenas imagens gravadas no papel. São parte do que ele conheceu e viveu. Quando revela uma foto, ele revela a vida. A observação da obra de Salgado nos permite entender por que o escritor brasileiro Eric Nepomuceno se referiu a ele como “um caçador de luz”.
Num mundo de trevas, Sebastião Salgado caça a luz.
Neste trabalho que a partir de agora estará aberto aos britânicos, Salgado também conta uma história – a história do nosso planeta. Ele foi buscá-la nos lugares mais remotos, onde a paisagem não foi tão transformada, onde os habitantes ainda vivem de acordo com culturas ancestrais. Uma vez mais, ele foi à procura de reminiscências. Uma vez mais ele congela o tempo em suas fotografias para nos fazer pensar. Para nos trazer revelações sobre nós mesmos, a nossa história, a história do bicho humano, a história do nosso planeta, da nossa vida.
Sebastião Salgado e eu viemos do mesmo país, o Brasil. Viemos de um país que continua apostando na vida, na luz e no futuro. E ambos continuamos apostando na capacidade humana de sonhar e transformar a realidade.
A você, meu querido Tião, à Lelinha, a seus filhos Juliano e Rodrigo, trago o abraço apertado de 200 milhões de brasileiros que se orgulham muito de serem seus compatriotas.
Muito obrigado.