Em Washington, Lula diz que desenvolvimento da África é parte da solução para a crise mundial

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O desenvolvimento do continente africano, com mais infra-estrutura, distribuição de renda e inclusão social deve ser visto como uma das portas de saída para a crise mundial. Foi o que disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o jantar anual da Africare, em Washington, neste sábado (20). Lula lembrou que atualmente cerca de um bilhão de pessoas vivem no continente, 300 milhões delas em situação de insegurança alimentar. Há mais uma década, o continente cresce a uma taxa média de 6% ao ano, o que atrai investidores do mundo todo. Mas mesmo assim o continente segue enfrentando antigos problemas. “Acredito que deve ser obrigação transferir tecnologia e valorizar a mão de obra local, contribuindo de todas as formas possíveis para o desenvolvimento dos países africanos”, defendeu o ex-presidente.

Para baixar fotos em alta resolução, visite o Picasa do Instituto Lula.

Lula citou como exemplo o Programa de Desenvolvimento de Infraestruturas na Áfica (Pida – www.pidafrica.org). Os africanos mapearam as principais demandas de infraestrutura no continente e buscam parceiros para fazer essas obras acontecerem. Nos últimos 10 anos, desde a eleição de Lula presidente, o Brasil se tornou um parceiro importante do continente africano e empresas brasileiras estão presentes em diversas obras de infraestrutura na África.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou na noite deste sábado (20) em Washington do jantar anual Bispo John T. Walker, organizado pela Africare. Maior organização afro-americana focada no desenvolvimento e assistência ao continente africano, a Africare fez nesta noite a entrega de sua premiação anual. Os homenageados da noite foram o presidente americano Barack Obama e o empreendedor africano das telecomunicações Mo Ibrahim.

Em 2010, o presidente Obama doou parte da premiação que recebeu com o Nobel da Paz para a Africare criar um programa de saneamento básico em Gana. Ele receberá um prêmio em reconhecimento ao impacto que sua atitude teve sobre a vida dos ganeses beneficiados pelo programa.

Lula, que foi o vencedor do prêmio de liderança (African Leadership Aeard) em 2011, em reconhecimento a suas “incontáveis contrubuições ao comércio, investimento e relações diplomáticas entre Brasil e África” enquanto foi presidente do Brasil. O governo Lula mudou a prioridade da política externa brasileira e trabalhou para ampliar as relações entre o Brasil e os países africanos. Foram 33 viagens presidenciais ao continente, com a criação de 19 novas embaixadas.

O prêmio de liderança deste ano foi entregue ao empresário sudanês Mo Ibrahim, um dos primeiros responsáveis pela popularização dos telefones celulares na África. Ao lado de diversas atividades filantrópicas, Mo Ibrahim criou a Mo Ibrahim Foundation, responsável por incentivar a democracia e transparência na África. Anualmente, a fundação confere um prêmio a ex-governantes africanos que trabalharam para melhorar a vida de seus cidadãos. Ele criou ainda um índice de governança para acompanhar os esforços dos governos africanos em uma governança democrática e responsável.

O jantar, com a presença de mil convidados segundo os organizadores, é uma oportunidade única para que vários atores interessados no desenvolvimento da África se encontrem e discutam oportunidades conjuntas de trabalho. Entre os brasileiros presentes estão o embaixador Paulo Cordeiro, subsecretário-geral político para África e Oriente Médio do Ministério das Relações Exteriores, diretores do Instituto Lula, consultores da FGV Projetos e representantes de empresas que são parceiras da Africare, como a Vale.

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Ouça também o impressionante discurso de Mo Ibrahim (em inglês)

A Africare
A Africare é a maior e mais antiga organização afro-americana focada em desenvolvimento e assistência humanitária à África. Desde sua fundação, em 1970, a Africare entregou mais de US$ 1 bilhão em assistência a milhões de beneficiários no continente africano. Saiba mais em www.africare.org.

A Iniciativa África do Instituto Lula
O Instituto Lula realizou, em seu curto período de existência, uma série de eventos no Brasil voltados para a África, reunindo acadêmicos, políticos, empresários e entidades da sociedade civil.

Constituímos uma ampla rede de contatos com governos e organizações multilaterais do Continente Africano, como a União Africana, o Banco Africano de Desenvolvimento e a Comissão Econômica para a África, que tem ajudado a orientar as ações do Instituto.

Um dos resultados que temos orgulho de relatar é a apresentação do Programa de Desenvolvimento em Infraestruturas em África (PIDA), pelos responsáveis por sua elaboração, para o empresariado brasileiro, em evento realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em maio de 2012. Nos dias 30 de junho e 1º de julho deste ano, o Instituto Lula, a FAO e a União Africana realizam em conjunto um seminário em Adis Abeba sobre combate à fome na África.

Para saber mais sobre a Iniciativa África do Instituto Lula, clique aqui.

 

Leia abaixo o discurso completo do ex-presidente Lula:

Minhas amigas e meus amigos,

É um prazer muito grande estar aqui. No ano passado, eu tive a honra de ser homenageado por vocês, mas naquele momento ainda me recuperava do tratamento médico ao qual fui submetido para tratar de um câncer na garganta e não pude comparecer.

Hoje, eu saúdo a homenagem feita ao presidente Barack Obama, representado aqui por Denis McDonough.

Minhas amigas e meus amigos,

Eu estou convencido de que a fome no mundo e em especial na África é a luta mais importante a ser travada por todos aqueles que têm um mínimo de compromisso com manutenção da paz e a consolidação da democracia em todo o globo.

Neste mundo produtor de inestimáveis riquezas é inadmissível que exista tanta gente passando fome, que existam ainda tantas mães de família acordando todos os dias sem a garantia de que terão pelo menos um prato de comida para alimentar seus filhos.

Vocês todos sabem que a África atravessa neste início de século 21 um momento muito especial. Já faz mais de uma década que o continente tem um crescimento médio de 6% ao ano. A maioria dos países africanos está vivendo um ciclo contínuo de desenvolvimento econômico e tudo indica que, mesmo com a crise internacional, este ciclo não será interrompido.

Ao mesmo tempo, é inegável o avanço da marcha pela democracia e pela paz no continente. Foram 25 eleições para cargos executivos e legislativos que aconteceram em países africanos no ano passado.

Eu acredito que esses caminhos, o do desenvolvimento, da paz e da democracia, correm juntos. Eles são irreversíveis no continente africano.

Entretanto, nós ainda temos um problema seríssimo para resolver: segundo a FAO, a África tem hoje 1 bilhão de habitantes, dos quais 300 milhões vivem em situação de insegurança alimentar.

Eu simplesmente não consigo conceber a ideia de que desenvolvimento econômico não resulte na diminuição das desigualdades sociais.

Eu sei que em vários países africanos existem políticas de incentivo a uma melhor distribuição de renda. Eu sei que uma nova classe média está se formando por toda a África. Mas eu já ouvi de vários dirigentes de países africanos a avaliação de que o ritmo do combate à fome e à miséria em todo o continente está abaixo do que eles gostariam.

Um caminho promissor para os governos é o de usar parte das receitas produzidas dentro de seus países e de seus orçamentos anuais para implementar vigorosos programas sociais que ajudem a melhorar a renda e as condições de vida do seu povo. Essa é uma decisão essencial, que só os governantes africanos podem tomar.

Mas, nós, líderes políticos, autoridades de governo, empresários e instituições de países não africanos também temos um papel importante.

Muitos países ricos investem na África em petróleo, gás e minérios imprescindíveis para suas economias. Mas acredito que também deve ser obrigação transferir tecnologia e valorizar a mão de obra local, contribuindo de todas as formas possíveis para o desenvolvimento dos países africanos.

Ao mesmo tempo, organizações não governamentais, organismos multilaterais e instituições imbuídas das melhores intenções atuam para levantar recursos financeiros e levar alimentos para as populações atingidas por conflitos ou desastres naturais.

Mas, o fato é que essas nobres ações, se isoladas, serão sempre paliativas e insuficientes, diante daquilo que nós podemos e devemos dispor para ajudar o processo de desenvolvimento que vive hoje o continente.

Minha convicção é a de que precisamos articular esses esforços e apoiar as iniciativas direcionadas para a África. Assim será possível criar um novo modelo de relacionamento com os países africanos.

Dou um exemplo. Seria muito positivo se as instituições, os empresários e os governos se dedicassem a conhecer e apoiar o Programa de Desenvolvimento para Infraestrutura da África, o PIDA. Ele foi elaborado pela União Africana no ano passado e reúne as principais obras necessárias para integrar e impulsionar a economia do continente, sobretudo nas áreas da energia e dos transportes.

Obras básicas de infraestrutura, meus caros, são essenciais para facilitar e baratear o acesso da população à àgua e à energia elétrica, ampliar o comércio e a renda e permitir melhores condições de saúde, educação e produção para os países africanos.

Outro esforço de enorme importância que podemos empreender é tornar a luta contra a fome no continente uma verdadeira obsessão.

Isso significa concentrar todos os esforços para apoiar os países africanos a desenvolver sua agricultura e ampliar a produção e o acesso aos alimentos.

É exatamente por isso, que nos dias 30 de junho e primeiro de julho realizaremos, em Adis Abeba, na Etiópia, um grande fórum, organizado pela FAO, a União Africana e a Comissão Econômica para a África da ONU, com o apoio do Instituto Lula.

Vamos reunir governantes e ministros africanos, representantes de organismos multilaterais, dirigentes das principais ONGs internacionais, estudiosos e economistas.

A intenção é reunir num mesmo ambiente todas as nossas iniciativas para que nos conheçamos melhor. A partir daí, vamos procurar coordenar e unificar as ações que existem na África. Só assim poderemos obter resultados mais rápidos e efetivos.

Eu não poderia perder essa oportunidade para convidar todos vocês a se juntarem a nós nesse esforço.

No Brasil, foi o combate à pobreza integrado a políticas de desenvolvimento e inclusão social que nos permitiu impulsionar o crescimento da nossa economia. Em 10 anos, tiramos 33 milhões de pessoas da pobreza extrema, levamos 40 milhões para a classe média e criamos 19 milhões de empregos formais.

Tenho certeza de que o desenvolvimento e o combate à pobreza na África, os investimentos em infraestrutura e inclusão social no continente podem impulsionar a recuperação da economia mundial. A África não pode ser encarada como um problema. A África tem que ser vista como parte da solução para a construção de um mundo mais justo, solidário e sem fome.

Meus amigos e minhas amigas,

Acabei de expor aqui as expectativas que possuo em relação ao desenvolvimento dos povos e dos países do continente africano. Eu tenho a certeza de que meu amigo Mo Ibrahim compartilha dessas minhas inquietações. Em dezembro passado, nós tivemos uma longa e agradável conversa. E eu pude constatar a seriedade do trabalho que o Mo Ibrahim realiza pelo desenvolvimento, pela democracia e por uma melhor governança na África.

A Fundação Mo Ibrahim tornou-se uma referência para todos aqueles que desejam entender a África e apoiar seu desenvolvimento combatendo às desigualdades sociais.

Ao premiá-lo, a Africare acertou em cheio e foi por isso que eu fiz questão de estar aqui. Para agradecer pessoalmente a homenagem que vocês me prestaram em 2011 e ter o prazer de passar esse troféu para as mãos do Mo Ibrahim.

Parabéns, companheiro, esta homenagem é mais do que merecida.