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Entrevista de Lula à revista Brasileiros

Matéria originalmente publicada pela revista Brasileiros em: www.revistabrasileiros.com.br/2013/08/19/o-brasil-fora-do-brasil/

Nos dias 31 de junho e 1º de julho, o ex-presidente Lula viajou a Adis Abeba, na Etiópia, onde participou do encontro de alto nível de líderes africanos e internacionais “Novas abordagens unificadas para erradicar a fome na África até 2025“, organizado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), pela União Africana e pelo Instituto Lula. A revista Brasileiros publicou três matérias sobre o encontro, que reproduzimos abaixo:

por HÉLIO CAMPOS MELLO e LUIZA VILLAMÉA, enviados especiais a ADIS ABEBA, na ETIÓPIA

Quando ocupava o Palácio do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva deu uma guinada na política exterior do Brasil. Em vez de privilegiar apenas as relações com os Estados Unidos e a União Europeia, o então presidente voltou sua atenção para a América do Sul e a África. Entre 2002 e 2010, ele fez 33 viagens oficiais a países africanos, além de criar 19 novas embaixadas, para o desespero dos diplomatas convencionais, avessos ao cotidiano do continente. Doze anos depois, o intercâmbio comercial entre o Brasil e a África cresceu 426%. O indicador, no entanto, é pouco perante a expectativa em relação ao Brasil que líderes políticos e comunitários demonstraram durante a conferência realizada na sede da União Africana. “Até me assusta ver a responsabilidade que eles colocam em cima do Brasil”, disse Lula à Brasileiros, em Adis Abeba, na Etiópia. “Mas eu prefiro que eles tenham expectativas no Brasil a acharem que os chineses vão resolver os problemas deles.”

Brasileiros – Qual a meta desse encontro?

Lula – Debater a questão da segurança alimentar na sede da União Africana é tentar despertar nas pessoas a certeza de que cada país deve fazer aquilo que é sua obrigação, ou seja, incluir os pobres no centro das decisões do governo. Colocar o pobre dentro do orçamento da União é o primeiro passo para entendê-lo como solução e não como problema. O pobre é um problema enquanto está na miséria. Quando ele vira produtor, consumidor, ele se transforma em solução para o próprio país. A ideia é tentar dizer: se no Brasil foi possível fazer uma política inclusiva, que levou tanta gente a conquistar cidadania, a melhorar de vida, por que não se pode fazer em outros países? E não tem política paliativa. Ou coloca-se no orçamento da União a parcela de transferência de renda para os pobres ou ela não vai acontecer.

Brasileiros – Desde que voltou o seu olhar para a África, o senhor notou alguma mudança?

Lula – Essas coisas não acontecem com facilidade. Primeiro, é importante saber por que eu me voltei para a África. Em janeiro de 2003, quando fui a Davos (para o Fórum Econômico Mundial, que reúne líderes da economia global na estação de esqui suíça), decidi que era preciso mudar um pouco a geografia política até então estabelecida. O Brasil e os países da América do Sul estavam voltados só para os Estados Unidos e para a União Europeia. Os países africanos também estavam voltados para a Europa e os Estados Unidos. E começaram a olhar para a China. O Brasil, que é o maior país da América do Sul, que tem uma fronteira gigantesca com a África, separada pelo Oceano Atlântico, não tinha contato com o continente africano.

Brasileiros – Isso significou mudar a política externa?

Lula – Eu dizia que precisávamos continuar com a parceria com os Estados Unidos e a União Europeia, que são muito importantes, mas também procurar nos aproximar dos nossos. Como era possível o Brasil ter 17 mil km de fronteira seca com a América do Sul e nunca ter feito uma ponte entre o Brasil e a Bolívia, entre o Brasil e o Peru? O comércio da região estava se esvaindo. Não havia quase interação entre a América do Sul. Era só desconfiança. A África, a gente passava por cima e não olhava. Parecia que o continente africano não existia. Então, criei uma outra correlação de forças políticas. E trabalhei intensamente a necessidade da construção de uma forte aliança com a América do Sul e com a África.

Brasileiros – Qual o resultado?

Lula – Vou dar um exemplo. Saímos de uma balança comercial de cerca de US$ 5 bilhões com a África para mais de US$ 26,5 bilhões, em 2012. É um avanço significativo. Hoje, dezenas de empresários brasileiros viajam para a África. A Unilab (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira) já está funcionando na cidade de Redenção, no Ceará. É para formar jovens africanos, prepará-los para a agricultura, a medicina, a engenharia.

Brasileiros – Redenção aboliu a es­­cravatura antes do resto do Brasil.

Lula – Foi a primeira cidade brasileira que libertou os escravos. Por isso, a universidade foi criada lá. A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) está em Acra, em Gana, levantando as possibilidades da savana africana. Ela tem a mesma capacidade produtiva do cerrado brasileiro. Cinquenta anos atrás, o cerrado era visto no Brasil como terra imprestável. Então, acho que nós descobrimos a África. Nos tempos do movimento sindical, eu só tinha relação com a Cosato (a maior central sindical da África do Sul). Hoje, mudamos esta realidade.

Brasileiros – Como ficou?

Lula – Há uma enorme quantidade de encontros empresariais. Outro dia, fomos à Nigéria e descobrimos sindicatos querendo atuar junto com a CUT. E vocês mesmos perceberam o interesse que eles têm no Brasil. Até me assusta ver a responsabilidade que eles colocam em cima do Brasil. Mas eu prefiro assim do que a indiferença. Prefiro que eles tenham expectativas no Brasil a acharem que os chineses vão resolver os problemas deles. E acredito que o Brasil tem de agir diferente com a África. Não tem de agir como se fosse um novo colonizador, chegar aqui na África atrás de matéria-prima, de trabalho barato. Não.

Brasileiros – O que tem de fazer?

Lula – O Brasil tem de olhar para a África pensando em transferência de tecnologia, da social à industrial. As empresas brasileiras têm de vir aqui para construir parcerias, para ajudá-los a crescer também. Ou seja, o País pode ter um novo tipo de relação com a África. Nem ser colonizador como  França e Inglaterra, nem predador como a China.

Brasileiros – O prédio onde aconteceu a conferência é impressionante. Custou US$ 200 milhões e foi dado de presente pela China à União Africana. O que o Brasil vai fazer para competir com isso?

Lula – Nós não vamos competir nesse nível. A China tem feito isso em vários países. Doou centro de convenções, aeroporto, congresso, sede de governo. O Brasil não tem de entrar nessa. Esse não é o nosso jeito de fazer política. Nós não temos dinheiro para dar, nós temos dinheiro para financiar. Agora, o Brasil, como a sexta maior economia do mundo, pode ter uma política de cooperação um pouco maior, sobretudo na área científica e tecnológica.

Brasileiros – Eles nem falam em transferência de tecnologia. Falam em apoio tecnológico.

Lula – Eu estava na Presidência quando criamos na Embrapa um centro tecnológico para receber os companheiros da África e formá-los. O meu sonho é formar técnicos agrícolas na África, para que eles aprendam a produzir. Esse é o meu sonho. E o Brasil pode fazer muito. Fico muito feliz que hoje a expectativa dos africanos em relação ao Brasil seja extraordinária. Os empresários brasileiros já estão se convencendo disso. Eu também fiquei muito feliz porque acabou de ser inaugurado um voo da Etiópia para o Brasil. Logo, logo, vai ter um voo do Brasil para Lagos, na Nigéria. Aos poucos, o Brasil vai descobrindo que a África não é um continente só de pobreza. A economia africana está crescendo a 5% há mais de dez anos, a democracia está se consolidando, mais de 300 milhões de pessoas já têm poder de consumo de classe média.

Brasileiros – É uma via de duas mãos?

Lula – Lógico. Aqui tem possibilidade de crescer de forma extraordinária. Aliás, o mundo rico deveria colocar a ignorância de lado e perceber algo simples. Na medida em que o mercado no mundo rico está diminuindo, eles poderiam ajudar a fortalecer o mercado africano para terem para quem vender os seus produtos. Ou seja, fazer investimento na África, produzir coisas na África. Cada consumidor africano que surgir vai ser um potencial comprador de produtos. Enfim, eu estou muito otimista com a África.

Mais sobre este tema:

Hotsite “Novas abordagens unificadas para erradicar a fome na África até 2025

Matérias originalmente publicadas pela revista Brasileiros: 
José Graziano: Um brasileiro contra a fome no mundo
As históricas relações entre o Brasil e o continente africano avançam no campo da parceria
O Brasil fora do Brasil

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