O Instituto Lula realizou nesta segunda-feira (22) a conferência “Novos desafios da democracia”, seguida de debate com o ex-presidente do Governo da Espanha, Felipe González. O evento, realizado em parceria com as Fundações Friedrich Ebert e Perseu Abramo, também contou com a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Na mesa estavam os diretores do Instituto Lula Clara Ant e Paulo Okamotto, Thomas Manz, da Fundação Friedrich Ebert, e Kjeld Jakobsen, diretor da Fundação Perseu Abramo. Em sua exposição inicial, Manz fez referência aos protestos populares vivenciados por diversos países do mundo, incluído o Brasil: “As ondas de indignação e protesto são uma reação às ameaças à democracia por parte dos mercados”, disse. Jakobsen, evocando o tema do debate com o ex-presidente González, definiu a democracia como “o exercício solitário de pensar no que é melhor para a maioria das pessoas”.
Okamotto, também presidente do Instituto Lula, afirmou que a “questão da democracia se tornou ainda mais complicada hoje”, especialmente pela existência das redes sociais “onde existem tantas opiniões, mas tão superficiais”. Em seguida, ex-presidente González iniciou sua palestra dizendo que “acredita no diálogo”. “Só há um procedimento possível para saber quais são nossas diferenças e nossas convergências: tentar entender o logros do outro”, completou. Afirmou ter “mais perguntas do que respostas”, mas que é “mais importante ter uma boa pergunta”, “porque ela gera um bom debate”. Segundi ele, a crise que a democracia vem enfrentando nos últimos anos “tem raízes profundas”.
Para entender o momento atual é necessário compreender a globalização, que “alterou a noção territorial e de cidadania em todo o mundo, e é um fenômeno sem volta”. “Pela primeira vez se pode fazer comunicação em tempo real”, observou, e isso ajudou a “universalizar fenômenos sociais, econômicos e políticos para os quais não temos resposta”. Uma das consequências dessas mudanças, disse, é que a “economia global se ‘financeirizou’ e se descolou da economia real”. Isso produz desigualdade na divisão de renda, mesmo quando se diminui a pobreza e a marginalidade em termos reais.
“A economia da globalização dá prioridade aos fluxos financeiros e distribui mal a renda, tanto quando há crescimento ou quanto quando há arrocho”, completou. “Nunca aceitei e aceitarei uma sociedade de mercado, na qual o ser humano, o cidadão, seja uma mercadoria”, criticou González. Outra mudança na última década foi “a integração dos marginais e a eliminação da pobreza, que geram novos e apaixonantes fenômenos de cidadania”. Para González, um bom exemplo de ação está no Brasil: “para resolver o desafio da democracia é preciso fazer como fez Lula, criar um projeto de país que seja para todos” disse o ex-presidente do Governo da Espanha.
Falando especificamente sobre a Europa, afirmou que “os fluxos migratórios são necessários para a sobrevivência” do continente, apesar da xenofobia crescente em diversos países. Chamou as medidas de austeridade adotadas pelos governos locais de “austericídio”: “Depois de cinco anos, não se reconhece que essa política está errada”.
Apesar de apontar os diversos problemas enfrentados pelos europeus e pelo mundo, González lembrou que “ainda não se inventou nada que substitui a democracia representativa”. Sugeriu que melhorias podem vir da melhoria da governança. “Os governos têm de ser previsíveis na tomada de decisões. Além disso, têm de ser eficientes e transparentes”. E como equacionar os desafios políticos, econômicos e sociais da integração global? “Para inserir-se na economia global, é necessário ser competitivo, com boa produtividade e boa incorporação tecnológica”.
“Mas”, ressaltou, “isso não significa esquecer da dignificação do trabalho e dos salários”. “Na Espanha, tudo o que fizemos [com as medidas de austeridade] foi diminuir o emprego e deflacionar os salários”, afirmou. “Temos que melhorar a produtividade e o capital humano. Só podemos redistribuir a renda se tivermos excedente econômico. Se cai nossa capacidade de produzir, cai nossa capacidade de distribuir a renda”, diagnosticou o ex-presidente. Isso só ocorrerá investindo em educação. “Quanto mais formação tiver o povo, mais fácil sera aumentar a produtividade e a competitividade do sistema. Não se trata mais de fazer esforço físico. Estamos numa sociedade do conhecimento.”
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