Natalia da Luz, Por dentro da África
Acra – Gana foi o primeiro dos países a alcançar a meta de desenvolvimento do milênio no quesito redução da pobreza: de 1991 até 2012, o tal recuo foi de 52.6% para 21.4%, segundo o Banco Mundial. Localizada na África Ocidental, Gana, com mais de 25 milhões de habitantes, é vista como exemplo de estabilidade política e econômica no continente. Para compreender um pouco mais sobre o progresso do país, considerado berço do pan-africanismo, Por dentro da África foi à Acra, onde conversou com a embaixadora brasileira Irene Vida Gala.
Gana é um país que vive em paz, experimenta a liberdade de imprensa. Há muitos avanços na área social e na gestão administrativa. Na área econômica, o país teve um dos maiores índices de crescimento na África. Mesmo com uma leve queda, a previsão do último ano foi de 3% do PIB (que hoje está em cerca de 50 bilhões de dólares) – destacou a embaixadora, que faz um balanço da sua experiência após viver quatro anos no país de Nkrumah.
Kwame Nkrumah, símbolo maior de Gana, é o grande nome do pan-africanismo. Foi um líder político, primeiro-ministro entre 1957 e 1960 e presidente de 1960 a 1966. Em 1945, ajudou a organizar o sexto Congresso Pan-Africano em Manchester, na Inglaterra. Depois disso, começou a trabalhar com empenho para a descolonização do continente. Após a independência de Gana como colônia da Inglaterra, em 1957, Nkrumah foi empossado como primeiro-ministro e por conta de sua militância, em 1962, recebeu o Prêmio Lênin da Paz.
Enquanto visitava a China, em 1966, o governo de Nkrumah foi derrubado por um golpe militar. Ele nunca mais retornou ao país e passou seus anos de exílio na Guiné Conakry, onde o presidente Sékou Touré o nomeou como co-presidente honorário do país. Morreu em 1972 em um hospital da Romênia. Hoje, o ex-presidente, autor de vários livros como Africa Must Unite (1963), African Personality (1963) e Class Struggle in Africa (1970), dá nome a praças, universidades e ruas.
Em uma volta pela capital Acra, de quase 2 milhões de habitantes, esse crescimento do qual Irene fala é facilmente notado. Há obras por todos os lados, construções, centros comerciais, shoppings, restaurantes. Na parte social, o progresso é reconhecido mundialmente com avanços na redução da mortalidade infantil e de novos casos de infecção por HIV.
Gana faz fronteira com Togo, Burkina Faso e Costa do Marfim e está bem próximo da Nigéria. A sua localização é motivo de preocupação por conta de conflitos armados e instabilidade política, que são uma realidade na Costa Ocidental da África.
– Esse é um pais cortejado por todos por conta da sua estabilidade e posição geográfica. A África Ocidental passa por uma situação delicada de segurança. Mas, de encontro ao que experimenta a região, Gana é como uma ilha de tranquilidade – destaca Irene.
Redução da pobreza
O crescimento econômico de Gana ajudou a reduzir a taxa de pobreza do país pela metade nas duas últimas décadas. Segundo o Banco Mundial, a taxa de pobreza de Gana foi inferior à metade da média na África, que foi de 43%. A pobreza extrema diminuiu ainda mais, passando de 37,6%, em 1991, para 9,6%, em 2013.
Gana implantou programas e políticas sociais de combate à insegurança alimentar inspirado na experiência brasileira como o Bolsa Família. No país, eles veem com clareza o gasto em programas sociais como um investimento, como um mecanismo de segurança em momentos de crise – ressalta a embaixadora, apontando o programa Sustento para o Empoderamento contra a Pobreza (Livelihood Empowerment Against Poverty), projetado para ajudar os mais necessitados.
No Brasil, o Bolsa Família tirou mais de 36 milhões de pessoas da pobreza nos últimos 12 anos. Com um gasto anual de 0,5% do Produto Interno Bruto (cada R$ 1 gasto com o programa “gira” R$ 2,4 no consumo das famílias e adiciona R$ 1,78 no PIB), ele alcança 50 milhões de pessoas e inspira políticas em diferentes países, principalmente, na África.
Cooperação com o Brasil
A inspiração na experiência brasileira de combate à fome é apenas um dos exemplos que aproximam o país africano do Brasil. Por aqui, atualmente, há cinco construtoras responsáveis por obras de infraestrutura e duas investidoras na área agrícola. Uma delas, a Brasil Agrobusiness, que veio do Rio Grande do Sul, planta e vende arroz para o mercado interno e para os países da região. Outra empresa brasileira em atuação na agricultura ganense, a Usibras, assume o posto de maior exportadora de castanha de caju do país.
Na área da construção civil, entre um dos os projetos desenvolvidos pelas construtoras brasileiras está a renovação do mercado de Kumasi (região dos ashanti localizada no centro do país), o maior mercado da África Ocidental com uma movimentação de 300 mil pessoas por dia. Esse projeto foi desenvolvido em parceria com um professor ganense Ebenezer Takiwa, que passou 20 anos de sua vida estudando o centro comercial mais importante do país.
– Quando eu cheguei aqui havia 50 brasileiros, hoje, somos 500. Somos bem vistos por aqui. As empresas brasileiras têm perfil de seguir os padrões de segurança. Com base nisso, fui convidada por uma associação de engenheiros do país que reconhecem o trabalho do Brasil. Eu tenho bastante orgulho das empresas que estão aqui porque temos feito um bonito trabalho – fala Irene com orgulho.
Saúde
Outro destaque da cooperação entre Brasil e Gana na área da saúde é o combate à anemia falciforme, um subgrupo de doenças do sangue exclusivamente associada à comunidade negra. A doença hereditária é caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue, tornando-os parecidos com uma foice; daí o nome falciforme. A anemia é causada porque essas células têm sua membrana alterada e se rompem mais facilmente.
– Eu ouvi falar da doença pela primeira vez no Brasil, e logo o tema entrou na agenda de saúde do governo. Descobri que o Brasil tinha um projeto que capacitava pessoas para identificar a doença. O Brasil precisava se capacitar nessa área e decidiu buscar tecnologia nos Estados Unidos. Foi então que Identificou o médico ganense Kwaku Ohene-Frempong, que trabalhava e fazia pesquisas em um hospital-escola no EUA – lembrou a embaixadora, completando que, por aqui, muitas crianças, quando morrem, recebem o diagnóstico de morte por malária, mas, na verdade, estavam com anemia falciforme.
Uma das contribuições do Brasil (do Homocentro de Belo Horizonte) foi treinar agentes de saúde de Gana para fazer um exame que é como um teste do pezinho para a anemia falciforme. Irene conta que o médico quer continuar trabalhando com o Brasil, que ela acredita ser um parceiro insubstituível para a África nessa e em outras áreas.
Cultura e história
Bahia, janeiro de 1835 – Em meio à aterrorizante rotina da escravidão, que só veio a ser abolida em 1888 no Brasil, um grupo de escravos de origem islâmica se rebelou propondo a libertação dos demais escravos africanos que fossem muçulmanos. A revolta feita por africanos muçulmanos, em especial da etnia nagô, de língua iorubá, foi chamada de Revolta dos Malês. A expressão “malê” provém de “imalê”, que no idioma iorubá significa muçulmano.
Nos meses seguintes, houve um movimento contrário daquele que por mais de 300 anos trouxe africanos escravizados para o Brasil. Após a Revolta dos Malês, os escravos que deixaram o país rumo ao Benin, Nigéria, Togo e Gana foram chamados de retornados. Em Gana, especificamente, eles foram chamados deTabom. O grupo de afro-brasileiros começou a chegar por aqui no início do século XIX na região do porto de Acra, estabeleceu-se e ganhou respeito.
-Respeito porque eles sabiam de coisas que os ganenses não sabiam, como técnicas de construção, como encontrar água doce, praticar alfaiataria… Hoje, o maior negócio de confecção do país, por exemplo, está ligado a um tabom! Alguns historiadores dizem que a história menos contada por aqui é a história dos tabons, logo eles que tiveram uma importância crucial no desenvolvimento da sociedade ganense. Essa história de travessias e de elo com o Brasil é algo que deve ser contado e eu espero que seja!
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