Haddad e Manuela vão retomar a política externa ativa e altiva afirmada por Lula

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Em 2010, a criação da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), em Foz do Iguaçu, Paraná, coroava o esforço de integração dos países da região, com uma instituição de natureza educativa e cultural.Símbolo do princípio que marcou os governos de Lula em aproximar os povos da América Latina e do Caribe, a Unila ascendeu como um marco da integração na tríplice fronteira entre o Brasil, Argentina e Paraguai.

Em visita à universidade em março deste ano, Lula revelou que “achava que a Unila era importante também para contar a história do nosso continente, que sempre foi tratado como quintal”. O ex-presidente brasileiro (2003-2010) conta que ficou pensando “se a gente muda a geografia mundial, a economia e a política, por que não pode fazer universidade de integração?”, disse o ex-presidente.

Integração regional
A integração da América do Sul – e, mais amplamente, da América Latina e Caribe – foi uma prioridade de primeira hora dos governos federais do PT, enunciada de forma direta já no discurso de posse de Lula, em 2003.

Ao discurso, seguiram-se ações concretas para o fortalecimento do Mercosul e avanços na integração sul-americana, que teve como um dos principais marcos o Acordo Mercosul-Comunidade Andina.

Em suma, a integração da América do Sul, América Latina e Caribe não é projeto de um governo apenas.  É, na realidade, a realização de um mandato constitucional.

Artigo assinado por Lula, Celso Amorim e Fernando Haddad em julho de 2017 afirmava, nesse sentido, que “o futuro do Brasil está inevitavelmente ligado ao dos demais países da região. Não há paz sem desenvolvimento, mas tampouco há desenvolvimento sem paz”.

Política externa “ativa e altiva”
No governo Lula, afirmou-se uma visão sobre o mundo que reconhecia o papel a ser desenvolvido pelo Brasil na região e no planeta no sentido de não apenas defender os próprios interesses do país, mas também ajudar no avanço das relações internacionais.

O esforço para aprofundar a paz e a cooperação, historicamente desejado e construído para a América do Sul ampliou-se para o restante do globo. Essa visão de mundo nos permitiu a aproximação com a África e com os países árabes.

“A verdade é que o Brasil passou a ser muito respeitado em todo mundo”, resumiu Celso Amorim, que foi chanceler dos governos de Lula, liderando o Itamaraty durante oito anos. Posteriormente, o diplomata viria a liderar o ministério da Defesa durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff. “A propensão do presidente Lula ao diálogo, só fez melhorar nosso relacionamento com o resto do mundo. A consciência de querer um país mais justo é que fez Lula querer fazer essa política externa ativa e altiva.”

Em apresentação realizada em meados de 2016, Celso Amorim terminou sua fala com um alerta: “O Brasil não pode se ausentar das questões mundiais”, de forma qualificada: “Sempre com senso de justiça e solidariedade. Se a política externa não for ativa e altiva, ela não é política externa”.

Nesse cenário, a integração da América Latina contribuiu para que os países pudessem cuidar efetivamente de seus interesses, sem a tutela de nações ricas que sempre haviam exercido hegemonia sobre os a região.

Os potenciais conflitos entre os países puderam ser encaminhados de forma mais adequada, com menor interferência ou imposições de interesses exógenos. Por meio desse processo, a América do Sul ampliou seu papel internacional, promovendo diálogo e cooperação com outras nações em desenvolvimento, especialmente da África e do mundo árabe.

A ampliação das fronteiras comerciais do Brasil foi uma prioridade dentro desse contexto. E um dos principais resultados dessa política foram a diversificação e o crescimento do comércio exterior brasileiro. O fluxo comercial aumentou tanto com parceiros antigos, como Estados Unidos e Europa, quanto com países que antes representavam uma parte pequena das trocas comerciais do país.

Diplomacia de Estado
Em entrevista ao diário argentino Página 12, Celso Amorim explicava que a diplomacia desenvolvida durante o governo Lula corresponde ao Estado está na Constituição brasileira: “Nela figuram os princípios de autodeterminação, de não intervenção, de solução pacifica das controvérsias e de integração latino-americana”. Na entrevista, Amorim destacava o importante papel que o Brasil desempenhou no coração das iniciativas da Organização Mundial do Comércio, a OMC – o que levaria o país inclusive a assumir a organização, pela primeira vez na história: “Colocar o centro na OMC não tem nada de esquerda nem é partidarista”.

Na entrevista ao Página 12cuja leitura recomendamos, Amorim destaca que o Brasil não deve “apenas ter uma visão reativa ante a agenda internacional, mas também ajudar a criá-la”, não aceitando imposições que “não correspondem a nossos interesses”. Para ele, é fundamental o país ter sempre em mente “que somos o quinto país em população e território”, além de uma das dez maiores economias do mundo.

O ex-chanceler de Lula conclui que o Brasil “não pode se ocultar da globalização” e que “o problema é como estar nela”. Amorim destaca, nesse sentido, a postura ativa do país na OMC, na FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), na OMS (Organização Mundial da Saúde), na América Latina, nos BRICS (sigla que representa a cooperação entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), na integração com os países árabes ou no G-20 financeiro (grupo que reúne os 20 países mais ricos do mundo), no Banco Mundial, no FMI (Fundo Monetário Internacional), entre outros.

Cooperação Sul-Sul
Dentro da política externa “ativa e altiva”, a Cooperação Sul-Sul foi um dos pilares. O termo diz respeito ao processo de articulação política e de intercâmbio econômico, científico, tecnológico, cultural e em outras áreas entre países em desenvolvimento. Essa cooperação, voltada ao enfrentamento de desafios comuns, levou, durante os governos de Lula, à criação do IBAS, reunindo Índia, Brasil e África do Sul. Posteriormente, Rússia e China se somaram à iniciativa, dando ensejo aos BRICS.

A criação do Banco dos BRICS e do fundo de contingência reunindo os países do grupo, da Unasul e da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos) são outros exemplos nesse sentido. E as negociações acerca da mudança climática, em que o Brasil desempenha uma autoridade moral e política, idem. Que podem ser contrapostos à decisão do Brasil em não apoiar a criação da ALCA (Zona de Livre Comércio das Américas) na virada do século 20 para o 21.

Fortalecimento do Mercosul
Por fim, e não menos importante, a consolidação do Mercosul durante os governos de Lula é um item a se destacar da política externa desenvolvida pelo Brasil no período.

A integração que permeia o Mercosul e as outras ações capitaneadas por Lula e Celso Amorim “não pode ser vista apenas do ponto de vista comercial, a integração tem que ser vista do ponto de vista político, do ponto de vista cultural, do ponto de vista social, do ponto de vista universitário”, conforme defendeu o ex-presidente Lula em entrevista ao jornal uruguaio La República em 2013. “Nós precisamos criar essa cultura de integração, nós precisamos definir na nossa cabeça o que é essa integração que nós queremos”.

Em março de 2018, ao visitar a Unila, o ex-presidente destacou que as pessoas que se colocam contra essa proposta de integração usualmente “não sabem que um país do tamanho do Brasil, com a população do Brasil, tem a obrigação moral de fazer política de integração”.

Na mesma ocasião, Lula destacou alguns números, a fim de “recordar a memória”, do público em geral. Em 2003, o fluxo de comércio entre o Brasil e a América Latina era de apenas 19 bilhões de dólares. E, em 2013, chegou a 95 bilhões de dólares. Já o comércio do Brasil com a América do Sul, que em 2003 era de 15 bilhões de dólares, em 2013 atingiu 73 bilhões de dólares. Já o fluxo de comércio no Mercosul, que chegava a parcos 10 bilhões de dólares em 2003, atingiu, 10 anos depois, 50 bilhões de dólares. Nos três casos, portanto, o comércio foi ampliado em praticamente cinco vezes.

Se o leitor quer dados mundiais, Celso Amorim nos fornece, em sua entrevista de 2016: “Nos últimos anos, o comércio intra-Mercosul se multiplicou por doze, enquanto o comércio mundial se multiplicava por quatro”. Para ele, “não podemos ser apenas uma área de livre comércio sem significado político”.

“Nós provamos que integração da América Latina é muito importante, a integração da América do Sul é muito importante, o Mercosul era muito importante”, afirmou Lula, concluindo que “a Integração é importante na América Latina porque temos mais de 570 milhões de habitantes. Não podemos é valorizar o que a gente compra e desvalorizar o que a gente vende. A integração é necessidade de sobrevivência nesse continente”

 

Palavra do Lula

Destacamos para sua leitura e lembrança (de quando o Brasil possuía uma política externa altiva e ativa), alguns trechos da entrevista “A Política é a Arte do Impossível”, concedida em 2016 por Lula ao jornal francês Libération:

“Para mim, a ordem geopolítica do pós-guerra não pode mais perdurar, as instituições de Bretton Woods, o FMI, o Banco Mundial estão ultrapassados. Não há explicação geopolítica para que a América Latina, a África, a Índia, também o Japão e a Alemanha não tenham assentos no Conselho de Segurança”.

“França, Rússia e Inglaterra se declararam favoráveis à outorga de um assento permanente para o Brasil. Mas os Estados Unidos e a China eram contra. Quero saber o que eles pensam, mas quero também que saibam o que penso. Quero ser tratado de igual para igual. O Brasil deve ter direito a opinar sobre os assuntos do mundo. Temos um potencial que merece ser respeitado pelos países ricos”.

[O desafio atual do planeta é] “O de permitir aos países que ainda não se desenvolveram, que possam fazê-lo nesse século XXI. Sonho com avanços tecnológicos que viabilizem a produção de mais alimentos explorando menos terras, com que sejamos capazes de emitir menos gazes de efeito estufa, diminuir a poluição da água e dos oceanos, sem impedir o crescimento dos países pobres. Nas discussões, os países ricos acham, às vezes, que somos radicais. Ora, trata-se somente de permitir que todos vivam dignamente”.

“Devo este sucesso a muita gente. A Chirac e Sarkozy, a Blair e Brown, a Bush e Obama, a Putin e Medvedev, a Hu Jintao ou Singh, a todos os chefes de Estado africanos e latino-americanos. Gordon Brown falava bem de mim para todo mundo, dizia ao FMI e ao Banco Mundial que podiam confiar em mim, como se fosse um dos meus ministros! Ele foi o fiador do meu governo. Gosto muito dele. E sou muito grato ao Jacques Chirac e ao Nicolas Sarkozy, que me trataram de igual para igual. Fui o primeiro presidente do Brasil a ser convidado para todas as reuniões do G-8”.

Plano de Governo

Está no Plano de Governo de Haddad, Manuela e Lula:

“A política externa ativa e altiva abriu novos mercados e parcerias estratégicas com países em desenvolvimento, e promoveu a expansão dos interesses nacionais em áreas geográficas antes praticamente abandonadas pela diplomacia do período neoliberal, como Oriente Médio, África e o sul da Ásia”.

Além disso, “América Latina e Caribe e, especialmente, a América do Sul, se tornaram aptos para resolver os próprios conflitos e, portanto, menos propensos a sofrer intervenções indevidas de potências externas. Para tanto, foi de relevo especial a criação do Conselho de Defesa, no âmbito da Unasul”.

É necessário, nesse sentido “recuperar os avanços na integração. Isso exigirá forte vontade política”.

O Plano de Governo defende “para além da integração sul e latino-americana, a retomada de uma atitude proativa no plano internacional” e destaca que “serão fortalecidas as iniciativas como o Fórum de Diálogo Índia, Brasil e África do Sul (IBAS) e os BRICS, que levaram à mudança de padrão nas negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC) e à transformação do G-8 no G-20”.

Nesse sentido, “o fortalecimento dos BRICS é outra diretriz essencial de uma política externa que reforce a presença dos países em desenvolvimento na agenda internacional e proponha o desenvolvimento de novos instrumentos de cooperação e reformas nos organismos multilaterais”.

O documento, que traz os compromissos de Haddad e Manuela para o governo da coligação “O Povo Feliz de Novo” afirma que “nesse cenário, o Brasil deve retomar e aprofundar a política externa de integração latino-americana e a cooperação Sul-Sul (especialmente com a África), de modo a apoiar, ao mesmo tempo, o multilateralismo, a busca de soluções pelo diálogo e o repúdio à intervenção e a soluções de força”.

Cabe destacar, por fim, algumas propostas do Plano:

– A integração regional como base para a inserção do Brasil no Mundo,

– A consolidação da soberania nacional e de uma política externa altiva e ativa,

– A integração global e o fortalecimento das relações com a África e os BRICS,

– O fortalecimento da Defesa do país, como um dos pilares da Soberania Nacional,

– A recuperação e o fortalecimento da soberania popular.