ImageMagica percorre 30 mil km fotografando saúde e mazelas sociais na África

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Percorrer a África e registrar as mazelas sociais com objetivo de promover a transformação. A partir deste princípio, André François e a ImageMagica percorreram mais de sete países e 22 cidades, em 75 dias de viagem.

O Projeto Vida – Um documentário sobre a saúde do mundo, começou em 2008. Na fase atual, François viajou pelo continente africano retratando as situações vividas pela população e fazendo do diálogo uma ampliação da relação entre o Brasil e os países da África, assim como o faz Lula desde seu primeiro mandato como presidente.

Nesta iniciativa, o fotógrafo quer conscientizar pessoas e governos sobre a necessidade de investimentos em políticas de promoção e prevenção a partir das experiências de diferentes lugares pelos mundo, por conta disso o projeto, que conta com a parceria da ONU (Organização das Nações Unidas), da OPAS ( Organização PanAmericana da Saúde), da MSF( Médicos sem Fronteiras)e da Cruz Vermelha já visitou países como: Lesoto, Moçambique, Uganda e Burundi.

Nesse primeiro projeto mundial, François quer mostrar a temática da saúde de uma forma que não se limite a hospitais e doenças, mas também aborde à alimentação, a educação, o saneamento básico, o acesso à água, entre outras questões.

Confira a entrevista completa daquele que usa a experiência fotográfica para tratar de temas como HIV e malária e ainda promover a transformação social:

Qual foi o motivo da viagem de vocês para a África? O que foram buscar conhecer?

Estamos trabalhando no Projeto Vida, que é nosso primeiro projeto mundial sobre saúde. A viagem à África é uma parte desse projeto e procuramos iniciativas nos países que visitamos relacionadas à saúde, promoção de saúde e qualidade de vida. Queremos mostrar com o projeto que a saúde não está somente relacionada aos hospitais e doenças, mas a muitas outras coisas, como alimentação, educação, saneamento básico, acesso à água, entre outras questões.

Nesses países, buscamos falar de temas recorrentes, como HIV e malária, mas também expandir nosso pensamento sobre a África e sobre esses países, que são muito mais do que essas doenças que acometem parte da população. Por isso, abordamos também iniciativas que lidam com o plantio, com animais de criação que trazem sustento para famílias, acesso à água…

Quais os projetos que mais surpreenderam? 

Acompanhamos o trabalho do Médicos Sem Fronteiras no interior do Lesoto, em Semonkong, e em Maputo, Moçambique. Neste último, uma iniciativa chamada GAACs (Grupo de Apoio e Adesão Comunitária) nos surpreendeu. Maputo é uma cidade onde o índice de HIV entre a população é de cerca de 25%, ou seja 1 a cada 4 pessoas está infectada com o vírus HIV. Todas as pessoas diagnosticadas e que fazem o tratamento com anti-retrovirais precisam ir ao centro de saúde todo o mês para buscar os medicamentos. Isso afoga muito o centro de saúde, que tem condições limitadas de atendimento e está sempre cheio. Uma pessoa que vai até lá certamente perderá todo o dia nessa atividade, o que significa que uma vez ao mês ela não conseguirá trabalhar. E o trabalho em Maputo é algo muito importante. O índice de desemprego é enorme e ter um funcionário que falta todo o mês é um problema, tanto o empregador quanto para quem trabalha sozinho.

Diante dessa situação, o Médicos Sem Fronteiras decidiu adotar, junto com o Ministério da Saúde de Moçambique, esses grupos de apoio e adesão comunitária GAAC), que reúne até seis pessoas dos mesmos bairros para que, a cada mês, um deles retire o medicamento de todo o grupo no centro de saúde. Isso, além de desafogar os centros de saúde, contribui para a melhor adesão do paciente ao tratamento, já que em grupo, eles também conversam sobre a doença, as dificuldades e a importância de tomar os medicamentos todos os dias.

Essa iniciativa começou no interior de Moçambique, em Tete, onde as distâncias até o centro de saúde eram grandes, e essa ação melhorou muito a adesão dos pacientes ao tratamento.

No Lesoto, o Médicos Sem Fronteiras está dialogando com as autoridades para implantar o mesmo GAAC para facilitar a vida dos pacientes, que enfrentam distâncias enormes até os centros de saúde. O Lesoto é um país que está inteiro nas montanhas (entre 2 mil e 3 mil metros de altura). Além das montanhas, o clima do inverno, com nevascas, atrapalha a locomoção das pessoas até os centros de saúde. Essa iniciativa ajudará muito a população a conseguir os medicamentos todo o mês.

Nos arredores de Isiolo, no Quênia, se encontra uma comunidade de Maasai que fundou uma área de conservação chamada Il Ngwesi. As famílias se mudaram para fora dessa área para que houvesse uma reserva de natureza e vida selvagem que atraísse turistas do mundo todo. Foi construído um lodge para receber os visitantes e a renda arrecadada com o turismo é revertida para projetos que melhoram as comunidades que vivem ao redor dessa área. Um projeto de água foi recentemente implementado e possibilitou a comunidade a plantar não só para sua subsistência, mas também para a venda dos vegetais.

Na capital do Quênia, Nairóbi, há duas grandes favelas: Kibera e Mukuru. O trabalho dessa organização, Solidarites International, consiste em capacitar os moradores das favelas e fazer o plantio em sacos de estopa. Como há pouco espaço disponível nesses locais, o plantio vertical aumenta a produtividade utilizando menos espaço. Os sacos são utilizados tanto na parte de cima, onde fica a terra, como nas suas laterais, por onde crescem as mudas. Cada saco equivale de 4 a 5m2 de espaço plantado. As famílias que aderem à iniciativa se alimentam melhor, conseguem renda com a venda do excedente e se unem enquanto comunidade, pois todos são responsáveis por cuidar do espaço de plantio.

Esse braço da ONU está trabalhando na capital do Burundi para diminuir os efeitos da guerra civil entre a população. São ideias simples e eficazes, como a de doar uma bezerra, porca ou cabrita para uma família de uma comunidade. Quando ela cresce e se reproduz, o primeiro bezerro terá que ser doado para outra família da mesma comunidade. Assim, um investimento feito para a cadeia da solidariedade (chain of solidarity), como é chamado esse projeto, continua a beneficiar famílias a longo prazo.

Quais foram as dificuldades de viajar por terra pela África?

Em alguns dos trechos percorridos, a segurança era instável, como, por exemplo, na fronteira de Ruanda e Burundi. Como o Burundi está saindo de uma recente guerra civil, ainda há muita instabilidade no país. Poucos dias antes de entrarmos lá, vimos notícias que grupos rebeldes haviam se manifestado nos arredores de Bujumbura. Pensamos em sair com dois carros até lá, mas no final, isso não foi possível. De qualquer forma, uma regra para nós era evitar viajar durante a noite, onde qualquer problema na estrada nos deixaria sem socorro. As estradas em alguns trechos eram boas, mas no geral eram simples e com buracos, o que diminuía significativamente nossa distância por dia. Mas ao mesmo tempo, viajar por terra foi muito bom porque nos envolveu mais com os países e comunidades visitadas. Pudemos sentir as mudanças de um país para o outro. Embora a paisagem pudesse ser parecida, as pessoas, as cidades, mudavam.

Além disso, qualquer passagem de fronteira por terra sempre era um momento de muita tensão, porque éramos vistos como estrangeiros e chamávamos muita atenção. Alguns dos países que escolhemos não recebem muitos turistas e nossa presença causava curiosidade.

 No que vocês acham que o Brasil pode colaborar para melhorar as condições de saúde dos africanos? 

O Brasil tem uma experiência grande em situações de dificuldade e em adaptações para solucionar problemas. Fazemos muito com o pouco que temos nas mãos. Na África, acreditamos que isso é parecido. Trocando experiências brasileiras de sucesso com os países em desenvolvimento da África, as chances de aprendizado e realizações são enormes.

Qual a imagem que os africanos têm do Brasil? E o que acham que falta para os brasileiros de conhecimento sobre os países africanos?

Os africanos, em geral, gostam muito dos brasileiros. Nós somos uma colônia, assim como eles, que deu certo. E acreditamos que existe uma certa admiração em relação a isso.

O Brasil conhece muito do que se passa nos Estados Unidos, na Europa. Quando falamos de África, imaginamos este continente quase como um único país. Dentro da África existem muitas diferenças de país para país. Em termos de comunicação, poderíamos ter mais espaço para falarmos de países da África que não estão passando por crises. O que sai no jornal recentemente são notícias sobre o Mali, a Líbia, o Egito, enquanto muitos outros países merecem espaço para serem vistos. O Lesoto, por exemplo, é um país incrivelmente bonito que pouquíssimas pessoas conhecem. Ele está todo sob as montanhas e encapsulado pela África do Sul e, apesar da proximidade com o país, tem uma cultura tradicional muito rica.