O Bolsa Família, criado no início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi um dos maiores programas de transferência de renda do mundo, utilizado como modelo por quase 20 países. Suas condicionalidades (ou seja, os pré-requisitos para entrar e permanecer no programa) incluíam desde a frequência de crianças à escola até o pré-natal de gestantes. Cerca de 70% das famílias beneficiadas pelo programa estavam no mercado de trabalho e tinham o Bolsa Família como complemento da renda familiar. Essa é a verdade, mais uma vez deturpada por Bolsonaro, o presidente que tem a mentira como única estratégia de governo.
Outra verdade é que Jair Bolsonaro usou R$ 375 milhões, originalmente destinados para o Bolsa Família, para bancar benefícios de militares. Ele também usou R$ 90 milhões das verbas que deveriam ir para as famílias mais pobres do Brasil para comprar tratores para seus aliados. Enquanto isso, 33 milhões de brasileiros passam fome e 125 milhões estão em situação de insegurança alimentar.
Na última sexta (15), Jair voltou a mentir sobre o Bolsa Família, mais um programa destruído por seu governo e substituído por medida eleitoreira. Ao anunciar um possível aumento do Auxílio Brasil (programa que juntou o Auxílio Emergencial e o Bolsa Família, deixando milhões de famílias desassistidas), de R$ 400 para R$ 600, Bolsonaro afirmou que: “Com o Bolsa Família, quem fosse trabalhar perdia (o benefício)”. É a mais pura mentira, utilizada pra encobrir os desastres e escândalos de corrupção de sua gestão.
As condicionalidades do Bolsa Família, que foi extinto ano passado ao completar 18 anos, incluíam cartão de vacinação completo para crianças menores de 5 anos, exigência de frequência mínima de crianças à escola e realização de pré-natal por gestantes. A inclusão produtiva das famílias beneficiadas era um dos objetivos do programa – e se tornou, durante o governo Dilma, um dos principais eixos do Plano Brasil Sem Miséria.
O Bolsa Família foi um dos principais responsáveis por tirar 36 milhões de brasileiros da pobreza extrema. O sucesso do programa se deu, principalmente, por causa de sua faixa ampla de atuação, que mobilizava diversos setores do poder público.
Ele foi modelo para programas semelhantes em países como Chile, México, Indonésia, África do Sul, Turquia e Marrocos. A cidade de Nova York chegou a criar o programa “Opportunity NYC”, de transferência condicional de renda, inspirado no Bolsa Família.
Em 2013, o governo brasileiro recebeu prêmio internacional por causa do programa. A Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA) anunciou, na Suíça, o país como vencedor do I Award for Outstanding Achievement in Social Security em reconhecimento ao sucesso do Bolsa Família no combate à pobreza e na promoção dos direitos sociais da população mais vulnerável do Brasil.
Cerca de 2,78 milhões de famílias estão na fila para receber o Auxílio Brasil, segundo o último levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Elas fazem parte da chamada demanda reprimida, ou seja, estão inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) e têm condições de receber o benefício, mas simplesmente não conseguem obtê-lo. O Ministério da Cidadania alega que são “apenas” 764 mil famílias. Mas a espera não para de crescer.
Segundo a economista Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Dilma Rousseff entre 2011 e 2016, o aumento da fila não apenas seria evitável por parte da atual administração, mas pode ser encarado como uma escolha consciente. O governo, ao invés de priorizar os mais pobres, tem destinado recursos a projetos eleitoreiros, como subsídios para bancar uma suposta redução nos preços dos combustíveis.
“Na verdade, não tem explicação técnica, administrativa. Foi uma decisão política. São famílias que se inscreveram no Cadastro Único, tiveram sua situação verificada, foi confirmado que elas estão dentro da faixa que permite o recebimento, têm todas as características exigidas pela lei e, portanto, estão aptas a receber o Auxílio Brasil. Não recebem porque ninguém deu a ordem para que recebessem, é uma coisa muito simples”, explica Tereza Campello
Descaso com os mais pobres
Para ela, no entanto, a situação pode ser ainda mais grave porque existem três grandes gargalos com relação ao CadÚnico, causados pelo desmonte que o governo Bolsonaro promoveu na área de assistência social no país: demanda reprimida, desatualização do cadastro e famílias fora do CadÚnico.
Somadas as três filas, o número de famílias que deveriam receber ou podem deixar de ser contempladas pelo benefício nos próximos meses pode chegar a vários milhões.
A ex-ministra explica que existem milhões de famílias que estão com o cadastro desatualizado no CadÚnico. “O governo não organizou essas filas, não convocou as famílias de forma ordenada e chamou de uma vez só milhões e milhões para que atualizem os cadastros nos centros de referência e assistência social nos municípios”.
Tereza adverte que, se elas não atualizarem a tempo, vão ser desligadas e perder o benefício. “Elas estão recebendo, mas correm o risco de deixar de receber nos próximos meses se não conseguirem fazer a atualização dos dados, se nasceu mais uma criança ou se mudou de endereço, informações básicas que elas têm que mandar atualizadas”, exemplifica a ex-ministra.
Milhões fora do cadastro
O terceiro caso citado por ela pode ser o mais difícil de resolver. De acordo com Tereza Campelo, milhões de famílias hoje estão em situação de vulnerabilidade por causa da péssima situação econômica e social do país. São pessoas que perderam a renda nos últimos anos e não tiveram como se cadastrar no CadÚnico por conta da pandemia, quando o governo federal, ao invés de utilizar o sistema para concessão do Auxílio Emergencial, criou uma base de dados própria, que hoje está fora de uso.
“Por que essas famílias não estão no cadastro? O CadÚnico estava praticamente universalizado. São famílias que ao longo dos governos Temer e Bolsonaro caíram em situação de pobreza. Seja porque deixaram de ter carteira assinada, passaram a trabalhar na informalidade, passaram a ganhar menos ou ficaram desempregadas. Elas foram traídas, enganadas pelo governo, não foram chamadas a entrar no cadastro. O governo criou um aplicativo para as pessoas pedirem o Auxílio Emergencial, agora esse aplicativo foi desligado e todo esse cadastro foi para a gaveta e eles voltaram a usar o CadÚnico. Se as famílias soubessem que precisavam se cadastrar, teriam feito isso com tempo, ao longo dos dois anos de pandemia, agora ficaram excluídas de tudo”, critica.
Esse descaso, afirma ela, sobrecarregou as redes de atendimento dos municípios, tanto os centros de atendimento presenciais quanto os sistemas telefônicos de informação e agendamento. Dessa forma, as estruturas locais não estão dando conta da demanda e os atrasos seguem se multiplicando. A isso se soma outro problema, a falta de repasses federais para a assistência social nos municípios, algo que fazia parte das políticas sociais do Bolsa Família.
Destruição da rede de assistência social
“Existia um financiamento federal para que os municípios executassem essas tarefas, que envolvia recursos diretamente para o Bolsa Família, para fazer os cadastros. Além disso, existia um financiamento regular, mas não para os municípios dos aliados, eram recursos fundo a fundo com base em critérios, que eram enviados aos municípios e agora vêm sendo cortados. A rede de assistência social está sendo dizimada. Nós construímos 7 mil equipamentos de assistência social nos municípios brasileiros e eles estão fechando. Eles não repassam dinheiro, os CRAS não têm como funcionar”, alerta.
A ex-ministra também lamenta a perda de qualidade no atendimento prestado à população mais vulnerável. Com a sobrecarga na rede e a necessidade do agendamento telefônico ou pela internet, a estrutura deixa de ter um contato necessário com as famílias que mais necessitam de ajuda.
Tereza lembra que nos governos Lula havia todo um esforço para que esse atendimento às famílias mais pobres fosse humanizado. As famílias eram atendidas e cadastradas por equipes especializadas, fator imprescindível para que o Estado pudesse detectar as principais vulnerabilidades da população, como não ter água potável ou se há situação de trabalho infantil. “A pessoa não é só pobre de renda, ela não está somente atrás do Auxílio Brasil ou do Bolsa Família. Tem um conjunto de situações que o atendimento humanizado permite identificar e garantir que essa cidadã, que essa criança seja atendida de forma integral. Isso tudo acabou”, ressalta.
Na opinião da ex-ministra, a destinação de verbas feita pelo governo mostra que esse público é cada vez mais ignorado. “Quando a gente vê que o governo está destinando bilhões em recursos para outras frentes, isso é revelador de duas coisas: a primeira é que tem dinheiro, não é verdade que não tem dinheiro. Segundo, que a prioridade não são os mais pobres. Os recursos estão sendo destinados para emendas. A prioridade desse governo não é nunca a população pobre de baixa renda”, completa.
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