Na terça-feira, 22 de março, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista à Rádio Som Maior, de Criciúma (SC). A conversa com os apresentadores Adelor Lessa e Upiara Boschi pode ser conferida abaixo:
Leia a íntegra da entrevista do presidente Lula à Rádio Som Maior, de Criciúma (SC)
Luiz Inácio Lula da Silva: É um prazer falar outra vez com vocês, falar com os ouvintes da Rádio Som Maior, e falar sobre o programa Adelor Lessa. É um prazer. Eu só queria dizer para vocês o seguinte: que, quando eu fui à Criciúma, foi em 1979, a convite do Walmor de Lucas, para um seminário sobre a questão sindical… Naquele tempo não tinha o PT, mas tinha um movimento já pró-PT, que só foi criado em fevereiro de 1980. É um prazer falar com você, Adelor, estou à inteira disposição para as perguntas.
Adelor Lessa: Eu estava lá, Lula, nesse encontro, lá no auditório do Colégio São Bento. Foi a primeira vez que eu te entrevistei. Na época, se discutia, vai formar, eu tinha convite inclusive para entrar no MDB, que na época nós não tínhamos ainda o bipartidarismo, e aí tu tinha dúvida. Depois, tu decidiu formar o Partido dos Trabalhadores. Tu lembra bem daquele encontro aqui, não?
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu lembro, eu lembro, foi a primeira vez que eu fui à Santa Catarina. Eu tinha recebido em São Bernardo do Campo uma visita, num final de semana, do Walmor de Luca, e ele ficou lá, acho que sábado e domingo, a gente conversou muito, e aí ele me convidou para vir a Criciúma. E eu fui a Criciúma. Foi a minha primeira viagem para Santa Catarina e a minha primeira viagem para Criciúma.
Adelor Lessa: Lula, o Brasil vem sofrendo muito com uma polarização belicosa, violenta, de partidários defensores Lula-Bolsonaro, lulismo-bolsonarismo. O que o Lula pode ou vai fazer para acabar com esse Fla-Flu, Lula? Seja na campanha, seja depois na possibilidade de reassumir a presidência do Brasil.
Luiz Inácio Lula da Silva: Adelor, se você me permitir, querido, antes de te responder a pergunta, eu queria mandar um bom dia para alguns amigos aí em Santa Catarina, sobretudo para o Décio Lima, que me ligou agora, o nosso presidente, que está ouvindo o programa. Ao nosso querido Pedro Uczai, deputado federal, aos deputados estaduais Fabiano da Luz, Luciane Carminatti, Padre Pedro e Neodi Saretta, o nosso querido Saretta.
Queria cumprimentar, em especial, o deputado Jorge Boeira, que acabou de sair do PT para o PDT e que disse que vai apoiar a minha candidatura. Quero cumprimentar o senador Dário Berger, que eu encontrei na entrada do Requião no PT no último sábado, em Curitiba. E quero cumprimentar o Gelson Merisio, que junto com a sua esposa e o Décio, me visitaram em São Paulo. E é importante dizer que o PT criou junto com os partidos políticos a maior frente democrática já criada em Santa Catarina, já temos 8 partidos políticos, e todas essas pessoas que eu citei fazem parte dessa frente democrática que querem reconquistar o governo de Santa Catarina.
Adelor, tem um problema que é o seguinte, ou seja, toda e qualquer política tem polarização. Ora, o Figueirense quando vai jogar com o Itajaí, com o Criciúma, ou seja, tem polarização, tem duas torcidas, cada um gritando o nome do seu jogador, cada um festejando o gol. Ou seja, você não pode imaginar que na França tenha eleição sem polarização, você não pode imaginar que nos Estados Unidos tenha eleição sem polarização, a própria eleição pelo fato de ter mais que um partido político ela já é polarizada, sobretudo, quando tem dois candidatos que estão ocupando o primeiro espaço nas pesquisas de opinião pública.
Então, é preciso parar com essa bobagem de achar que a polarização é ruim, a polarização significa que as pessoas estão vivas, significa que as pessoas têm lado, significa que as pessoas defendem aquilo que acreditam. Eu preferia a polarização que eu tinha com o PSDB, com o Fernando Henrique Cardoso, com o Alckmin porque era um debate mais democrático. Agora, o fato de ser o Bolsonaro facilita a nossa vida, porque a gente quer acabar com o fascismo nesse país, e a gente precisa fazer com que o Bolsonaro saia do governo para a gente reconstruir a democracia no nosso país, reconstruir a economia do nosso país.
Portanto, eu acho que vai ser uma eleição polarizada, sim, vai ser bem polarizada, vai ser uma eleição, eu diria, quente, vai ser uma eleição de muita disputa. Tem gente que está procurando uma terceira via, uma quarta via, uma quinta via. Eu, para mim não tem preocupação, o que eu acho é que nós temos condições de fazer com que o povo brasileiro retome a governança do Brasil e a gente possa, finalmente, restituir a democracia ao nosso país. É isso que está em jogo Adelor, sabe, a volta do crescimento econômico, a volta da distribuição de renda, a volta do investimento em educação, do investimento em inovação tecnológica, a volta da criação de oportunidades para empregar jovens. Eu acho que é isso que conta nessa campanha política, o nosso compromisso com o povo de cada cidade, com o povo de cada estado, com o povo do nosso país.
E eu fico muito feliz de poder estar nesse debate com vocês e poder responder a todas as perguntas que vocês vão fazer. A campanha só vai começar depois que os candidatos se definirem, eu ainda não me defini como candidato porque eu estou esperando conversas com algumas forças políticas, eu ainda quero fazer umas viagens pelo Brasil. Eu não quero ser apenas candidato do PT, eu quero ser candidato de um movimento para restabelecer a democracia no Brasil, para recuperar e reconstituir esse país, para reconstruir, inclusive, os valores democráticos do nosso país.
Então, quando eu decidir que eu vou ser candidato, a imprensa toda vai ser comunicada. Eu vou anunciar a chapa que a gente vai construir no Brasil, vou anunciar os partidos que estão numa convenção conosco, e assim o jogo vai começar. E, aí, quando o jogo começar, eu espero que seja uma eleição polarizada do ponto de vista do debate político, do ponto de vista do debate econômico, do ponto de vista do debate social, porque o que conta numa política não é contar mentira, o que conta numa política é a gente discutir de verdade os problemas que afligem o povo e as soluções para os problemas que nós apontamos para o Brasil.
Upiara Boschi: Bom dia, presidente Lula. O senhor deixou o governo do Brasil em 2010, no momento com 80% de popularidade, e o Brasil vivendo um momento exuberante. Mas o mundo e o Brasil mudaram muito nesses 12 anos, e às vezes passa a sensação quando eu lhe ouço de que o senhor está prometendo a máquina do tempo. Então, eu queria saber como é que o senhor e o PT veem esse mundo em que a maior frota de táxi não tem um veículo e não emprega ninguém, a maior cadeia de restaurante também é um aplicativo que não tem um restaurante, não tem nenhuma carteira assinada de cozinheiro, em que o dinheiro está virando virtual e transnacional, e que uma startup às vezes vale mais do que uma empresa consolidada. Como é que o senhor vê esse mundo atual, que respostas tem para esse mundo novo, presidente?
Luiz Inácio Lula da Silva: Posso te falar uma coisa? O mundo novo que você acaba de falar criou condições piores de empregabilidade para o povo brasileiro. Ele destruiu parte daquilo que nós fizemos na educação brasileira. Ou seja, tem menos jovens estudando nas universidades hoje, tem menos salário no bolso do povo trabalhador porque a renda per capita tem caído muito. E você está lembrado que os empregos são os empregos intermitentes, são empregos que muitas vezes não garantem segurança. Então, quando eu falo do passado, Upiara, é preciso ter em conta que eu quero mostrar que esse país pode ser melhor do que é, esse país pode gerar mais empregos, esse país pode gerar mais renda, esse país pode trazer mais felicidade para o povo.
A gente não pode aceitar a situação que foi criada de desmonte dos direitos trabalhistas que vem desde 1943 com o Getúlio Vargas, quando criou a CLT. A gente não pode aceitar que o desmonte da CLT foi um benefício para a classe trabalhadora. A gente não pode admitir que o desmonte dos direitos dos trabalhadores aumentou a empregabilidade, porque não aumentou, porque aumentou o emprego sem garantia para o trabalhador, sem previdência social, sem seguridade social. Ou seja, o trabalhador que trabalha em aplicativo ele é quase que um cidadão sem direito nenhum. Se ele der sorte de trabalhar, ele ganha. Se ele não tiver sorte, ele não ganha. Se o carro quebra, ele está lascado. Se a bicicleta dele tomba ou a moto dele tomba, ele está sem direito, ele não tem seguridade social, não tem seguro saúde, não tem auxílio-doença, não tem descanso semanal remunerado.
Eu fico me perguntando, que trabalho é esse? Aonde é que nós estamos indo? Nós estamos indo, efetivamente, para um retrocesso histórico, porque as pessoas, embora de forma mais moderna, estão trabalhando sem nenhuma garantia que nós tínhamos garantindo ao longo de décadas de luta da classe trabalhadora brasileira. Então, Upiara, o desafio que está colocado para nós, e aí é isso que eu faço questão de falar, é que quando eu ganhei a presidência em 2003, eu faço questão de falar do passado para reavivar a memória das pessoas. Você está lembrado, Upiara, que, quando eu cheguei na presidência em 2003, o Brasil devia 30 milhões ao FMI, o Brasil não tinha dinheiro para pagar as suas contas das importações, o Brasil tinha uma dívida pública de 60% do PIB, o Brasil não tinha reservas internacionais.
O que que nós fizemos? Nós pagamos a dívida externa, nós diminuímos a dívida de 65% para 32% do PIB, nós emprestamos 15 milhões para o FMI, nós fizemos uma reserva de 370 bilhões de dólares, e fizemos a maior política de inclusão social que se teve conhecimento na história do Brasil. Aumentamos o salário mínimo em 74%, geramos quase 22 milhões de empregos com carteira profissional assinada, demos crédito farto para a agricultura familiar, legalizamos 6 milhões de micro e pequenas empresas nesse país, aumentamos a quantidade de pessoas contribuindo com a Previdência Social, que deixou a Previdência em 2014 superavitária.
Ou seja, nós fizemos uma revolução nesse país. Aí mesmo em Criciúma, aonde você está sentado nessa janela com um fundo belíssimo das casas de Criciúma, aí mesmo nós fizemos 6 mil casas. Pergunta quantas casas o Bolsonaro fez aí. Pergunta se ele fez pelo menos um chalé, se ele fez pelo menos um quarto. Ou seja, porque, efetivamente, nós governamos pensando nas cidades, pensando nos estados. A minha parceria com os governos de Santa Catarina, sobretudo, com o Luiz Henrique, era muito forte. Porque, no meu conceito, a gente não governa um país, se não estiver conversando com a cidade e se não estiver conversando com o Governo do Estado.
Então, essa coisa é que foi a inovação do país, a inovação de fazer com que o Brasil passasse a ser respeitado do ponto de vista internacional, que o Brasil fosse respeitado pelos Estados Unidos, que o Brasil fosse respeitado pela China, que o Brasil fosse respeitado por toda a União Europeia, que o Brasil fosse líder na América Latina, conversando com todo mundo, tentando ajudar. O Brasil não falava grosso com a Bolívia e fino com os Estados Unidos, o Brasil falava igual com todo mundo.
É esse país que eu quero reconstruir, um país de oportunidade, um país de esperança, um país em que no meu tempo de governo 90% dos acordos feitos pelos sindicatos com os empresários tinham aumento real de salário. Eu vou repetir, 90% dos acordos salariais feitos no meu tempo de presidente tinham aumento real de salário. No governo atual apenas 7% dos acordos têm aumento real de salário. Então, é esse país de crescimento, de distribuição de riqueza, de entrada de mais jovens na universidade, de mais FIES, de mais ProUni, de mais pobres da periferia estudando que eu quero recriar outra vez.
É esse país, colocando o pobre dentro do orçamento da União, dentro do orçamento da cidade, dentro do orçamento do estado, e colocando as pessoas mais ricas no imposto de renda. É assim que a gente vai consertar o Brasil, com investimento em inovação tecnológica. Se o Estado não tem competência para fazer isso, o Estado tem que fazer uma parceria com os empresários e com as universidades para que a gente faça a revolução de inovação que o Brasil precisa passar.
Toda vez, Upiara, que eu falo do passado, é para tentar lembrar a sociedade brasileira que o Brasil já foi melhor, que o Brasil já teve mais emprego, que as pessoas podiam comer três vezes ao dia, que as pessoas podiam fazer um churrasco no final de semana, que as pessoas podiam ir para a praia tomar uma cervejinha, que as pessoas podiam viajar de avião para outros estados e para outros países. É esse país que eu quero reconstruir porque é esse país o país do sonho de cada homem, de cada mulher de Criciúma, de cada homem e de cada mulher de Santa Catarina, de cada homem e de cada mulher do Brasil. E eu acho, Upiara, que é esse Brasil que você sonha para ser reconstruído no Brasil.
Adelor Lessa: Lula, as sentenças e as penas contra o senhor foram derrubadas, foram anuladas. Mas, mesmo assim, fica, ficaram, ficou muito vinculado à sua imagem e a do PT à marca da corrupção. Consegue reverter isso, Lula, como reverter isso?
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu estou tranquilo porque isso já foi revertido. Veja, na medida em que as Cortes Superiores desse país reconhecem que o julgamento meu foi uma farsa, que as denúncias foram uma farsa, uma mentira, eu não tenho que ficar preocupado com mais nada. Quem tem que ficar preocupado é que quem contou as mentiras contra mim vai ter que se explicar historicamente. Eu vou te dar um exemplo, Adelor, os meios de comunicação que divulgaram fartamente as mentiras contadas pelas pessoas que me acusaram, eles vão ter que, em um momento, ir desvendando, ir contando.
Por que um setor da imprensa às vezes, Adelor, não admite que eu sou inocente? É porque eles passaram cinco anos vendendo a mentira que contaram para eles e que eles ficam com vergonha de voltar atrás, quando, na verdade, a gente pedir desculpas é um ato de grandeza, não é um ato pequeno. A palavra desculpa é uma palavra que engrandece as pessoas. Se a imprensa foi induzida a divulgar mentiras contadas por quem me acusou, e agora você tem do ponto de vista da decisão da Justiça a minha inocência, não custa nada dizer isso.
Mas tem gente que tem dificuldade, muita dificuldade. Eu vou te dar um exemplo, hoje vai ter um julgamento importante, muito importante, eu queria que você prestasse atenção, hoje vai ser julgado no Supremo Tribunal de Justiça um processo meu contra o procurador que inventou a aquela história do PowerPoint, está lembrado?
Adelor Lessa: Sim.
Luiz Inácio Lula da Silva: A famosa história que dizia que eu tinha montado uma quadrilha. Esse processo foi o primeiro a ser anulado, esse processo eu fui inocentado, e na decisão do juiz de Brasília ele disse, há quatro anos atrás, que esse processo era uma farsa política. Ninguém divulgou. Eu entrei com um processo contra o acusador e hoje vai ser julgado, e eu estou convencido que nós vamos fazer justiça mais uma vez. Esse processo vai provar que quem me acusou era mentiroso, tinha interesses escusos por detrás, e ele não tinha e não tem nenhuma prova que pudesse fazer com que ele acontecesse.
Eu abri um processo, e eu espero que esse processo seja julgado hoje, e que a gente possa ir restabelecendo a verdade. Então, as acusações que foram feitas, Adelor, o tempo vai se encarregar de provar. Eu fico pensando sempre o seguinte, o Juscelino ele foi acusado de ter um apartamento no Rio de Janeiro. Nunca se provou que ele tem um apartamento. O Getúlio Vargas se matou por causa de denúncia de corrupção, e nunca se provou que ele roubou. E assim é a história da humanidade.
Ou seja, como foi no meu governo o governo que mais fez lei para combater a corrupção, como fomos nós que criamos a delação premiada, como fomos nós que fizemos tudo para que as pessoas pudessem ser investigadas, porque você lembra que no governo do Lula e da Dilma não tinha tapete, as coisas não eram escondidas, qualquer denúncia era apurada, contra quem quer que seja. O que acontece agora? O que acontece agora é que as denúncias são engavetados, ninguém investiga, o Ministério Público não investiga, não acusa, não há uma solução.
É só ver o Bolsonaro e a família dele para ver o que está acontecendo. É só a gente perceber que ninguém até agora foi investigado por causa da rachadinha, ninguém foi investigado por causa da quadrilha da compra de vacina. Então, quando você não permite a investigação, você vai dizer não tem corrupção no meu governo. É só investigar que você vai ver o que vai acontecer, nesse governo e em qualquer outro governo.
E eu tenho orgulho, Adelor, eu tenho orgulho, e a Dilma também tem orgulho, porque além de a gente ter criado a Lei de Acesso à Informação, o que você pode ligar e ter acesso a qualquer informação do nosso governo, hoje você não tem mais. Hoje você não tem mais, porque isso está praticamente proibido, as pessoas não informam nada. Então, o tempo vai se encarregar, Adelor, e eu já estou com a minha consciência tranquila de dizer o seguinte, eu estava com a verdade quando resolvi desafiar os meus acusadores. Eu estou tranquilo, não sei se eles estão tranquilos.
Upiara Boschi: Presidente, o senhor falou da questão da imprensa, o senhor teve uma relação muito conflituosa com a Globo sempre como candidato, como presidente, como ex-presidente. Mas o presidente Jair Bolsonaro conseguiu ter uma relação ainda pior. O senhor acha que pode acabar aliado da Globo?
Luiz Inácio Lula da Silva: Upiara, eu não tive relação conflituosa com a Globo, nem com a Globo, nem com a Record, nem com o SBT, nem com a Bandeirantes, muito menos com a Rádio Som Maior. Eu não tive relação conflituosa com a imprensa, eu tenho divergência de conceito de informações com alguns setores da imprensa. Mas eu não tenho divergência, eu nunca briguei com ninguém, eu sou um homem de paz.
A única coisa que se eu pudesse eu faria, era que a imprensa informasse corretamente as coisas, independentemente da posição política do jornal, da rádio, da televisão. Ora, se a pessoa quer fazer uma crítica contundente ao governo, que faça no editorial, mas se a pessoa tiver uma informação, diga apenas a verdade. Só isso. É só isso que eu desejo, que a gente deve consolidar nos meios de comunicação no Brasil. Mas eu não tenho, eu tenho muito respeito pela liberdade de imprensa porque eu sou o resultado da liberdade de imprensa. Mesmo quando a imprensa me critica, ela está falando meu nome, e, cada vez que ela fala o meu nome, ela me dá a oportunidade de poder falar as coisas que eu penso.
Portanto, meu caro, não, Upiara, não me inclua no rol dos Bolsonaro na briga com a imprensa. Porque se tem uma coisa que eu briguei a vida inteira, desde quando sindicalista, foi pela liberdade de comunicação, pela liberdade de imprensa desse país. A democracia para mim é um valor inestimável, não tem nada mais importante do que o restabelecimento da democracia no país.
Adelor Lessa: Já que entramos nesse assunto mídia, como é que o senhor avalia, como é que senhor pensa, o que o senhor imagina sobre essa questão de regulação da mídia?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, eu acho que em algum momento a sociedade brasileira vai fazer uma regulação, sobretudo, na mídia, na regulação da televisão, da internet. Veja, você não vai regular jornal, você não vai regular revista porque eles são livres. Agora, quando você tem a internet funcionando com tanta fake news como você tem, eu não entendo, mas eu não sei como vai regular, mas em algum momento a sociedade brasileira vai ter que fazer esse debate e vai ter que ter uma regulação.
Quando eu era presidente nós fizemos um seminário, participaram mais de 3 mil pessoas de todo o território nacional, e nós apresentamos uma proposta, na verdade a presidenta Dilma, porque nós não mandamos a proposta para o Congresso Nacional porque estava terminando o meu governo e eu achava que era o novo governo que deveria promover o debate. Eu não sei porque não foi feito esse debate, não deram entrada no processo, mas eu acho que em algum momento vai ter um debate para a gente tentar restabelecer a imprensa livre de verdade nesse país.
Upiara Boschi: Presidente, o que a gente chama hoje de centrão, para não voltar tanto na história, mas ele apoiou o governo Fernando Henrique, apoiou o seu governo e apoiou o governo Dilma até certo momento. Hoje ele é a sustentação do Presidente Bolsonaro. O senhor conta com ele que se for eleito, conta com o retorno desse grupo político para a sua base?
Luiz Inácio Lula da Silva: Upiara, o começo da tua pergunta foi cortada. Se você puder perguntar outra vez eu te agradeceria.
Upiara Boschi: Com certeza. Presidente, o que hoje a gente chama de centrão apoiou vários governos ao longo da história, Fernando Henrique, o seu, o governo da Dilma, em parte, e hoje é o sustentáculo do governo Bolsonaro. O senhor conta com esse grupo de volta se voltar ao poder?
Luiz Inácio Lula da Silva: Upiara, eu digo sempre que o centrão não é um partido político. O centrão é um conjunto de partidos políticos que se juntam para tentar apoiar o governo de acordo com aquilo que pensa o governo. Ninguém consegue governar sem a construção de uma maioria no Congresso Nacional para votar os projetos de interesse do governo e eu espero que de interesse da sociedade brasileira. Eu acho que tem momentos em que o centrão, por exemplo, ele foi criado na Constituição de 88, quando a gente estava avançando nas questões sociais na Constituição de 88.
Então, eu lembro hoje do deputado Fiuza, lembro do deputado Roberto Cardoso Alves, sabe, propondo a criação do centrão para tentar evitar os avanços da esquerda. E, a partir daí, esse centrão se organiza sempre, e qualquer presidente da República eleito democraticamente tem que conversar com essas pessoas. Independentemente de você gostar ou não, você tem que conversar, em função dos projetos que você manda para o Congresso Nacional de interesse do povo brasileiro, de interesse da indústria nacional, de interesse do sindicalismo.
Ou seja, você não tem como não conversar. Agora, o que não dá é para você ver o Congresso funcionando da forma que está hoje, com o orçamento secreto, que permite um poder tamanho ao Congresso Nacional em detrimento ao papel que tem o presidente da República. Então, eu posso te dizer que eu e qualquer pessoa que ganhar as eleições nesse país vai ter que conversar com deputados e senadores eleitos. A gente não conversa com suplente, a gente não conversa com quem se elegeu, a gente é obrigado a conversar com quem está eleito.
Se você for a Brasília hoje, Upiara, discutir um problema que interessa ao povo de Criciúma, você não vai conversar com o deputado que você vota ou com o senador que você vota ou que gosta de você. Você vai conversar com o cara que tem mandato, independentemente do pensamento ideológico dele. É assim que funciona a política, é assim que funciona a democracia no Brasil e no mundo inteiro.
Adelor Lessa: Lula, uma questão do cotidiano, do dia a dia, da vida das pessoas, o preço da gasolina, Lula. Como é que o senhor imagina uma política de preço dos combustíveis para esse país se o senhor voltar à presidência da República?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, nós já tivemos política de preços durante 13 anos de governo do PT. Veja, nós, antigamente, a gente tinha mais necessidade de importação de petróleo porque a gente não tinha autossuficiência como nós temos hoje. Mesmo há um tempo atrás o Brasil exportava gasolina. O que eu tenho dito é que os preços dos combustíveis têm que ser nacionalizados, não existe nenhuma razão para que a gente tenha preço da gasolina dolarizado, o preço do diesel, o preço do gás. Não tem nenhuma razão. Acontece, Adelor, que quando se destruiu a BR, em nome do desenvolvimento, em nome de que, você está lembrado o discurso, vamos repartir a BR em muitas empresas e aí a concorrência vai baixar o preço. Mentira.
Adelor Lessa: BR Distribuidora, não é?
Luiz Inácio Lula da Silva: Sabe o que aconteceu? Destruiu-se a BR, e hoje nós temos 392 empresas importando gasolina dos Estados Unidos, importando gasolina a preço de dólar quando a nossa gasolina é produzida em reais. Então, é importante que o preço da gasolina seja efetivamente em função da nossa moeda, em função do custo real. O Brasil, depois do pré-sal, é autossuficiente.
Você está lembrado que, quando eu deixei o governo, a gente estava fazendo a refinaria no Maranhão, uma refinaria no Ceará, fizemos a refinaria Clara Camarão, no Rio Grande do Norte, que era de querosene para avião, fizemos a refinaria de Pernambuco, que foi terminada em 2017, 2018, a refinaria do COMPERJ, no Rio de Janeiro, que não vai mais refinar petróleo, ou seja, ela vai ser uma indústria mais petroquímica.
Ou seja, então, era preciso que a gente dotasse o Brasil de capacidade de refino. O Brasil, hoje, está com a capacidade de refino de 90%, não pode ser mais porque não tem refinaria. Então, é preciso construir mais refinaria, uma refinaria vai demorar de cinco a sete anos para ser construída, eu acredito que é esse tempo. Enquanto a gente não fizer isso, a gente vai ficar importando e o povo que ganha salário em real, o povo que compra comida em real, vai ter que pagar a gasolina a preço de dólar.
Porque o Brasil virou um país dependente, o Brasil abriu mão da sua soberania, o Brasil destruiu, está destruindo a Petrobras. Toda atitude, toda a política da Petrobras é para ter lucro para poder, não para fazer investimento, lucro para dividir com os acionistas de Nova York. Ou seja, enquanto a gente enriquece os acionistas, a gente empobrece a sociedade brasileira, isso é uma coisa descabida. É por isso que eu digo, se nós ganharmos as eleições, a gente vai abrasileirar os preços da Petrobras.
Quando nós decidimos que a construção de sondas, de plataformas e de navios iria ter 65% de componentes nacionais é porque a gente queria gerar emprego nesse país, é porque a gente queria gerar uma indústria nesse país específica para o setor de óleo e gás, para o setor de petróleo. Isso foi desmontado em benefício de quem, meu Deus do céu? Em benefício da subserviência do Brasil, a ponto de você ter um presidente da República dizendo: se eu pudesse eu dava um murro na mesa da Petrobras.
Não, um presidente não tem que dar murro na mesa da Petrobras. Um presidente tem que chamar a direção da Petrobras, chamar o Conselho da Petrobras, fazer uma reunião com o Conselho Nacional de Política Energética, e discutir o preço do combustível, discutir o preço do gás de cozinha. Porque é inadmissível o gás de cozinha em alguns estados estar a 150 reais, a gasolina em algum lugar estar mais de 8 reais o litro. Ora, como é que os caminhoneiros vão ter lucro, se o frete está apertado e o preço do combustível está alargado? O preço do combustível, o preço do frete é bem apertado e o preço dos pedágios é uma loucura. Como é que os caminhoneiros brasileiros vão sobreviver, como é que o cara vai pagar a prestação do caminhão, como é que o cara vai levar dinheiro para casa?
Sabe, essas coisas é que tem que ser pensada pelos governantes desse país. Então, eu quero te dizer, Adelor, o seguinte, se prepare porque se o PT ganhar as eleições e a gente voltar ao governo, a gente vai primeiro recuperar a soberania nacional, o petróleo tem que ser do povo brasileiro. Segundo, os preços serão compatíveis com o custo da produção de combustível.
E vou te dar uma dica, Adelor, quando nós descobrimos o pré-sal, se você for pesquisar a imprensa de 2007 e de 2008 você vai perceber que tinham muitos especialistas que diziam: é, descobriram o pré-sal, mas não vão conseguir produzir petróleo porque o petróleo está a 6 mil metros de profundidade, a 5 mil metros de profundidade, vai custar muito caro. Pois bem, aos pessimistas desse país, aqueles que duvidavam da capacidade tecnológica da Petrobras, hoje a gente tira um barril de petróleo de 6 mil metros de profundidade e com o mesmo custo de um barril de petróleo da Arábia Saudita.
Portanto, não tem explicação nem moral, nem jurídica, nem ética da dolarização do preço do gás de cozinha, do preço da gasolina, do preço do óleo diesel ou de qualquer outro derivado de petróleo. Agora mesmo, Adelor, você está vendo a guerra da Ucrânia e da Rússia, a questão de fertilizante. Você tem que perguntar quantas fábricas de fertilizantes foram fechadas nesse país…
Adelor Lessa: Voltamos. Retomamos, tínhamos perdido a conexão aqui ex-presidente Lula. Retomamos a conexão. O senhor estava falando sobre essa questão do preço de combustível. A parte final da sua manifestação nós não ouvimos, presidente, se o senhor quiser concluir.
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu estava apenas dizendo que não tem nenhuma explicação, nenhuma explicação o preço ser em dólar, não tem nenhuma explicação porque tudo que é investimento é em reais, as peças são produzidas em reais, os trabalhadores recebem em reais, por que você tem que dolarizar o preço da gasolina, do gás ou do óleo diesel? Não existe nenhuma explicação.
Então, eu disse que se o PT voltar ao governo a gente vai abrasileirar os preços do combustível nesse país. E eu estava dizendo dos fertilizantes, que agora estão dizendo que os fertilizantes estão caros por causa da guerra da Ucrânia. O Brasil poderia ser autossuficiente em fertilizante porque o Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, e um país que tem um potencial de produção de alimentos que tem o Brasil não precisa importar. O Brasil pode produzir aqui.
Eles fecharam as fábricas que a gente tinha, três no Paraná, duas em Sergipe, na Bahia, e mais importante, a fábrica de ureia que a gente estava fazendo em Três Lagoas, que estava com 85% pronta, simplesmente paralisaram. A fábrica de amônia que a gente estava fazendo eles paralisaram. Olha, numa demonstração de irresponsabilidade total, porque o Brasil é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, portanto, o Brasil tem que ser autossuficiente em fertilizante. E a autossuficiência permite que a gente tenha as nossas próprias fábricas, a gente não tem que ficar importando nem da Rússia, nem da China, nem da Ucrânia, a gente tem que produzir o que a gente precisa aqui porque nós temos esses fertilizantes no Brasil.
Então, é triste, é triste você ter um governo que não pensa, que não pensa na soberania nacional, você ter um governo que só trabalha pensando na subserviência, na dependência. E isso não faz uma nação ser grande, o que faz uma nação ser grande é a capacidade de sonhar e realizar do seu povo, e a gente acreditava muito nisso. A gente sonhava muito nisso, é por isso que eu fiz a maior capitalização da história do capitalismo mundial na Petrobras em 2010. E vocês estão lembrado disso, não foi na Bolsa de Nova York ou na Bolsa de Tóquio, foi na Bolsa de São Paulo que a gente fez a maior capitalização da Petrobras, transformando a Petrobras na segunda maior empresa de energia do mundo.
E agora eles estão fatiando ela, já venderam o gasoduto, já venderam a BR, já venderam a Liquigás. Ou seja, como se o governo não tivesse nenhuma responsabilidade. O papel do governo não é vender empresa, o papel do governo é administrar e gerenciar bem os interesses da sociedade que ele representa.
Upiara Boschi: Presidente, eu queria saber como surgiu a ideia de fazer a aproximação com o ex-adversário e ex-tucano Geraldo Alckmin a ponto dele ser um possível vice seu na chapa presidencial esse ano.
Luiz Inácio Lula da Silva: Upiara, primeiro é o seguinte, o Alckmin foi governador do estado de São Paulo, ele foi vice do Mário Covas de 94 a 98, depois ele foi vice de 98 a 2000 porque o Mário Covas morreu, ele assumiu o governo em 2000, foi até 2002, depois ele teve cinco mandatos consecutivos quase para o governo de São Paulo. É uma pessoa de muita experiência política, é um homem, você disse bem, nós somos adversários.
O fato de você ser adversário não significa que você seja inimigo. Vocês podem estabelecer pontos de conversa, vocês podem construir interesses programáticos juntos. Eu ainda não defini o vice porque nem o Alckmin definiu o partido que vai entrar. Ele vai entrar, me parece que, no dia 23 no PSB,
e eu ainda não decidi a minha candidatura. Quando eu decidir a candidatura e ele se filiar, então os partidos vão conversar para consolidar se existe ou não essa possibilidade.
Eu estou convencido de que, se a gente construir isso, é um benefício muito grande para o país. Eu estou convencido. Vamos ver se é possível construir, os partidos vão ter que conversar, eu vou ter que sentar com o Alckmin e conversar e saber o que vai acontecer, porque o jogo não está definido na política ainda, tem muita gente se colocando como candidato, mas a política é uma coisa muito complicada.
E tem muita gente que muda de posição, tem gente, agora temos a janela política, que todo mundo está trocando de partido. E eu vou definir, e se o Alckmin, por acaso, for o meu vice, eu penso que será um benefício para o Brasil e a gente vai fazer um grande governo se ganharmos as eleições.
Adelor Lessa: Lula, entre questionamentos e críticas aos governos do PT, refinaria, investimento na Refinaria Pasadena, nos Estados Unidos, investimentos no Porto de Mariel, em Cuba, investimentos na Venezuela. O senhor, presidente, faria tudo isso de novo? Ou coisa semelhante, claro.
Luiz Inácio Lula da Silva: Deixa eu te falar uma coisa, Adelor, você é um homem de comunicação e eu acho que seria importante você contribuir para ajudar a formar a cabeça do nosso povo. Veja, o Brasil não seria o que é, se não tivesse havido investimentos estrangeiros no Brasil no começo do século. Teve muitos investimentos na área da ferrovia, teve muitos investimentos na área do transporte marítimo, teve muitos investimentos na área do setor elétrico, ou seja, houve muito investimentos estrangeiros financiados por bancos estrangeiros. É só você pesquisar para saber quantos bancos estrangeiros investiram no Brasil, Banco Mundial, Banco Europeu. Ou seja, é normal e é saudável.
O Brasil, Adelor, é o único país do mundo que quando a gente decide fazer um empréstimo a um país para um investimento esse país é obrigado a contratar uma empresa brasileira. E aí a gente começa a exportar serviço, a exportar engenharia. Eu vou te dizer uma coisa, o Porto de Mariel, em Cuba, gerou ao Brasil 900 milhões de dólares de compra de coisas do Brasil. Além de que os cubanos pagam o empréstimo. O metrô da Venezuela começou com o Fernando Henrique Cardoso, e começou corretamente.
Da mesma forma que nós recebemos dinheiro emprestado para fazer coisas no Brasil. É isso que é o papel do banco de investimento, o Banco Chinês, o Banco Americano, o Banco Mundial, ou seja, empresta dinheiro para o desenvolvimento. E, no caso do Brasil, é o único país do mundo em que a gente empresta dinheiro com a obrigação de ter que contratar empresas brasileiras, para exportar serviço do Brasil. Esse negócio de achar que é ruim é pura ignorância ou falta de informação.
A gente não está tirando dinheiro do brasileiro para fazer a coisa lá, porque é um dinheiro que é emprestado. É um dinheiro que é emprestado com pagamento de juros, ou seja, não tem nenhum problema. Não tem nenhum problema. Se faltar dinheiro para o Brasil, tudo bem, mas é um dinheiro que a empresa brasileira não quer tomar emprestado. Nós, quando investimos em Angola, nós temos garantia absoluta de receber esse dinheiro por conta do petróleo de Angola.
Então, eu acho uma pena a cabeça de alguns brasileiros, às vezes muito atrasada, achar que fazer uma ponte em um país é um pecado mortal se você está investindo, se você está vendendo a sua engenharia, se você está gerando emprego no Brasil. Isso acontece entre nações, e sempre que o Brasil puder, através de financiamento o Brasil, precisa contribuir com os países mais pobres para que eles possam crescer e se desenvolver. Essa é uma prática saudável da qual o Brasil se beneficiou historicamente e muito.
Upiara Boschi: Presidente, o senhor citou no começo da nossa entrevista todos os nomes que são cotados para liderar uma chapa aqui em Santa Catarina nessa frente de esquerda. Eu queria saber, que caminho o senhor acha melhor, ter um nome do PT como o Décio Lima, vinculando o 13 nacional com o 13 estadual, ou um desses candidatos que eram de partidos de centro e que estão aderindo ao projeto? O que o senhor acha que é um caminho mais interessante para ser o palanque local?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, a pessoa que deva ser candidato nessa Frente Democrática que está sendo criada em Santa Catarina, é aquele que os partidos entenderem que é o melhor candidato e que unifica mais, e que tem mais chances de ganhar.
Vídeo da entrevista: