O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista na terça-feira, 22, à Rádio Passos, da cidade homônia na região do Lago de Furnas, em Minas Gerais.
Lula participou do Programa Passos em Debate e conversou com o apresentador Mário Júnior e o comentarista Juarez Moreira.
Leia a íntegra:
Juarez Moreira: Vamos ao sudoeste, ao sul, centro oeste mineiro, assim como toda Minas Gerais e o nosso Brasil, um programa muito especial nessa manhã de terça-feira. Obrigado.
Mário Júnior: Então vamos dar um bom dia. Presidente Lula, seja muito bem-vindo a Rádio Passos.
Luiz Inácio Lula da Silva: Bom dia Mário, bom dia Juarez, bom dia a todos os ouvintes da Rádio Passos, bom dia aos companheiros do programa Passos em debate. Bom dia ao povo de Capitólio. Eu queria inclusive prestar a minha solidariedade às vítimas do acidente de Capitólio, uma região tão bonita não merecia aquele acidente que aconteceu. Eu queria cumprimentar as pessoas que foram vítimas do Covid, as pessoas parentes dos que morreram por conta do Covid na cidade de Passos e na região. E também, nesse momento de solidariedade, eu acho que era importante que o povo de Passos e você, Mário, Juarez, se solidarizasse mais uma vez com o povo de Petrópolis que está vivendo uma situação muito difícil, e eu acho que a nossa solidariedade através dos microfones da Rádio Passos para todo o povo de Petrópolis, eu espero que a natureza dê uma trégua para que aquele povo possa viver, e que os governantes depois dessa experiência tomem juízo e façam o que tem que ser feito para que não aconteça mais acidentes como esse. Eu estou à inteira disposição, Mário, à inteira disposição para as perguntas que você e o Juarez tiverem para fazer, e os ouvintes, se quiserem perguntar, você que disponibiliza aí os microfones, porque o jogo está começando e vamos fazer um jogo bonito aqui para que o povo de Passos possa ter consciência dos problemas que estão acontecendo no nosso país.
Mário Júnior: Olha Lula, eu quero aqui, antes de começar, antes de entrar na nossa entrevista, cumprimentar os ouvintes e os profissionais das emissoras que vão também retransmitir essa entrevista: a Rádio Vida 105,1 FM, de Passos, e Alternativa 93,9 FM, também de Passos, Minas Gerais. A Rádio Líder 102,5 FM, de Formiga, Minas Gerais, Rádio Vida 103,7 de Arcos Minas, Gerais, a Rádio Vida 102,7 FM, de Alfenas, Minas Gerais, a Rádio Vida 101,5 FM, de Campo Belo, Minas Gerais, e Rádio Vida 94,1 FM de Três Pontas, Minas Gerais. Essas emissoras concentram uma grande audiência no Centro-Oeste, Sul e Sudoeste de Minas Gerais e interior paulista. E eu quero cumprimentar aqui também e dizer que nós estamos ao vivo pela TV de Passos, a TV INDSOL, no Canal 29. Feitas essas considerações, presidente, está em andamento a privatização da Eletrobras, que é responsável por 37% do total da capacidade de geração de energia no país. Para o nosso ouvinte ter uma ideia, Lula, a Eletrobras tem 164 usinas, são 36 hidrelétricas e 128 termelétricas, sendo duas termonucleares. Aqui bem próximo a Passos nós temos a Usina Hidrelétrica de Furnas, localizada no Rio Grande, entre os municípios de São José da Barra e São João Batista do Glória. Também temos aqui a Mascarenha de Moraes, em Ibiraci e Delfinópolis. Agora, Lula, essa privatização ela preocupa bastante os funcionários e pessoas que dependem diretamente ou indiretamente dessas usinas. Qual que é a sua opinião sobre a privatização da Eletrobrás?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, primeiro Mário, deixar bem claro que eu sou contra, o PT é contra, e o meu governo sempre foi contra a privatização das empresas públicas, das empresas estatais que tantos serviços prestaram ao povo brasileiro. Não há nenhuma necessidade de você vender um patrimônio que foi construído pelo povo brasileiro com o dinheiro do povo brasileiro, e uma empresa que pode servir para ser a reguladora do sistema elétrico no país, não permitindo o abuso dos aumentos das energias que nós estamos vivendo hoje no Brasil. Por isso, eu sou contra a privatização da Eletrobras.
Outro dia eu fiz uma entrevista e eu avisei: os empresários que tiverem juízo é importante contar até 10 antes de fazer a loucura de comprar a Eletrobrás a preço de banana. Porque o que aconteceu no Tribunal de Contas já foi um abuso, ou seja, liberar a venda da Eletrobras. Porque o governo, me parece que não sabe administrar, o governo só sabe destruir e vender as coisas públicas. Portanto, é importante que os trabalhadores do setor se manifestem, que façam protestos, que mandem cartas aos deputados, porque deveria passar pelo menos por um referendo, passar por uma discussão dentro do Congresso Nacional, coisa que o governo não quer fazer.
É importante então que a gente ainda tem tempo de fazer pressão para que a Eletrobrás não seja privatizada. A outra coisa importante, e aí é uma homenagem a coragem do povo de Passos, do povo de Peixoto, ou seja, de toda a Região dos Lagos, que é não permitir a redução da cota. Então, eu acho que tem dois interesses na cota de 663 em Peixoto, e 672 de Furnas, e essa cota é necessária para que a gente possa utilizar a água não apenas para produzir energia, mas a água para ajudar no processo de irrigação do pequeno e médio produtor rural, a água para ajudar na questão da piscicultura, que é uma região que pode ser uma região criadora de peixe, que é a água para ajudar no turismo. Eu tive fazendo uma caravana pelo sul de Minas Gerais, eu estive passando pelas cidades que compõem, margeiam o Lago, e é uma região extraordinária, para que a gente garanta o funcionamento do turismo.
Ora, o governo está dizendo que é preciso, que é só para produzir energia. Inclusive me parece que o governo entrou na Justiça para derrubar a questão do tombamento que a Assembleia Legislativa de Minas Gerais fez com relação às cotas. E eu penso que era importante que o povo se manifestasse para garantir que não haja mudança na lógica do tombamento, porque isso vai garantir mais desenvolvimento para a Região dos Lagos. O que não pode é o seguinte, se houver uma crise energética, o povo será muito prudente para concordar que possa se produzir mais energia e daí você pode até mexer nas cotas. Mas é importante que o povo seja o sujeito da história, que ele possa participar para dizer sim ou não naquilo que ele deseja.
Eu acho que é importante que todos nós tenhamos consciência, vender a Eletrobras a preço de banana como eles querem vender, é se desfazer do patrimônio público para enriquecer ainda mais os mais ricos. O resultado disso será mais desemprego, o resultado disso será mais redução de salário. O resultado disso será mais trabalho intermitente e mais trabalhadores fazendo bico, porque não vão ter emprego seguro como tem numa empresa como a Eletrobras. Por isso, eu sou totalmente contra Mário.
Mário Júnior: Muito bem, muito obrigado Lula. Juarez.
Juarez Moreira: Presidente, nós estamos hoje com a cota aproximadamente em 765, dado ao volume de chuvas desse ano, felizmente choveu muito graças a Deus, nós estamos com uma situação confortável, apesar de que, e aí a pergunta que muitas pessoas me enviaram, por que o preço da energia elétrica não reduz mesmo hoje com esse em volume de chuvas? Mas eu quero tocar num ponto, eu gostaria que o senhor também comentasse, porque a cota é fundamental, o senhor já falou isso, para todos esses municípios, para a questão da economia familiar, da agricultura, do turismo, da pesca. Mas tem um ponto que o governo hoje não discute e não discute principalmente com os envolvidos, os sindicatos, as categorias que estão envolvidas na questão de Furnas e Peixoto, que é exatamente a alteração da outorga de uso. Esse é um ponto que hoje não é discutido. O senhor, obviamente que é do seu perfil discutir com os interessados essa questão da outorga, porque nós temos hoje um volume, mas se não discutir e não regulamentar a questão da outorga nós teremos em muito pouco tempo todo esse problema de novo aqui na nossa região.
Luiz Inácio Lula da Silva: Juarez, veja, nós quando temos um governo autoritário como o governo que está aí que não negocia com ninguém e não conversa com ninguém, apenas faz provocação e ofende as pessoas, é importante que o povo adquira mais capacidade de reagir, mais capacidade de discordar, mais capacidade de fazer manifestações contrárias, ou favorável àquilo que o povo quer. Ora, se a questão de outorga é uma coisa interessante para o povo da região, ora, vamos brigar para que seja feita.
O que não dá é para a gente ficar omisso, vendo o Congresso Nacional não tendo nenhuma participação nisso. É importante que a gente fale com a Assembleia Legislativa, é importante que a gente fale com a Câmara de Vereadores, é importante que a gente fale com os prefeitos, é importante que a gente fale com os sindicatos, para que todas as pessoas que são interessadas no desenvolvimento da região, que são interessadas na manutenção da Eletrobras, que são interessadas na manutenção do respeito à decisão soberana da sociedade, comece a se manifestar.
O grande problema que nós estamos vendo é que o autoritarismo do Bolsonaro vem impondo, aliás já vinha impondo desde o tempo do Temer, ou seja, depois que deram o golpe na Dilma, eles vão impondo as coisas, levando as coisas a toque de caixa, sem nenhum respeito a nenhum comportamento democrático. E isso está fazendo com que quase tudo que tenha sido construído nesse país esteja sendo destruído.
A gente poderia pegar, por exemplo, uma coisa que vocês sabem bem, ou seja, nós fizemos o mais importante programa habitacional da história desse país que foi o Minha Casa Minha Vida. Vocês sabem quantas casas foram feitas na cidade de Passos? Me parece que por volta de 4.200 casas, ou seja, não foi feita nenhuma nesses três anos e meio de Bolsonaro. As creches não existem mais, não fizeram nenhuma. Ou seja, se eu perguntar para vocês qual é a obra que esse governo fez nessa região nesses quase quatro anos vocês não saberão dizer porque não fez.
Ou seja, porque é um governo de destruição, é um governo que prefere fazer fake news todo santo dia para contar seis ou sete mentiras por dia. Então, eu te diria, Juarez, que é importante que haja uma reação da sociedade se manifestando publicamente. É preciso pressionar os vereadores para que os vereadores pressionem os deputados estaduais, para que os deputados estaduais pressionem os deputados federais, para que os deputados federais, que fazem parte da oposição ou da bancada do governo, não permitam que o governo continue fazendo os abusos que estão fazendo nesse país.
É o desmonte dos bancos públicos, é o desmonte da Petrobras, é o desmonte da BR, é o desmonte do gasoduto, é o desmonte das empresas que produziam fertilizantes nesse país, e agora o desmonte da Eletrobras. Ou seja, daqui a pouco é o desmonte total do Brasil. É um país que não se respeita, é um país que não tem soberania, é um país em que o governo não trata nada da sociedade com o mínimo de respeito.
Então, Juarez, eu penso que o povo precisa aprender, aprender a se movimentar para que a gente não permita que ele, por ausência nossa, por omissão nossa, consigam destruir tudo aquilo que os nossos antepassados construíram. E dizer para você, Mário, que é um prazer saber que essa rádio nasceu no ano que eu nasci, eu não sei qual é o mês que ela nasceu, eu nasci em outubro, eu espero que ela tenha nascido em outubro de 1945, que foi o dia que eu nasci.
Mário Júnior: Foi em dezembro. Foi em dezembro.
Juarez Moreira: Nós comemoramos em dezembro.
Mário Júnior: Nós comemoramos em dezembro, Lula, dia 22 de dezembro.
Luiz Inácio Lula da Silva: Ah, então é dois meses mais nova do que eu.
Mário Júnior: Olha só, Lula, outra reclamação constante da população é em relação ao preço dos combustíveis, inclusive o Senado deve votar um projeto que altera a política de preços de combustíveis no país. Como que o senhor enxerga essa política de preços atualmente? E na sua opinião, de que forma, Lula, o brasileiro vai encontrar um preço mais justo nas bombas?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, Mário, essa é uma coisa que eu tenho tentado falar todos os dias, porque eu fui presidente oito anos e a gente manteve o preço da gasolina, o preço do óleo diesel, o preço do gás de cozinha, sabe, no padrão da moeda brasileira. Não existe nenhuma razão técnica, não existe nenhuma razão político-econômica para que a Petrobras tenha tomado a decisão de internacionalizar o preço do combustível, a não ser para atender aos interesses dos acionistas, sobretudo os acionistas de Nova York. Porque, na verdade, o que vai se pagar de dividendos, uns falam em 65 bilhões, outros falam em 100 bilhões, outro fala em 80 milhões, ou seja, é uma quantidade de dinheiro que uma parte desse dinheiro poderia ser investido no Brasil.
Quando nós descobrimos o pré-sal, nós imaginávamos construir mais cinco refinarias no Brasil para que a gente não fosse obrigado a exportar óleo cru. A gente queria exportar derivados para colocar valor agregado e construir um fundo. Na verdade, era um fundo que ia ser responsável de financiar a educação, ciência e tecnologia e saúde, e na verdade um outro fundo para a sociedade brasileira que era para que você garantisse a todo e qualquer brasileiro, de qualquer parte do país, o direito de participar do crescimento da nossa Petrobras.
Ora, tudo isso foi desmontado. Tudo isso foi desmontado. E por detrás da Lava Jato, que fazia parte desse desmonte, nós tivemos 4 milhões e 400 mil pessoas que perderam o emprego, nós tivemos 270 bilhões de reais que deixaram de ser investidos no Brasil, e nós deixamos de arrecadar de impostos 58 bilhões de reais. Em contrapartida o que aconteceu? Você destruiu setores importantes da nossa empresa, você destruiu a indústria de óleo e gás, você destruiu a indústria naval, você destruiu a indústria de engenharia, a troco do quê?
A troco do quê? A troco de nada, ou a troco de beneficiar as grandes multinacionais do petróleo, ou quem sabe de financiar determinados setores empresariais dos Estados Unidos que nunca aceitaram o fato do Brasil ter descoberto o pré-sal e nunca aceitaram o fato da gente ter feito a Lei da Partilha, que garantia que o petróleo era do povo brasileiro e que, portanto, o Brasil ia ser soberano na administração do seu petróleo.
Então, eu penso que nós não podemos aceitar nenhuma história que diga que a gente tem que internacionalizar o preço do combustível, porque o preço do combustível ele é caro para quem bota a gasolina ou diesel no caminhão ou no carro, mas ele é caro para o povo que vai no supermercado comprar comida.
Juarez Moreira: Esse é o ponto.
Luiz Inácio Lula da Silva: Porque a comida é transportada por transporte a gasolina e a diesel, e isso custa muito caro e vai para o preço e quem paga é o povo pobre. Então, meu caro, não há explicação, não há justificativa a não ser a ganância de concentrar mais riqueza na mão dos poucos ricos e mais pobreza nas mãos dos muito pobres. É isso que está acontecendo e é isso que a gente não pode admitir que aconteça.
Por isso, eu tenho dito, e digo para todo mundo escutar, que se a gente voltar a ser candidato e a gente ganhar as eleições, – eu digo se a gente voltar porque eu devo decidir agora no final de março se eu vou ser candidato ou não, – a gente não vai manter o preço internacionalizado. Pode ficar certo. E, sobretudo, o preço do gás. Gente, é uma vergonha o que está acontecendo com o preço do gás do Brasil.
Tem gente que está pagando 110 reais no preço do gás, tem gente que está pagando 115, ou seja, o gás é uma coisa elementar para que a dona de casa, para que o trabalhador possa cozinhar. Tem gente que não está podendo comprar, tem gente comprando lenha, tem gente catando lenha, tem gente desmatando para poder cozinhar, no século 21. Não é admissível. Portanto, nós vamos transformar esses preços em preços em dinheiro brasileiro para que o povo possa efetivamente usar sem ser acharcado como ele é hoje.
Juarez Moreira: Presidente, o senhor tocou num assunto que está ligado diretamente ao que a gente discute todas as semanas aqui, e aí a gente cai no problema, na questão da inflação, e principalmente a inflação que é sentida pelos mais pobres. Nós falamos da questão da energia elétrica, nós falamos da questão dos combustíveis, e o senhor falou muito bem da questão do reflexo, principalmente do preço dos combustíveis na alimentação. Com tanta gente tendo dificuldades de ir ao supermercado e tanta gente passando necessidade, passando fome mesmo, nós percebemos, e aí com essa política de dolarização do petróleo, da questão da desvalorização do real principalmente frente ao dólar, a gente percebe que a produção de alimentos no Brasil, e aí a questão que eu gostaria que o senhor falasse depois de alimentos, porque nós estamos entrando nesse assunto da fome, hoje ficou caro para todo mundo. Eu tenho conversado muito com pequenos agricultores, principalmente, que eles não dão conta de produzir e ter lucro. Então assim, está ruim para todo mundo, mas principalmente para aquele que vai ao supermercado que foi afetado pelo preço dos insumos, pelo preço do transporte, pelo preço do combustível. Porque ele não consegue repassar, ele é o que sente o efeito dessa cadeia toda influenciada principalmente por causa dessa dolarização do barril de petróleo, do petróleo, e também da questão da desvalorização do real. Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre isso.
Luiz Inácio Lula da Silva: Juarez, ontem eu conversei com duas pessoas de classe média aqui em São Paulo, dois professores universitários, e eles estavam me contando o absurdo que está o preço porque eles tinham ido numa dessas lojas que vende fruta e que vende verdura e eles tinham ficado assustados com o preço das coisas. Com o preço das coisas que eles foram comprar fruta simples, manga, mamão, laranja, melancia, ou seja, eles ficaram assustados com o preço.
Um mamão desse formoso alguém me disse que estava custando 28 reais, outro disse que estava custando 30 reais. Ou seja, as pessoas estão reclamando na classe média, imagina na classe pobre, imagina na classe pobre quando a gente vê que está diminuindo a área de plantio de feijão. A CONAB, que tinha a obrigação de ter uma espécie de um estoque regulador, isso acabou. No nosso tempo a gente mantinha um estoque regulador na CONAB para que a gente pudesse não permitir que o preço oscilasse muito para cima quando tivesse atravessador tentando expropriar o povo mais pobre, a gente então colocava no mercado para que pudesse equilibrar o preço.
Então, está caro o arroz, está caro o feijão, está caro a mandioca, está caro o leite, ou seja, o povo pobre tem uma inflação infinitamente maior do que a classe média e do que os ricos. Então, é preciso levar em conta que nós precisamos debelar a inflação. Você está lembrada que no nosso governo a gente estabeleceu uma meta de 4,5% e nós cumprimos esses 4,5% na inflação, a economia crescia, a gente gerava emprego. Mas não gerava emprego intermitente, não gerava esses empregos que é um bico, que o cara não tem carteira assinada, que o cara não tem direito previdenciário, que o cara não tem nada, gerava emprego de verdade, as pessoas tendo carteira assinada.
Nós, agora, precisamos ter consciência de que este é um desafio para o futuro, que tipo de emprego a gente vai criar? A gente vai criar emprego desses intermitentes que o trabalhador não tenha direito? A gente vai ficar fazendo o trabalhador trabalhar nesses aplicativos sem nenhum direito? É preciso dar garantia, dar seguridade social para as pessoas, é preciso que as pessoas tenham um descanso, é preciso que as pessoas tenham férias, é preciso que as pessoas ganhem um salário minimamente digno para comer. É isso que nós precisamos fazer e é isso que nós vamos construir nesse país outra vez.
As pessoas que trabalham no aplicativo, aliás tem uma coisa fantástica Juarez e Mário, um prefeito nosso de Araraquara ele está fazendo aplicativos pela prefeitura, tanto para o Uber quanto para entrega de comida, ou seja, ele está criando aplicativos pela prefeitura onde 90% do que o cara ganha fica para ele, e 10% paga os custos do trabalho. Hoje não, hoje o cidadão trabalha, mais de 50% vai para o dono do aplicativo que ele não conhece, e ele fica com a parte menor. Ou seja, e tentaram induzir as pessoas que fazem isso que elas são empreendedoras. O empreendedor tem que ter direito, o empreendedor tem que ter capacidade de viver bem e cuidar da sua família.
Nós não podemos achar que um trabalho quase que escravo é um trabalho moderno, que é uma coisa avançada. Não. Isso é um retrocesso na vida do povo trabalhador desse país. Se o cidadão quiser trabalhar no aplicativo é um direito dele, mas o dono do aplicativo tem que pagar um salário digno e tem que dar seguridade social para essa pessoa. E aí nós temos que brigar contra a inflação porque a inflação ela é a desgraça na vida do trabalhador.
Eu te falo isso, Juarez, porque nos anos 80, ou melhor, em 85, 80, eu não lembro bem a data, a inflação chegou a 80% ao mês. Eu trabalhava na Villares, cara, eu saía com o salário eu tinha que correr no supermercado e comprar tudo naquele dia, tudo, tudo, tudo que não estragava eu comprava para evitar o preço. Porque a 80% teu salário 15 dias depois não valia mais nada.
Então, controlar a inflação é uma obrigação para garantir ao povo trabalhador o seu poder de compra, o seu poder aquisitivo, para que as pessoas não tenham que piorar a qualidade da sua comida a cada dia. Eu tenho visto muita gente na televisão dizer, na televisão dizendo: hoje eu fui no supermercado, eu comprei menos, eu diminuí a minha compra, eu trazia um carrinho cheio agora estou trazendo meio carrinho. Eu comprava carne, eu comprava um quilo de carne por semana, hoje eu compro um quilo de carne por mês.
Então, que mundo é esse num país que é o terceiro produtor de alimento do mundo? Num país onde a pequena agricultura familiar já deu demonstração da sua competência, porque 70% do alimento que vai na mesa do povo brasileiro é produzido por pequenos e médios. E você sabe que no nosso governo a gente não só aumentou muito o Pronaf como a gente tinha programa de garantir a compra do alimento para que o alimento chegasse barato na mesa do povo.
E esse país, Juarez e Mário, já foi sério, esse país já foi feliz, esse país já respeitou o seu povo. E hoje esse país não respeita mais, não respeita. Esse país só pensa efetivamente nas loucuras do presidente. Você veja uma coisa, nós estamos vivendo um momento Mário, Juarez, em que tem um tal de um orçamento secreto na Câmara dos Deputados, em que os deputados ficam com bilhões de reais para fazer investimentos aonde eles quiserem sem passar pelo governo.
É uma coisa inédita na história da República, um presidente da República não ter controle do orçamento. E isso a gente vê repercutir no desemprego, na má qualidade do emprego, na redução do salário. É isso que a gente vê, a piora da sociedade brasileira. É por isso que nós temos 19 milhões de pessoas passando fome, é por isso que nós temos 116 milhões de pessoas com algum problema de insegurança alimentar.
E é por isso, companheiro Mário e companheiro Juarez, que nós queremos voltar a governar esse país para que a gente possa provar que é possível esse povo voltar a ser feliz. Esse povo ter emprego, ter salário, ter educação, ter acesso à cultura, ter prazer pela vida e pelo orgulho de ser brasileiro.
Mário Júnior: Lula, uma questão que eu gostaria que o senhor esclarecesse para o ouvinte da Rádio Passos, os internautas que estão nos acompanhando, em relação à reforma trabalhista. O que o senhor pensa sobre a reforma trabalhista que foi feita no atual governo, e caso o senhor venha a ser presidente, o senhor pensa em revogar alguns pontos da reforma trabalhista?
Luiz Inácio Lula da Silva: Veja, eu penso que nós deveremos fazer o que qualquer país civilizado e democrático tem que fazer, ou seja, nós tivermos uma reforma que não foi reforma, foi uma destruição. Mário, qualquer cidadão de Minas Gerais, qualquer homem ou mulher da cidade de Passos quando ele ouve falar a palavra reforma ele acha que é uma coisa para melhorar. Ele acha, a reforma da casa é para melhorar a casa, reforma no carro é para melhorar o carro, reforma num vestido é para ajustar o vestido, reforma num terno, ou seja, a reforma ela tem um sentido de você fazer as coisas melhorarem para o povo.
O que eles fizeram foi uma destruição, é como se eles tivessem dinamitando os direitos que os trabalhadores vinham conquistando desde 1943 com a instituição da CLT. Olha, não é que a gente queira ficar preso ao passado, mas a gente quer fazer o que? Nós queremos juntar outra vez os empresários, nós queremos juntar outra vez o sindicato, juntar o governo, se for o caso juntar universidade, e vamos discutir qual é a legislação trabalhista que nós precisamos para ser adequado ao momento político e econômico e cultural que nós estamos vivendo.
Eu, quando era presidente, criei um grupo de trabalho com a CNI, com os sindicatos e com o governo. Não deu certo por quê porque os empresários só queriam destruir e não queriam construir, que foi o que eles fizeram no governo Temer, prometeram uma Ponte para o Futuro, cavaram um abismo e esqueceram de fazer a ponte, só ficou buraco que o povo está caindo agora. Então, o que nós queremos fazer na verdade é juntar a sociedade, juntar os interessados, mas não queremos fazer nada na marra, o que nós queremos é discutir o seguinte: o que é bom para o Brasil? O que é bom para o povo brasileiro? O que pode ajudar, desde o trabalhador até o empresário?
Agora, o que eles fizeram foi destruir direitos dos trabalhadores, trabalhador que trabalha em aplicativo não tem direito a nada, não tem direito a descanso semanal remunerado, não tem direito a férias, não tem direito a 13º, sabe? Então, e não tem seguridade nenhuma, quando o carro bate é que ele percebe que está abandonado, quando a bicicleta bate é que ele percebe que está abandonado.
Então, o que nós queremos é juntar essa gente, criar um modelo que eu acabei de te falar. Até se você quiser Mário, você poderia depois ligar para Araraquara e fazer uma entrevista com o nosso prefeito Edinho porque o que ele está fazendo, se der certo, é uma revolução para que todos os prefeitos do Brasil organize aplicativo na sua cidade para que o povo não seja escravo de uma empresa estrangeira ou de uma multinacional, ou do Google, ou sei lá de quem, que ele seja efetivamente trabalhador com carteira assinada, com jornada de trabalho, e com direito a descanso remunerado e para cuidar da sua família.
É esse Brasil que nós queremos construir, e é esse tipo de discussão que a gente vai querer fazer para rediscutir a questão do mundo do trabalho nesse país.
Mário Júnior: Muito bem. Lula, eu gostaria também de que o senhor esclarecesse para a gente aqui mais um tema polêmico, inclusive os seus adversários usam bastante esse tema, eu gostaria que o senhor explicasse para a gente. O senhor disse em uma entrevista em novembro passado que é preciso regulamentar as redes sociais, regular a internet, colocar um parâmetro nas suas palavras. Como que seria essa regulamentação da mídia e por que na sua visão isso se faz necessário, Lula?
Luiz Inácio Lula da Silva: Mário, não pergunta para mim como seria porque eu não sei. Ou seja, o que eu acho é que nós temos que fazer um debate na sociedade brasileira para a gente saber se está correto ou não. A internet que é uma coisa extraordinária para o avanço da humanidade, para a imprensa, para a comunicação, ou seja, com a internet você não fica ouvindo apenas matéria, você interage com ela, você vira repórter, você faz pergunta. Sabe o que acontece, é uma coisa muito interessante, mas tem que ter um limite porque a maldade tomou conta.
Você não tem hoje que falar de rede social só, você tem que falar de rede digital, porque tem muitos aplicativos que não tem nada de social. Por exemplo, o fake news do Bolsonaro o que tem social? Nada. Ninguém pode utilizar a internet para contar mentiras, ninguém pode utilizar a internet para fazer maldade. E você sabe as maldades que existem, Mário, você sabe a quantidade de mentiras, você sabe que as pessoas que não concordam com esse governo são atacadas na sua honra, são atacadas na sua família. Ou seja, é uma coisa absurda.
Então, você tem que ter uma regulação. Aí você pergunta para mim eu falo: eu não sei, eu vou juntar os internautas desse país, eu vou juntar as pessoas que entendem disso, e nós então vamos tentar fazer uma regulação civilizada. Quando eu falo de regulação da mídia a imprensa fala: ele já quer fazer censura. Censura não. Se tem um cidadão que é censurado nesse país sou eu.
Você pode fazer as contas Mario para você saber quantos anos eu fiquei sem aparecer nos meios de comunicação desse país, era tratado como se fosse um hanseniano, era tratado como se ninguém quisesse chegar perto de mim, porque inventaram muitas mentiras e agora eu estou provando que era mentira, e eu disse que era mentira desde o começo, e graças a Deus, como eu sou um homem de fé, eu vou provar todas as mentiras que foram inventadas. Inventadas e fomentadas por alguns representantes dos meios de comunicação.
Juarez Moreira: Ok. Presidente (inaudível), eu sou filho do Instituto Federal, na verdade eu sou filho da Escola Agrícola de Machado, então assim, mais do que ninguém eu sei da importância do ensino técnico federal de qualidade. E hoje nós temos, e conseguimos felizmente ampliar e muito, e colocar os institutos federais e as universidades federais em todo o Brasil, seja a distância e seja pela estruturação dos campi novos, inclusive Passos, isso é importante. Mas o que nós estamos sentindo, e todos os anos a gente precisa ir para a rua, a gente precisa protestar, seja por redes sociais, que é exatamente o corte de recursos na educação, seja para pesquisa e aí depois a gente vai entrar nesse tema da pandemia, mas principalmente da falta de investimentos na educação. E esse desmonte, como o senhor disse, o senhor usou muito tudo bem essa palavra, no ensino federal, seja no ensino técnico, seja no ensino universitário superior e outros.
Luiz Inácio Lula da Silva: Juarez, esse é um assunto que me dá muito orgulho, mas muito orgulho. Pense num cara que tem orgulho. Porque eu fui o primeiro presidente da República sem ter diploma universitário, o José Alencar foi o primeiro vice-presidente da República a não ter diploma universitário, e nós vamos passar para a história como o governo que mais fez universidades nesse país, como o governo que mais colocou jovem na universidade, seja através das universidades novas que nós construímos 19, 173 novos campi, seja através do ProUni seja através do FIES, seja através do REUNI.
Então, nós saímos de 3 milhões e meio de estudantes nas universidades para era 8 milhões de estudantes na universidade, que eles agora estão destruindo. Porque estão cortando o orçamento da educação, o orçamento das universidades, não estão escolhendo mais um reitor que os professores e os alunos querem, estão escolhendo aqueles que ele quer, ou seja, numa falta de democracia sem precedente. E ao mesmo tempo as escolas técnicas. Sabe por que nós fizemos muitas escolas técnicas Juarez? Porque, eu acho que foi mais experiência de vida minha, eu sei o que significa para um trabalhador comum um curso técnico. Eu sei o que é uma pessoa sem um diploma profissional e uma pessoa com diploma profissional.
Quando você sai para procurar emprego e você não tem uma profissão ninguém te respeita, você chega num lugar você pergunta se tem vaga as pessoas já falam que não tem. Se as pessoas perguntam e você fala que não tem diploma ninguém te respeita. Agora, quando você tem um diploma técnico, quando você tem uma função especializada, as pessoas já começam te pedindo currículo, e melhora a tua vida.
Por isso que eu tenho orgulho de dizer para todo mundo: a elite brasileira ela fez em 100 anos, ela fez em 140 escolas técnicas em 100 anos, desde a primeira feita por Nilo Peçanha, em Campos de Goytacazes, em 1909, até o dia que eu tomei posse para presidente. No governo do PT nós fizemos esse Lula e Dilma quase 500 novas escolas técnicas nesse país, mais os institutos federais e eu sei que aí em Passos tem um.
Mário Júnior: Sim, sim.
Luiz Inácio Lula da Silva: Eu fui inaugurar um no Vale do Jequitinhonha, e a gente inaugurava as escolas técnicas na perspectiva de que a pessoa fosse aprender alguma coisa para ajudar no desenvolvimento local. O que é possível a gente fazer para que a escola ajude no desenvolvimento. E eu sei que as escolas ajudaram as regiões de forma extraordinária, a molecada bem formada, a molecada bem respeitada e a molecada passando a ser criativa na cidade dá uma importância extraordinária.
Então, é isso que me dá muito orgulho Juarez. E você sabe que eu fico com pena, eu fiz uma reunião a semana passada com vários ex-ministros da educação, com o ex-ministro da ciência e tecnologia, porque essa é uma tarefa que a gente vai retomar, mas vai retomar muito, porque não existe na história da humanidade nenhuma experiência de um país rico sem antes ter investido em educação, ciência e tecnologia.
E por falar em educação Juarez, nós estamos com um problema sério agora, é que com a volta às aulas, depois, ou seja, durante a pandemia, a volta às aulas vai trazer dois tipos de criança para a escola: as crianças mais pobres estão dois anos mais atrasadas que as crianças mais ricas. As crianças de classe média que puderam ter computador em casa, que puderam assistir aula normalmente à distância vão estar num nível, e as crianças pobres estarão num outro nível porque ficaram dois anos sem aula.
Nós vamos ter que ter uma revolução de comportamento de todos os educadores desse país, de toda a sociedade para a gente recuperar essa distância e fazer com que as pessoas mais pobres voltem a um grau de conhecimento igual todos os outros brasileiros. Porque na minha cabeça, na minha cabeça todas as crianças, independentemente de pobre ou rica, tem que ter a mesma oportunidade e essa oportunidade ela é dada num banco de escola, é lá que a gente vê quem é inteligente ou quem não é inteligente.
Paulo Freire dizia uma frase histórica, Paulo Freire falava: toda pessoa que come é inteligente. Se a pessoa não come a pessoa não pode ser inteligente porque a fome as vezes aguça e as vezes consome parte da inteligência das pessoas. Então meu caro, esse país nós construímos, esse país que sofreu o golpe estava nesse caminho, esse país tinha investimento em creche, no ensino fundamental, esse país tinha muitas escolas técnicas, esse país tinha muitas universidades, ainda não tanto quanto necessárias, mas tinha.
Nós provamos que era possível, eu fiquei muito orgulhoso quando o Brasil ficou em 13º lugar no mundo em ciência, quando a gente, em publicações e revistas especializadas. Eu fiquei muito feliz porque demonstrava que era possível. Eu fiquei muito feliz quando esse país saiu da 12ª economia para 6ª economia do mundo, esse país pode, ele tem grandeza, ele tem povo inteligente, o que ele precisa é apenas que as pessoas tenham acesso às oportunidades. E quem deve garantir as oportunidades é o Estado Brasileiro, quem deve garantir a oportunidade são os governos.
E, por isso, eu defendo, Juarez, uma participação efetiva entre o Governo Federal, Governos Estaduais e Governos Municipais. Não é possível a gente imaginar que um país pode ser rico se a cidade for pobre, não é possível imaginar que a cidade pode ser rica se o estado o for pobre. É preciso que haja uma combinação entre municípios, estados e federação para que a gente possa construir o país dos nossos sonhos.
Juarez Moreira: Presidente, se lhe tranquiliza, eu gostaria de dizer ao senhor que além do pessoal nosso dos institutos federais, da capacidade, da competência e do comprometimento das pessoas hoje que fazem parte dos institutos federais, eu gostaria de falar para o senhor que através de Emenda Parlamentar nós estamos realizando no sul sudoeste e centro-oeste de Minas o Capacita Sul de Minas, que é um programa de capacitação de jovens, de pessoas carentes, para todas as áreas de trabalho. No entanto, é uma ação através de uma Emenda Parlamentar do deputado federal Odair Cunha, que foi o que o senhor falou, que deveria ser através do Governo Federal, isso deveria ser acampado pelo Governo Federal. Mas enquanto isso o Governo Federal não se preocupa enquanto ele corta, através dos nossos mandatos dos nossos deputados nós temos atendido os institutos federais e temos levado capacitação acima de tudo, principalmente as pessoas daqui da nossa região e da nossa Minas Gerais.
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, é uma coisa muito interessante Juarez que é o seguinte, eu fiz uma pesquisa quando eu era presidente, a única coisa que era unânime no Brasil era a questão da qualidade da educação. Todas as pessoas entrevistadas diziam que queriam educação de qualidade, mas ao mesmo tempo em que as pessoas diziam que eram unanimidade a educação, na hora que você perguntava: você acredita que é possível fazer? As pessoas não acreditavam.
É por isso que nós tomamos a decisão de investir muito em educação. Você está lembrado que nós elevamos quase para cinco vezes o orçamento da educação, você está lembrado que eu criei um PAC de ciência e tecnologia e esse dinheiro foi administrado pelos cientistas, numa reunião com os cientistas, para que a gente pudesse executar todo o dinheiro que estava disponibilizado para ciência e tecnologia porque na minha cabeça não tem outro jeito.
É por isso que nós fizemos a Universidade Afro-Brasileira, com sede no Ceará e com sede na Bahia, é por isso que nós fizemos a UNILA, uma universidade latino-americana para contar a história do nosso continente com currículo latino-americano, com professor latino-americano, com estudantes de todos os países, porque senão o Brasil nunca será referência cultural.
Juarez e Mário, sabe o que é triste, o que é muito triste? É que esse país foi descoberto em 1500 e a sua primeira universidade federal só aconteceu em 1920. Enquanto o Peru foi descoberto em 1492, em 1554 já tinha a Universidade São Marcos. Ou seja, o Brasil ficou atrasado 400 anos porque me parece que os nossos descobridores não tinham preocupação com a educação porque na cabeça deles esse era um país de escravos.
E, portanto, escravos não tinham que ter acesso à escola, porque os seus filhos tinham, os seus filhos iam para Londres, os seus filhos iam para Paris, os seus filhos iam para Portugal, os seus filhos iam para os Estados Unidos, mas os pobres os trabalhadores índios e negros iam para onde? Para a chibata. E é por isso que o Brasil então ficou atrasado, ficou atrasado com relação a quase todos os países da América Latina.
Então meu caro, é um trabalho eu diria quase que revolucionário você fazer investimento na educação nesse país. Esses dias eu vi um ministro da educação dizer: não, a universidade não pode ser para todos, tem que ser para poucos mesmo. É essa a mentalidade que fez a gente ficar atrasado, é essa mentalidade que fez com que o Brasil já não fosse uma potência como é os Estados Unidos, como é a Alemanha.
Por que nós somos obrigados a ser atrasados, por que que nós somos obrigados a saber menos, a ganhar menos? Porque nós não nos respeitamos ao longo da história. Esse é o dado concreto, vivemos durante muito tempo produzindo riqueza para Portugal, e Portugal indiretamente, porque depois a Inglaterra tomava de Portugal, depois ficamos produzindo para os Estados Unidos, e cada vez que a gente vai produzir riqueza para nós e o povo começa a crescer, vem alguém e dá um golpe. É isso.
Eu poderia, Juarez e Mário, falar para os mineiros, Juscelino Kubitschek que é tido como um grande presidente, uma pessoa alegre, uma pessoa que todo mundo gostava, a verdade é que deram um golpe e não deixaram ele ser candidato outra vez. Não é porque Juscelino era o Lula que queria fazer inclusão social, o Juscelino queria construir uma República livre, soberana. Não deixaram, não teve eleição em 65 para não deixar o Juscelino voltar. É assim, depois caçaram a Dilma, depois não deixaram eu ser candidato, depois não deixaram João Goulart, depois fizeram o Getúlio se matar.
Toda vez que há um avanço na sociedade, toda vez que tem um governo que está pensando em melhorar a vida do povo, aparece a desgraça de um golpe. É sempre assim, e com o apoio da elite brasileira. Sempre com o apoio da elite brasileira, com o apoio daqueles que querem tirar direitos do povo trabalhador.
Mário Júnior: Muito bem, presidente, o senhor mencionou aqui a questão da falta de investimentos. Nós temos aqui na nossa região, as últimas rodovias construídas foram: a BR 146 entre Passos e Guaxupé, BR-265 trecho entre Ilicínea e Jacuí resta um trecho de aproximadamente 8 quilômetros sem asfalto até hoje. E muitas rodovias aqui da região do interior de Minas Gerais elas precisam também de manutenção e de uma atenção do governo. O senhor caso venha a ser presidente, o que que o senhor pensa em fazer em relação às rodovias, especialmente ex-presidente no interior do país, no interior aqui de Minas Gerais?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, eu não vou citar, eu não vou citar as coisas que nós fizemos porque tanto você como Juarez podem ter as informações daquilo que foi feito. Aliás, o nosso companheiro Odair Cunha, que está assistindo esse programa, eu falei com ele um pouco antes, pode passar para vocês, eu tenho muitas informações daqui.
Quando eu cheguei na presidência da República você sabe que muitas estradas de Minas eram estaduais, tive até uma celeuma com o governador da época porque a estrada ele dizia que era estadual, a que era ruim ele dizia que era federal. Nós criamos um sistema de asfaltar, de tapar buraco na maioria das estradas, fizemos algumas estradas importantes, terminamos a 381, ou seja, e eu sei que falta muito porque Minas é um estado muito grande.
Ou seja, o que eu posso dizer para quem está ouvindo? É que nós aprendemos muito. E a razão pela qual eu posso voltar a ser presidente, Mário, é porque eu acho que a gente vai voltar com muito mais sabedoria, a gente vai voltar com muito mais, sabe, vontade de fazer as coisas que a gente não conseguiu fazer. E aí você tem que construir uma harmonia entre presidente da República, governador e prefeito, para as coisas poderem funcionar corretamente. Não adianta o governador ficar de biquinho com o presidente, de biquinho com o prefeito, o presidente ficar de biquinho porque quem sofre é o povo.
Eu quando vou numa cidade, quando eu era presidente que eu ia numa cidade, eu não queria saber de que partido era o prefeito, o povo de Minas sabe disso. Eu não queria saber de que partido era o governador, o Aécio sabe disso, eu tratava todo mundo em igualdade de condições e somente assim é que a gente pode fazer as obras necessárias a um povo de cada estado.
Eu tenho dito Mário e Juarez, que se eu for candidato e ganhar as eleições a primeira coisa que eu quero fazer no mês de janeiro é convocar uma reunião com os 27 governadores eleitos desse país, para que eles me digam e para que eles apresentem projeto das principais obras que eles acham que são vitais para o desenvolvimento do estado, que apresentem projeto, projeto com começo, meio e fim, com viabilidade. Porque se tiver o projeto fica mais fácil de viabilizar recursos.
Da mesma forma nós vamos fazer com os prefeitos, foi assim que nós construímos um PAC, muitos prefeitos participaram do PAC na construção, muitas obras eram feitas porque eles diziam que precisa ser feito. É preciso de parar com essa bobagem de não acreditar na cidade, as cidades são peças importantes, é na cidade que mora o povo, é na cidade que estuda o povo, é na rua que mora as pessoas, então é lá que nós temos que cuidar. Se a pessoa não estiver feliz na sua cidade não está feliz em lugar nenhum.
Então, nós, Governo Federal, precisamos ajudar as prefeituras a estar bem. Por isso é que o presidente da República tem que cuidar disso. No meu tempo de presidente a gente tinha uma sala de prefeitos na Casa Civil, a gente tinha uma sala de prefeito em cada Superintendência da Caixa Econômica Federal para atender os prefeitos de forma civilizada, para o prefeito não ficar peregrinando pelo Brasil atrás de um projeto que muitas vezes ele nem sabia fazer.
Então, é simples. É simples. Se a gente estabelecer essa harmonia a gente vai ter mais facilidade de tapar os buracos desse país, de fazer as estradas vicinais que faltam, de fazer o desenvolvimento que falta. É assim que pode funcionar, é assim que pode funcionar. Eu lembro de uma cidade em Minas Gerais, eu não sei se eu vou citar a cidade correta agora, eu não sei se era Divinópolis, eu lembro que eu fui na cidade uma vez e o prefeito pediu uma escola técnica, ou uma faculdade, uma coisa assim. Eu falei me arruma o prédio que eu dou. Sabe o que ele fez? Ele saiu da prefeitura, ele saiu do prédio que estava a prefeitura para a gente fazer a faculdade sabe.
Então, essa harmonia é preciso ser reconstruída, eu chegava numa cidade a pessoa falava: presidente, eu quero uma escola técnica. Me dê a área, me dê o terreno que vai vir a escola técnica aqui. E tinha gente que falava: não, presidente, você não pode fazer mais escola técnica, você não pode fazer mais universidade que gasta muito. Eu dizia: parem de falar que educação é gasto, educação é investimento, quanto mais você investir na educação, mais retorno lucrativo você tem, porque você vai ter mão de obra altamente qualificada, você vai ser mais competitivo a nível internacional, você vai produzir coisas de valor agregado, você vai produzir coisas com muito mais valor, você vai produzir coisas mais importantes.
Então, é isso que as pessoas têm que botar na cabeça, é isso que você tem que botar na cabeça. Eu acho que não é a gente achar que o Brasil não pode continuar exportando só commodities, é importante as commodities para o Brasil, é importante. E graças a Deus o Brasil é competente em produzir commodities, mas é preciso que a gente também seja forte na indústria, seja forte na ciência, seja forte na tecnologia, que a gente seja forte nessa coisa chamada indústria digital, que é o que manda no mundo hoje.
Mário Júnior: Lula, a última vez que o senhor esteve em Minas Gerais foi em Cássia, pelo menos publicamente foi aqui em Cássia, inaugurando a primeira usina de biodiesel, do óleo de mamona, de girassol. E eu gostaria de perguntar o seguinte: o senhor planeja vir a Passos neste ano que está entre os 25 maiores colégios eleitorais de Minas Gerais, que tem 853 municípios? O senhor acredita que vai ser possível passar por aqui Lula?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha Mário, primeiro você lembrou uma coisa que é uma coisa que eu tenho vontade de chorar cada vez que eu falo, que é a política de biodiesel e a política de etanol nesse país. Toda essa loucura que o mundo está brigando sobre energia limpa, toda essa loucura que o mundo está brigando sobre gás de efeito estufa poderia ser muito menor os defeitos se a gente tivesse produzindo mais biodiesel e mais etanol. Se o mundo rico estivesse usando mais álcool, se o mundo rico estivesse usando mais biodiesel…
E o Brasil é uma fonte extraordinária com capacidade de produção. Lamentavelmente, as coisas não andaram tanto como eu gostaria que andasse, eu deixei a presidência faz 12 anos, me parece que a fábrica, a empresa de biodiesel que nós criamos parou de funcionar, eu não sei se a gente conseguiu avançar na indústria automobilística. Eu sei que o mundo retrocedeu, porque até 2020 era para todo mundo europeu estar utilizando 10% de etanol na gasolina, e não estão.
Eu lembro que o Japão queria utilizar 3 e também não está, eu lembro que Portugal queria chegar a 20, também não está. Então veja, o mundo parou, sabe, o mundo parou, agora o mundo quer inventar um carro elétrico, que está dando certo. Eu quero saber quem é que vai ter energia para poder carregar todos esses milhões de carros que estão aí. Ou seja, agora as pessoas…
Mário Júnior: Caiu para a gente aqui o sinal do ex-presidente Lula, se a produção do ex-presidente estiver… Voltou.
Luiz Inácio Lula da Silva: Mas a produção de etanol, a produção de biodiesel, está na mão do Brasil, está no território nacional e não tem nenhum país capaz de competir conosco. Então é preciso que a gente leve isso a sério, para que a gente possa se transformar em uma nação efetivamente de energia limpa e de energia exportadora para o mundo desenvolvido.
Mário Júnior: Ex-presidente, uma última pergunta para a gente encerrar aqui esse bate-papo. Seria possível a sua visita ou o senhor pretende vir, mesmo depois da inauguração, do Santuário de Santa Rita de Cássia? Vai acontecer em maio próximo, esse santuário será o maior do mundo em devoção à Santa Rita.
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha meu caro, é só você, Mário, aproveita e me manda isso no e-mail, manda para o Chrispiniano que falou com você, ou para o Stuckert, que eu terei imenso prazer de ir. Aliás, eu estou devendo uma visita ao sul de Minas Gerais, faz tempo que eu não vou, eu tenho muitos amigos no sul de Minas Gerais, muitos amigos. E eu estou doido rapaz, doido, doido para comer uma comida mineira feita no fogão de lenha. Pense num cara que está com vontade de comer um frango com quiabo? Pensa. Então, se você me mandar o endereço eu, sinceramente, terei muita vontade de ir, até porque é perto. Veja, você está falando de uma cidade que está a 85 quilômetros de São Paulo, de Franca, não é isso?
Mário Júnior: Isso.
Luiz Inácio Lula da Silva: Você está falando de uma cidade que pertence a uma das regiões mais desenvolvidas de Minas Gerais. Então obviamente que eu tenho interesse de ir em Minas Gerais porque Minas Gerais eu sou grato a Minas Gerais pela quantidade de votos que Minas Gerais já me deu. Então eu queria, Mário, você Juarez, eu queria agradecer de coração a vocês, queria agradecer sabe aos companheiros que patrocinaram essa entrevista, eu não sei se foi a companheira Gleide, que é a tesoureira nacional do PT, o companheiro Odair, o companheiro Reginaldo Lopes, ou seja, companheiro Patrus Ananias, ou seja, tem muita, muita gente que ajudou a gente a fazer essa entrevista. E agradecer a você, a você Mário, a você Juarez, aos donos da rádio, porque você sabe que eu durante muito tempo fui a figura mais censurada, talvez só o Chaplin foi mais do que eu quando ele foi censurado pelo cinema americano.
Mas de qualquer forma é o seguinte, eu estou aqui cara, estou aqui com muita vontade, com muita disposição, acredito muito, mas muito que é possível recuperar esse país, esse país voltar a ser feliz. O povo levantar de manhã rindo, levantar de manhã a gente agradecer a Deus por estar vivo e na hora de dormir agradecer a Deus por dormir mais uma noite. Agradecer a Deus porque a gente vai tomar café, almoçar e jantar todo dia, a gente vai poder comer um peixinho pescado aí no lago, a gente vai poder comer uma carnezinha assada, a gente vai poder comer um queijinho da Serra da Canastra, tudo isso se o Juarez mandar para a gente aqui o convite.
Juarez Moreira: Será um prazer presidente. E, já encerrando aqui a minha participação, eu volto, e quero um compromisso do senhor porque foi o maior volume de mensagens que eu recebi, o compromisso do senhor de nós discutirmos de maneira séria e comprometida a questão da cota do Lago de Furnas e do Lago de Peixoto, e também a discussão sobre a outorga de uso das águas. Esse é um compromisso que o nosso povo da nossa região, todos os envolvidos estão pedindo do senhor.
Luiz Inácio Lula da Silva: Mário, qual é o peixe que dá aí no lago?
Juarez Moreira: Tilápia principalmente, e acima da Barragem de Furnas tem muito tucunaré e traíra também.
Luiz Inácio Lula da Silva: Rapaz, eu sou bom de pescar tucunaré. Mário, quando eu for aí você deixa o molinete preparado.
Mário: Combinado. Combinado então ex-presidente.
Luiz Inácio Lula da Silva: Que eu pego, limpo e asso o bicho na hora.
Mário Júnior: Está certo, muito obrigado. Ex-presidente Lula, mais uma vez muito obrigado ao senhor, a toda a sua competente equipe por essa entrevista, por ceder o seu tempo, por conversar aqui com o sudoeste mineiro, mais uma vez muito obrigado, uma boa tarde para o senhor.
Luiz Inácio Lula da Silva: Que Deus abençoe você, o Juarez e todo o povo da região. Um abraço querido.
Mário Júnior: Um grande abraço, muito obrigado, muito obrigado a todos os envolvidos. Muito bem, encerramos aí a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falando ao vivo com os nossos ouvintes.
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