Na quinta-feira, 7 de abril, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista à Radio Jangadeiro BandNews FM, de Fortaleza (CE).
Confira abaixo a conversa com os jornalistas Nonato Albuquerque e Carla Moura, do programa Manhã Jangadeiro.
Nonato Albuquerque: Lula, o senhor retorna a disputa eleitoral 12 anos após ter saído da presidência. Nas pesquisas aparece na liderança, na última da XP …. (inaudível).
Luiz Inácio Lula da Silva: O que as pesquisas elas vem mostrando… é tanta pesquisa que a gente não consegue acompanhar direito… Aqui em São Paulo tem dia que a gente lê três ou quatro pesquisas no mesmo dia, uma feita por telefone, outra feita pela internet, outra feita presencialmente. Cada uma traz um número. O dado concreto é que já está provado que nós temos chances concretas de ganhar as eleições nesse país, que nós temos condições de voltar a governar o Brasil, para fazer com que esse país volte outra vez a ter perspectiva de futuro, a ser feliz.
Mas é importante lembrar, Nonato, você tem experiência política, a campanha começa mesmo depois das convenções partidárias, em que vai começar os horários de televisão e as pessoas vão poder se expor, vão poder defender os seus programas de governo, e o povo começa então a ter uma definição. Eu, particularmente, fico feliz porque havia gente nesse país que trabalhava com a ideia de que eu tinha acabado para a política, de que o PT tinha acabado para a política e, de repente, as pessoas que pensavam isso é que estão acabando para a política e nós estamos vivos, disputando.
E eu fico muito feliz quando eu vejo uma pesquisa, depois de 12 anos que eu deixei a presidência, depois de tudo que fizeram comigo, e as pesquisas mostram que eu ainda sou considerado o melhor presidente da história desse país. Isso me deixa muito orgulhoso. Eu sei do carinho que eu tenho com o povo do Ceará e o carinho que o povo do Ceará tem comigo. Então, eu fico feliz e vou trabalhar, Nonato, para ganhar as eleições. Eu vou definir a minha candidatura este mês de abril, vou lançar a candidatura, vamos fazer uma aliança com outros partidos políticos, aí eu vou começar a viajar o Brasil. E esteja certo de que você pode se preparar, você e a Carla, para fazer uma entrevista comigo ao vivo aí na cidade de Fortaleza.
Nonato Albuquerque: Está ok. Há chances de abrir mão também dela em prol de alianças que estão se formando?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, eu não vejo possibilidade da construção de alianças. Essa história de terceira via eu ouço dizer desde que eu era pequeno, quando houve a Revolução Russa, que o mundo ficou dividido entre os socialistas e os capitalistas, entre a socialdemocracia e o comunismo, ou seja, tudo isso se dizia em criar a terceira via, nunca aconteceu uma terceira via.
A verdade é que o povo vai escolher entre os candidatos que têm possibilidade de ganhar as eleições. Candidato a gente não inventa, candidato não é uma coisa que você compra no Mercado Livre. Candidato é uma pessoa que tem estrutura partidária. ou gente que tem estrutura econômica. E eu acho que o que está em jogo é o seguinte, nós temos um presidente da República que tem se mantido na casa dos 25 a 30% de aprovação e de aceitação, e você tem um candidato de oposição que se mantém na média de 45% de aprovação.
Eu acho que a disputa vai se dar aí. A disputa vai se dar entre a democracia e o autoritarismo, entre a democracia e o desenvolvimento, a melhoria da qualidade de vida das pessoas, e um governo autoritário como nós vemos o atual governo brasileiro.
Nonato Albuquerque: Eu vou insistir aqui na questão das alianças porque amanhã tem reunião do PT com o PSB, relação inclusive com um passado turbulento, como é que a sua com o ex-governador Geraldo Alckmin. Essa aliança não pode gerar uma insegurança no seu eleitor não?
Luiz Inácio Lula da Silva: Não, não pode gerar e nem deve gerar. Deve gerar no nosso eleitor a certeza de que nós estamos não apenas preocupados em ganhar as eleições, mas nós estamos, sobretudo, preocupados em governar esse país. Porque reconstruir o país depois da destruição feita, pela experiência do golpe de 2016 e pelo governo Bolsonaro, será uma tarefa imensurável, será uma coisa muito grande para que a gente possa construir esse país, reconstruir esse país, fazer o país voltar a crescer economicamente, distribuindo renda, fazer com que se tenha investimento em infraestrutura.
Então, eu estou convencido que a aliança com o Alckmin, a aliança com o PSB… Amanhã, a reunião, Nonato, ela será para o PSB propor ao PT o Alckmin como vice. Obviamente que, ao receber essa proposta, o PT vai convocar uma reunião do seu Diretório Nacional e vai fazer essa discussão. Eu penso que logo logo estará definido, e eu fico muito tranquilo se tiver que trabalhar com o Alckmin, porque o Alckmin é um homem que tem experiência, foi governador de São Paulo, foi opositor a mim. Nós tivermos divergências, mas nós não somos inimigos. Porque essa é uma diferença básica entre uma divergência política e um inimigo.
O Bolsonaro não é um adversário, ele sempre se comporta como inimigo, com muita agressividade. E eu acho que você pode fazer política, conviver com adversários democraticamente na adversidade. E eu acho que o Alckmin será um gesto e uma contribuição de uma parcela da sociedade que não é petista, de uma parcela da sociedade que possivelmente não votaria em mim para que a gente possa ganhar as eleições e montar a estrutura para que a gente possa recuperar o nosso Brasil. Por isso, eu acho que essa aliança será uma aliança forte, uma aliança vitoriosa e uma aliança que irá falar praticamente com todos os espectros da sociedade brasileira.
Nonato Albuquerque: Você falou ainda há pouco na situação econômica do país e tal e a gente vai, daqui a pouco, voltar a falar de política porque o consumidor tem sentido no bolso o peso da inflação. A gente sabe que a pandemia tem sua parcela de culpa, que ainda haverá resquícios para quem assumir a próxima gestão também. Aí eu pergunto: por onde começar para resolver o problema nesse momento econômico, da inflação?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, é bastante viável que, para a gente recuperar o país, a gente vai ter que fazer investimentos fortes no setor de infraestrutura, e que a gente vai ter que voltar a conquistar a credibilidade de investidores externos, para fazer investimentos produtivos no país. E aí o governo precisa tomar uma atitude, Nonato, para que o governo tenha credibilidade. Se o governo não tiver credibilidade, se a sociedade não estiver acreditando naquilo que o governo está falando, a chance do Brasil voltar a crescer é mínima.
Agora, a inflação você controla falando seriedades, você tem que ter previsibilidade, você tem que ter credibilidade e você precisa colocar a economia para andar. Nós não temos uma inflação de consumo. 50% da inflação brasileira hoje são pelos preços administrados pelo governo: é energia elétrica, é gasolina, óleo diesel, é preço do gás, ou seja, preços que o governo poderia controlar e que não está controlando.
Eu vou te dar só um número, Nonato, para você fazer uma aferição: em 2008, com a crise do Lehman Brothers, quando quebrou aquele banco americano, o barril do petróleo chegou a 147 dólares, mais do que hoje. Entretanto, a nossa gasolina naquele tempo era R$ 2,60. Por quê? Porque o preço não estava atrelado aos preços internacionais. Quando eles fatiaram e venderam a BR, eles diziam para a opinião pública que, na hora que tivesse mais empresas vendendo gasolina, ia ter mais concorrência e o preço ia ficar barato.
Hoje, nós temos 392 empresas importando gasolina dos Estados Unidos e vendendo aqui a preço internacional. E isso não é possível. É preciso que a gente venha abrasileirar o nosso preço, nós somos autossuficientes, a gente estava fazendo uma refinaria no Ceará eles pararam, a gente está fazendo uma refinaria no Maranhão eles pararam. Então, começar a controlar a inflação nesse país passa por o governo começar a ter responsabilidade nos preços daquilo que ele administra: energia, petróleo e, sobretudo, os preços dos alimentos nesse país.
Nonato Albuquerque: Agora, a inflação o senhor falou que não está diretamente ligado ao consumo, mas tudo dispara, tem um efeito dominó, vem de roldão, o combustível sobe e tudo mais sobe e diminui o dinheiro no bolso do trabalhador.
Luiz Inácio Lula da Silva: Veja, é que, quando você tem a sociedade consumindo demais, aí você então tem uma inflação causada pelo excesso de consumo da sociedade. Como hoje as coisas estão caras e o povo não está consumindo o tanto que já consumiu, ele está comendo menos, ele está comprando menos porque os preços estão muito caros
Aí em Fortaleza, por exemplo, um mamão de 2021 que custava R$ 0,98, teve um aumento de 817% em um ano. Se você pegar a cenoura, teve um aumento de 334% no ano. Se você pegar a cebola, teve um aumento de 209% ao ano. Então, os preços estão muito caros. É por isso que de vez em quando eu termino todas as minhas falas falando que nós precisamos voltar a comer um churrasquinho, comer uma picanha e tomar uma cervejinha, é porque isso está fugindo ao controle da nossa sociedade, que gosta disso.
Então, para reduzir a inflação, é preciso que o governo comece a tomar atitude com relação aos preços administrados pelo governo. Ele precisa ter responsabilidade com o preço da gasolina, do óleo diesel, do gás de cozinha e de energia elétrica que hoje está muito caro. E é da responsabilidade do governo. Ele então que trate de baixar esses preços para que o povo possa saber que quando baixar a gasolina, baixar o óleo diesel, vai poder baixar o preço da comida.
Nós estamos vivendo numa situação no Brasil, Nonato, a gente tinha no nosso tempo a Conab, que funcionava como uma espécie de estoque regulador. Você guardava lá feijão, você guardava milho, quando o preço começava a subir você começava a liberar para ajudar a reduzir o preço. A Conab praticamente acabou, não tem mais estoque regulador. Então, o governo agiu com muita irresponsabilidade, inclusive no controle da inflação.
Então, o povo não tem o dinheiro para comprar, o povo não pode consumir, você sabe que o povo não está podendo comprar carne, o povo não está podendo comprar a nossa querida macaxeira, porque subiu demais. Então, é preciso que a gente volte a recuperar o poder aquisitivo do povo brasileiro. Vou te dar um dado, Nonato, muito sério, no tempo que eu era presidente, todas as categorias organizadas de trabalhadores no Brasil, 90% delas faziam acordo acima da inflação. Este ano só 7% das categorias fizeram acordo igual ou acima da inflação, o restante é abaixo.
Então, caiu o poder aquisitivo da sociedade, o salário mínimo não tem mais os aumentos anuais que tinha no nosso governo. Caiu o poder de compra do povo e aumentou os alimentos.
Nonato Albuquerque: Deixa eu colocar na roda dessa conversa aqui a nossa Carla Moura, que está louca para fazer uma pergunta.
Carla Moura: Muito bom dia ex-presidente, Carla aqui. O senhor usou um termo quando falava de economia, de abrasileirar. Seria, por exemplo, mudar a política de preços da Petrobras, que a gente sabe que tem sido reclamação constante e revoltado e muito a população como um todo. Daria para aplicar essa medida? Como fazer essa mudança?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, Carla, eu vou só repetir o seguinte, o preço poderia ser em dólar, se o Brasil não fosse autossuficiente em petróleo. O Brasil é autossuficiente. O que aconteceu com a irresponsabilidade administrativa na Petrobras? A última refinaria feita foi a refinaria feita por nós. Nós fizemos uma de querosene chamada Clara Camarão, em Natal, no Rio Grande do Norte, e nós fizemos a refinaria de Pernambuco que demorou quatro anos, atrasou quatro anos para ser entregue. Nós estávamos fazendo no Rio de Janeiro o Comperj, que era uma grande refinaria para refinar até 200 barris de petróleo, eles pararam e agora vão fazer outra coisa na refinaria do Comperj. E a do Ceará parou e a do Maranhão parou.
Então, hoje nós não temos capacidade de refino. Você não tem capacidade de refino, você está importando, quando você importa você paga em dólar, então você tem que vender em dólar, então não tem sentido. Não tem sentido a gasolina estar R$ 7,50 em Fortaleza, não tem sentido o óleo diesel estar R$ 6,80 em Fortaleza, poderia estar menos. É só a gente se dotar de capacidade de refino daquele produto que nós temos de forma suficiente no Brasil. Então, nós precisamos fazer as refinarias.
Eles, ao invés de fazer, estão vendendo as refinarias, e quem comprou a refinaria não vai baratear preço. Quem comprou a refinaria vai querer tirar o dinheiro que investiu no preço do combustível. Então, é uma ação de responsabilidade. E você vai reduzir isso tendo responsabilidade, tendo orgulho de dizer. O petróleo é prospectado a preço de real, a plataforma ela pode ser feita em real, a sonda pode ser feita em real, os trabalhadores ganham salário em real, então não tem porque os preços serem dolarizadas. É só isso.
Carla Moura: Ex-presidente, fazer refinaria seria um plano mas a longo prazo, não é? De forma emergencial o que daria para adotar?
Nonato Albuquerque: Qual seria a solução?
Luiz Inácio Lula da Silva: Veja, a longo prazo, porque a irresponsabilidade deles paralisou as refinarias. Porque se tivesse continuado a refinaria do Ceará, ela já estaria pronta, se tivesse continuado a refinaria do Maranhão, já estaria pronta. Uma refinaria demora de cinco a sete anos para fazer. Eu não sei se tem alguém que pode fazer mais rápido. Mas o dado concreto é que, se a gente não começar a fazer agora, vai demorar mais.
E o Brasil, que era um país com propensão a exportar derivado de petróleo, o Brasil está exportando óleo cru, quando, na verdade, a gente poderia estar exportando derivado a um preço muito maior, e o Brasil ganhando muito mais. Agora, o que eles estão falando? Outro dia eu vi o ministro Guedes dar uma declaração de que o petróleo vai deixar de ser um combustível estratégico, que é melhor vender logo tudo, que é melhor explorar logo o pré-sal porque logo, logo o petróleo não vai valer nada. De que mundo esse cara está falando? Por acaso ele está pensando em morar em outro planeta? Não.
No mundo que nós vivemos o petróleo ainda é um combustível necessário, porque faz parte da matriz energética, e porque é barata a prospecção. Eu não sei, Carla, se você está lembrada quando nós descobrimos o pré-sal. Os inimigos do pré-sal diziam todo dia que a gente não ia ter como explorar o pré-sal porque era caro. Hoje, o pré-sal é alçado de 6 mil metros de profundidade a quase o mesmo preço do petróleo da Arábia Saudita, que está quase à luz do sol, numa demonstração de que a Petrobras é uma empresa que, do ponto de vista tecnológico, ela tem competência, e provou que tem competência.
Mas eles estão tentando destruir, vender a preços caros. Só para você ter ideia, tem um lucro de 106 bilhões para distribuir grande parte desse lucro com os acionistas minoritários, sobretudo, de Nova York, e quando parte desse dinheiro deveria ser utilizado para revestimento na maior capacidade de produção, na maior capacidade de refino para que o Brasil pudesse ganhar muito mais.
Nonato Albuquerque: Tem mais, tem ouvinte querendo saber, emergencialmente, logo, o que se poderia fazer para evitar essa loucura dos preços do petróleo aqui no Brasil?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, emergencialmente, eu não gosto de trabalhar com essa palavra emergencial porque emergencial significa que você pode vender a ideia que você ganha as eleições hoje e amanhã já resolve. Não. É um processo. Nós temos que dotar o Brasil de maior capacidade de produção.
Você sabe que aí no Ceará a área que planta mandioca caiu, a área que está plantando determinado alimento caiu, porque as pessoas estão sem receber o crédito necessário, o PRONAF já não é mais o mesmo. Então, o que nós precisamos é uma política de incentivar a chamada agricultura familiar, o pequeno e médio produtor rural brasileiro, que vai de 0 a 100 hectares, que é quase 90% dos nossos proprietários agrícolas, incentivar essa gente a plantar e dar uma garantia de preço mínimo para essa pessoa ter certeza que não vai perder aquilo que ele plantou.
Quando a gente tiver produção suficiente, produção em excesso, a gente vai baratear o preço e a gente vai garantir que o produtor continue ganhando. Porque produtor, o governo tem que dar na verdade certeza para as pessoas. O governo precisa dar incentivo para as pessoas. Por que a área de feijão diminuiu no Brasil? Porque a área de mandioca diminuiu no Brasil? Olha, porque esses são produtos que se exporta menos, o que está aumentando é a área de exportação, e nós precisamos aumentar a área de consumo, para que a gente possa ter a certeza de que não vai faltar alimento.
Sabe de uma coisa Carla, Nonato, uma coisa grave, o Brasil é o primeiro produtor de proteína animal do planeta terra. E no entanto você está vendo na televisão as pessoas tentando invadir caminhão de carcaça de frango, você está vendo as pessoas no açougue comendo osso, ou melhor, comprando osso para fazer um caldo para temperar a comida, quando na verdade não tem explicação, um país que é o primeiro produtor de proteína animal as pessoas estarem comendo osso.
Ao mesmo tempo, nós temos que cuidar da chamada sociedade que não come carne, as pessoas que são vegetarianas, as pessoas que gostam de comer salada, as pessoas que gostam de comer legumes, nós precisamos então incentivar a chamada agricultura saudável, aquela orgânica, aquela que não tem veneno, aquela que as pessoas podem comprar de forma tranquila porque vai comer uma comida saudável. E que é um mercado que está crescendo no Brasil e quem pode fazer isso são pequenos e médios produtores.
Então, é preciso mudar a nossa cultura, ou seja, nós temos que incentivar. O povo gosta de comer comida saudável, o povo gosta de comer verdura limpa, sem veneno, nós temos, então, que incentivar a sociedade que planta a plantar para que a sociedade que coma possa comprar.
Nonato Albuquerque: Lula, todas essas mudanças, certamente, poderão ser levadas a efeito com a ajuda também das forças políticas que integram o Congresso Nacional. O senhor declarou recentemente que o atual Congresso é um dos piores da história do Brasil. Agora a pergunta: uma eleição vai ser suficiente para mudar? Como é que pode trabalhar com esse modelo de Congresso que o senhor critica?
Luiz Inácio Lula da Silva: Nonato, eu não critico apenas, o que eu estou é reconhecendo. O que eu tenho dito? O doutor Ulysses Guimarães era presidente de um partido que tinha a presidência da República, tinha 23 governadores de estado e tinha 306 constituintes, ao mesmo tempo ele era presidente da Câmara e presidente da Constituinte. O que eu digo é que o Ulysses Guimarães não tinha 10% do poder que tem hoje o presidente da Câmara.
Por que o presidente da Câmara tem poder? Porque o presidente é fraco, o presidente não governa, o presidente não tem interação, ele entregou o Congresso Nacional para o Lira e para os seus aliados. Então, o presidente da República não cuida nem do orçamento da União, ele permitiu a criação de uma coisa chamada Orçamento Secreto. Esse Orçamento Secreto estabelece uma relação direta entre deputados e prefeitos, sem passar pelo governo e sem passar pelos governadores.
E por que é secreto, Nonato? A minha pergunta é essa, porque esse orçamento é secreto? Por que nós que criamos a Lei da Transparência, o Congresso Nacional, que deveria obedecer à lei que ele criou, que é a Lei da Transparência, não mostra para quem vai essas Emendas, quem são os beneficiados, quem é que recebe investimento? Por que é secreto? Então, o doutor Ulysses Guimarães dizia: toda vez que a gente fala em mudança, o Congresso vem pior.
E eu posso te dizer que esse Congresso é o mais conservador Congresso que eu conheço desde que eu faço política. E por isso que, durante a campanha deste ano, eu vou fazer muito discurso e muita propaganda pedindo para o povo votar em deputados e votar em senadores, para ver se a gente tem possibilidade de mudar a correlação de forças dentro do Congresso Nacional, Porque, se você não mudar a correlação de força, você não vai poder fazer as medidas necessárias que você precisa fazer para consertar o Brasil.
Nonato Albuquerque: O senhor falou ontem, se não me falha a memória, que os sindicatos deveriam mapear o endereço de cada deputado para incomodar a tranquilidade dos parlamentares e de suas famílias. A fala gerou críticas e até ameaças mesmo, por parte de parlamentares bolsonaristas que falaram em legítima defesa. O senhor mantém o conselho aos sindicalistas?
Luiz Inácio Lula da Silva: Nonato, eu acho que é muito engraçado as pessoas tratarem uma sugestão que eu fazia quando era dirigente sindical, como se fosse uma anormalidade. Eu fui presidente da República oito anos, Nonato, muitas vezes eu cheguei no Palácio da Alvorada de madrugada e tinha gente, tinha gente esperando para reivindicar alguma coisa. Eu parava para conversar. No meu apartamento em São Bernardo do Campo, todo final de semana que eu vinha, tinha gente na porta do prédio. Eu parava para conversar para saber o que era. O que eu disse?
Eu disse uma coisa simples, se você ler a íntegra, eu disse: olha, ao invés de gastar fortuna indo para Brasília fazer protesto, que quando a gente está dentro do Congresso Nacional a gente não vê o protesto, todo deputado mora numa cidade, todo senador mora numa cidade, então, não custa nada o povo que está reivindicando, eu quis dizer a palavra ir na porta dele conversar de forma civilizada, debater um tema que vocês querem que seja discutido para que vocês possam ser ouvidos por deputados.
Ao invés de um deputado me agradecer, esse deputado, que durante as eleições fala que adora o povo, anda de carro aberto abanando a mão para o povo, esse pessoal que gosta até de chegar na campanha tomar uma cachacinha no bar com o povo… Ora, por que, depois de eleito, o povo passa a ser estorvo? Não. Não custa nada, o cidadão vai lá, bate palma, o deputado sai de forma civilizada, atende os eleitores, pergunta o que eles querem, eles vão dizer que não querem que aprove determinada lei e o deputado diz se vai votar ou não.
Qual é o mal nisso? Ou será que o deputado quer morar escondido? Deputado não quer que as pessoas saibam onde ele mora? Então, eu falei uma coisa tão normal, eu ainda utilizei a palavra conversar de forma civilizada, não xingar.
Nonato Albuquerque: Mas isso pode gerar um radicalismo ainda maior, não? Não agrava o radicalismo?
Luiz Inácio Lula da Silva: Como uma coisa normal. Lamentavelmente, me parece que tem deputado que não quer conversar com o povo, só na época das eleições.
Carla Moura: Ainda sobre declarações, a mais recente, que tem gerado aí muita polêmica, principalmente nas redes sociais, que a gente não pode descartar, foi sobre a questão do aborto seguro, que o senhor chamou de aborto seguro. Poderia explicar aqui para quem nos acompanha?
Luiz Inácio Lula da Silva: Carla, você sabe qual é a vantagem de eu ter disputado muitas eleições, 82, 89, 94, 98, 2002, 2006? É que essa pergunta já chegou para mim mil vezes.
Carla Moura: Imagino.
Luiz Inácio Lula da Silva: A única coisa que eu deixei de falar, na fala que eu disse, é que eu sou contra o aborto. Eu tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta, eu sou contra o aborto. O que eu disse é o seguinte: é que é preciso transformar essa questão do aborto numa questão de saúde pública. Ou seja, que as pessoas pobres que foram vítimas de um aborto, elas têm que ter condições de se tratar na rede pública de saúde. É só isso. Qual é o crime?
Mesmo eu sendo contra o aborto, ele existe. E ele existe de forma diferenciada. Como ele se dá numa pessoa que tem um poder aquisitivo bom, essa pessoa aquisitiva procura uma clínica boa, quem sabe viaja até para o exterior e vai cuidar de se tratar. E a pessoa pobre? E a pessoa pobre que não tem onde se tratar, como é que ela faz? Eu até citei o exemplo de uma mulher que eu conheci que ela tentou fazer um aborto colocando, tentando perfurar o útero com agulha de tricô. Até citei esse caso.
O que eu acho é que o aborto deve ser tratado como se fosse uma questão de saúde pública. O Estado tem que dar atenção a essas pessoas pobres que, por N razões, abortam, e que, eu não quero saber porque ela está abortando, mas elas as vezes aborta. E o Estado tem que cuidar, não pode abandonar. E eu não sei, eu não sei qual é o mal entendimento que as pessoas têm disso, sinceramente, eu não sei.
É apenas uma questão de bom senso. Ele existe, por mais que a lei proíba, por mais que a religião não goste, ele existe. E muitas mulheres são vítimas disso no Ceará, são vítimas disso em Pernambuco, são vítimas disso em São Paulo. Olha, então, na medida em que a pessoa esteja no processo de aborto, essa pessoa tem que receber do Estado, com muita dignidade, um atendimento. Foi isso que eu falei.
Carla Moura: Políticas educacionais também não seriam um caminho?
Luiz Inácio Lula da Silva: Ele precisa ser transformado numa questão de saúde pública para que os pobres não fiquem ilhados e que mulheres não morram por falta de atendimento. É só isso.
Nonato Albuquerque: Lula, a presidente nacional do PT, a deputada Gleisi Hoffmann, jantou segunda-feira em São Paulo com um grupo de cerca de 20 grandes empresários, de executivos de instituições do mercado financeiro. A presidente apresentou as posições suas sobre temas como teto de gastos, Petrobras, Eletrobras, papel do Estado, programas sociais. Qual foi a reação que ela ouviu dos empresários e passou para você?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, eu não conversei com a Gleisi ainda. No PT as pessoas têm liberdade de conversar e não precisam pedir para mim para conversar. Os empresários sabem o que o PT fez, os empresários sabem. Qualquer empresário nesse país de boa índole sabe que, nunca antes na história do Brasil, os empresários foram tratados com a dignidade, com a decência e com o respeito que eu tratei os empresários.
Eu fui o único presidente na história do Brasil que criou um Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Eram 90 empresários, junto com sindicalistas, que participavam para ajudar o governo a elaborar políticas nesse país. Muitas das ideias que nós colocamos em prática foram discutidas nesse Conselho. Então, o que nós podemos dizer para as pessoas? Nós temos que dizer para as pessoas que nós vamos fazer esse país voltar a crescer.
A gente quer dizer para essas pessoas que a gente vai voltar a fazer política de distribuição de renda. A gente tem que dizer para as pessoas que o Brasil vai reconquistar a sua credibilidade internacional para que a gente receba investimento direto nesse país. A gente vai dizer para as pessoas que a gente vai batalhar para controlar a inflação. A gente vai dizer para as pessoas que a nossa prioridade é acabar com a fome nesse país, é acabar com o desemprego.
É importante lembrar que, quando o PT, em 2014, ganhou as eleições, nós tínhamos no Brasil 4.3% de desemprego, era um desemprego padrão Suécia, padrão Dinamarca, era quase que emprego total no país. É isso que nós queremos fazer, e é por isso que nós vamos voltar. E para voltar e fazer isso, Nonato, eu quero dizer com todas as palavras, para que os bolsonaristas mentirosos do fake news publiquem à vontade: nós, o nosso referencial é atender ao povo pobre.
Esse povo tem que voltar a trabalhar, esse povo tem que voltar a comer, esse povo vai ter que, efetivamente, ser tratado na esfera da Saúde com dignidade porque é preciso a gente colocar o pobre a participar da renda desse país. O Nordeste brasileiro viveu comigo um período em que muitos estados do Nordeste cresciam padrão China.
Quando nós levamos a siderúrgica para o Porto de Pecém não foi uma tarefa fácil, o Lúcio Alcântara era o governador e estava comigo na Coreia quando a gente trouxe. Quando a gente fez o Terminal de Regaseificação, que agora acabou, mas nós fizemos. Quando nós fizemos a transposição do Rio São Francisco o que a gente queria? Era levar água e desenvolvimento ao nordeste.
E você sabe que 88% do canal do São Francisco foi feito no governo do PT. É uma pena que nós não fizemos os 100%, o Temer talvez tenha feito 6% ou 7% e o Bolsonaro talvez tenha feito 5%. E o papel de quem está governando é terminar as obras que estão em andamento, porque a gente não pode se transformar num canteiro de obras paralisadas.
Então, é isso que nós temos que conversar com os empresários. E eu quero te dizer que eu sou contra teto de gastos. Eu estou olhando bem para a câmera porque nós estamos falando também para a rede de internet, é que nós somos contra o controle do teto de gastos. Esse negócio de controlar gastos é para controlar o dinheiro de benefício do pobre, é não gastar com benefício para o pobre, é não investir na Saúde, é desmontar a Educação, é não investir em ciência e tecnologia para pagar juros da dívida. Não.
Nós precisamos pagar, primeiro, a dívida que nós temos com o povo pobre, com o povo trabalhador. Nós precisamos garantir ao povo que ele vai poder tomar café de manhã, almoçar e jantar todo santo dia. Nós temos que garantir ao povo que ele vai comer a verdura que ele quiser, que ele vai comer carne, porque é o mínimo que o cidadão tem que ter direito.
Eu queria te perguntar, nós contratamos 126 mil casas no estado do Ceará, entregamos 70 mil, quase 71 mil. Quantas casas estão sendo feitas agora? É fácil da gente discernir, para a gente perceber que quase todos os programas de desenvolvimento que nós criamos no Brasil, que estava fazendo esse povo ser feliz, que estava fazendo esse povo sorrir, que estava fazendo esse povo comprar moto, comprar carro novo, acabou. Acabou.
Agora você tem um presidente que fica fazendo fake news, contando sete mentiras por dia e até dizendo que foi ele que fez a transposição do São Francisco. Sabe? Como se o povo pudesse acreditar em mentiras a vida inteira.
Nonato Albuquerque: Lula, vamos colocar de novo aqui a questão de palanque eleitoral. A nível estadual, como o candidato vai conciliar o palanque em estado como aqui, o Ceará, onde o apoio à candidatura do PDT ao governo vai de encontro com o seu maior crítico que é o candidato Ciro Gomes?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, quem está me ajudando no Ceará é o povo do Ceará. É só você ver as pesquisas no Ceará que você vai ver quem é o povo que está ajudando. Eu, aliás, eu queria aproveitar a sua pergunta, Nonato, para dar os parabéns ao governador Camilo, que deixou o governo com quase 80% de aprovação. Quero desejar a companheira Isolda, que assumiu o governo, toda a sorte do mundo, que ela faça o melhor governo que o Ceará já conheceu, que ela suplante tanto o Cid quanto o Camilo, que ela seja melhor que todos eles, porque o Ceará precisa.
E ao mesmo tempo quero cumprimentar os meus companheiros Guimarães, Ayrton, a Luizianne, quero cumprimentar os deputados estaduais o Acrisio Sena, o Elmano Freitas, o Fernando Santana e o Moisés Braz, e quero, sobretudo, dar os parabéns ao povo do Ceará pelo carinho, pelo respeito e pela relação que tem comigo.
Poucas vezes eu sou tratado no país como eu sou tratado pelo povo do Ceará. É uma gratidão reciproca, sabe, que nós temos com o povo do Ceará. Eu não esqueço nunca um comício que eu fui aí na campanha de Elmano, que eu fui recebido por uma multidão na praça gritando: o papai chegou, o papai chegou. Somente quem tem coração é que sabe o que é ouvir uma multidão cantar isso. Então, eu tenho uma dívida de gratidão com o Ceará.
Eu lamento nunca ter podido entrar numa praia no Ceará, porque você sabe que o pessoal do PT só me convida para comício, só me convida para debate, ou seja, ninguém me convida para passar uma semana na praia. Agora que eu estou com as pernas bonitas, que eu estou com a coxa bem forte, ou seja, ninguém me convida para ir na Praia do Futuro, na Praia de Iracema, e em outras praias bonitas que tem por aí que eu só vejo falar.
Nonato Albuquerque: Está se preparando inclusive para o casório, não é isso? Está se preparando para se casar com a socióloga Rosângela da Silva. Já casados de papel passado vai começar a partir de maio agora não é isso?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, deixa eu te contar uma coisa, eu vou casar numa demonstração da minha crença no futuro do Brasil. Eu sou um cara que eu brinco todo dia que é o seguinte, o homem, o ser humano que vai viver 120 anos já nasceu, segundo os cientistas, eu fico sempre na expectativa de quem sabe seja eu. Então, como eu acho que eu vou viver muito tempo, eu vou casar, vou casar agora no mês de maio para dizer ao povo brasileiro: eu confio tanto no Brasil que, aos 76 anos de idade, vou casar porque amo a pessoa com quem vou casar e porque amo o meu país, e sobretudo, que eu amo esse povo, porque esse povo é responsável por tudo o que aconteceu na minha vida.
Nonato Albuquerque: Estamos chegando ao final, temos uma última pergunta da Carla. Vai Carla.
Carla Moura Exatamente. A expectativa aí é em relação aos debates, ex-presidente, para enfrentar Bolsonaro num debate aí. Acha que esse ano tem?
Luiz Inácio Lula da Silva: Olha, eu, sinceramente, eu não vejo em fazer debate, eu não sei se ele vai. Eu não sei se ele vai inventar alguma coisa outra vez. O debate é bom porque ele não vai poder mentir no debate. Ele vai ter que se preparar, vai ter que ter números para provar as coisas que ele fala, porque ele é daquele tipo que não tem responsabilidade com o que fala. Ele conta uma mentira hoje, ele desmente amanhã. Ele conta uma amanhã, ele desmente depois de amanhã. Ou seja, num debate, eu espero que ele seja pelo menos sincero com o povo brasileiro.
Quando a gente estiver num debate, Carla, a gente vai estar conversando com a família que está sentada no sofá. A gente não está fazendo um discurso. Então, é importante que a gente respeite as pessoas que vão nos ouvir. Eu sinto que nessa campanha o Bolsonaro vai fazer o jogo mais rasteiro do que na campanha de 2018.
Sinto que ele vai fazer um jogo mais rasteiro, a indústria do fake news vai funcionar se a gente não tiver a capacidade de inibi-la com decisão do Tribunal Eleitoral. Hoje a imprensa conta que ele está contando sete mentiras por dia, na campanha ele deve dobrar essas mentiras. Quem sabe multiplicar por cinco, porque é ele e os filhos dele. Então, eu espero que a campanha seja a oportunidade de frente a frente num debate na televisão, que a verdade venha à tona nesse país para cada um dizer exatamente o que fez e o que vai fazer.
Nonato Albuquerque: Presidente, o tempo acabou, nós temos…
Luiz Inácio Lula da Silva: Para dizer o que a gente vai fazer. Então eu espero que os debates sejam os mais civilizados possível, os mais verdadeiros possível para que a sociedade brasileira não se engane em 2022 como se enganou em 2018.
Nonato Albuquerque: Nós temos um tempo cronometrado já com outros candidatos que passaram por aqui, Sérgio Moro, a Tebet, Simone Tebet, e a gente agradece a sua participação aqui na Jangadeiro BandNews, oportunizando conhecer o seu pensamento em relação ao pleito. Grande abraço, muito obrigado.
Luiz Inácio Lula da Silva: Nonato, foi um prazer participar do debate da Rádio Jangadeiro, da Band FM, e quero Carla agradecer a você também, agradecer ao Nonato, e dizer que estou à inteira disposição. Eu espero que, na próxima viagem que eu for ao Ceará, espero poder conhecer vocês pessoalmente. Um abraço e até outra oportunidade.
Nonato Albuquerque: Boa tarde. Nós estamos aí com a terceira entrevista da série agendada pela Jangadeiro BandNews, pelo Jornal o Jangadeiro, no sentido de ouvir todos os candidatos. Agora são 9:50.
Carla Moura: Só reforçar aqui Nonato que quem chegou no finalzinho, está nos ouvindo aí pelo rádio, perdeu o começo da entrevista, ela fica toda salva lá no nosso canal do YouTube, Facebook, no Twitter também nós estamos ao vivo, mas você pode ver e rever essa entrevista também, e os melhores momentos você vai conferir nas redes sociais do Jornal Jangadeiro, é o Instagram @jornaljangadeiro.
Nonato Albuquerque: Ok.