No dia 10 de fevereiro deste ano, o Partido dos Trabalhadores comemorou seu aniversário de 35 anos em Belo Horizonte. No encontro, falaram a presidenta Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente do Uruguai, José Pepe Mujica.
No vídeo, a fala de Mujica começa em 1h09min08seg.
Leia abaixo a transcrição do discurso na íntegra, traduzido ao português pelo Instituto Lula:
Companheiros… Companheiros, vou falar devagarinho, para que consigam entender. Eu trago um abraço da Central dos Trabalhadores do Uruguai, dos meus companheiros da Frente Ampla. Mas, mais que isso, trago dois abraços: de todos os pobres da América Latina e de todos os negligenciados deste rico continente injusto. E trago um abraço dos velhos lutadores da década de 50, de 60, que já se foram, e alguns que temos como relíquias.
Nunca pensamos, no meio de tanta derrota, que, na história da América, íamos nos deparar com a mudança que nós vivemos. Vocês, companheiros do PT, estejam conscientes… Pelo que o Brasil… Da responsabilidade que tem o rumo do Brasil para o rumo da América, da nossa América do Sul, de nossos povos. Tenham consciência… Eu dizia, há um momento, a Lula, que estou velho, à beira dos 80 anos, e que, entretanto, não pude encontrar a Deus… Mas cada dia que passa, vivo cada vez mais, as classes sociais em sua luta. E quando se luta pela igualdade, quando se luta para que os pobres deixem sua condição, e quando se luta para se repartir os bens da sociedade, inevitavelmente, se podem afetar interesses poderosos que resistem. Há duas forças: o egoísmo (que também às vezes é um motor de progresso), buscando a ganância; mas há um dever humano: a solidariedade.
O que pensamos na Esquerda, pensamos com o coração e não podemos deixar, jamais, de pensar na solidariedade. Por isso… Por isso, companheiros, esta é uma luta muito dura, muito difícil, sempre foi… Tem momentos de esplendor e de vitória, tem momentos de derrota e tem momentos de recomeçar. Os únicos derrotados são os que deixam de lutar, os que se acomodam. Mas quando colhem vitórias, não se esquecem jamais da humildade. Os militantes, a alma do partido, não deixem enganar a alma pelos usos e abusos da sociedade de consumo. Aprendam a viver com bagagem leve, aprendam a viver com pouco compromisso material. Aprendam a viver semeando a alma do povo.
Já não é suficiente lutar por uma reivindicação econômica. Deve-se lutar contra a violência. Deve-se lutar para que os homens não batam nas mulheres. Deve-se lutar para que as crianças estudem. Deve-se lutar para repartir o pouco que temos. Deve-se lutar… Deve-se lutar para ser dignos, para ser direitos. Deve-se lutar para ter partidos sadios, porque somente os partidos podem conduzir longo processo de uma libertação que não se consegue de um dia para o outro, nem com 20, nem com 30 anos. Porque no fundo, não se deve apenas mudar a economia, queridos companheiros do PT, deve-se mudar o mais difícil: a cultura. A cultura dos trabalhadores, todavia, não está 100% completa, porque os trabalhadores têm que consumir a cultura dos seus dominadores. Todavia, leva tempo a mudança cultural.
Por isso, cuidem do partido, cuidem da alma do partido com compromisso, mas não se sintam nunca patrões do Brasil. São a alma do Brasil. São a alma. E saibam que, humildemente, os povos indígenas da Cordilheira… Os velhos são metidos, os descendentes de escravos… Os descendentes de nossos gaúchos… Os conterrâneos do pampa argentino… Os patagônios… Enfim, os habitantes da Cordilheira… A gente da América Central, os cultivadores de milharais, todos precisam de um abraço. Pertencemos a uma única nação, não construída, que fala dois idiomas e tem um único coração. Temos que nos integrar, nem que isso demore 50 anos, talvez um século, companheiros. O mundo está se juntando. A Amazônia deve ser para os povos e não para as empresas capitalistas.
Mas será difícil, será difícil e longo. Não há nenhum triunfo de tamanho que mude a história da humanidade: simples. Por isso, cuidem do partido, porque se irá esta geração de militantes e terá sucesso, não só pelo que fez: por ter sido capaz de deixar outra geração melhor e maior e mais forte que esta. Adeus, companheiros, um abraço de todos para todos vocês, para o Brasil, por nossa América Latina, por todos os que sonham com um mundo melhor, que não é só possível, mas imprescindível e necessário.
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