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Lula fala para Itália sobre combate à fome no mundo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou neste sábado (7), por videoconferência, de um evento preparatório para a Expo 2015, em Milão, sobre combate à fome no mundo. O evento na cidade italiana contou com a presença do primeiro-ministro do país, Matteo Renzi, e do Papa Francisco, que enviou uma mensagem em vídeo .

O tema do evento que ocorrerá entre maio e outubro é justamente a alimentação. E a mensagem de Lula para o fórum foi de que “o exemplo do Brasil prova que é possível acabar com a fome no mundo.”

Lula falou por cerca de 10 minutos sobre como a fome não é um fenômeno causado pela falta de alimentos, mas pela falta de recursos.  Explicou o histórico do combate à fome no seu governo, da criação do Fome Zero e do Bolsa Família, nascidos da decisão política de fazer o enfrentamento à fome e à pobreza uma prioridade política.

O ex-presidente explicou o funcionamento do programa, com um cadastro feito em parceria com as prefeituras e fiscalizado pela sociedade, com o dinheiro dado diretamente às mães. E como essa iniciativa, combinada a outras como o aumento do salário mínimo, o apoio à agricultura familiar com a ampliação do crédito aos produtores de alimento, e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar para a merenda escolar, ajudaram a promover, ao mesmo tempo, inclusão social e crescimento econômico. Em 2014, o Brasil foi tirado do mapa da fome das Nações Unidas.

No fim de sua fala, Lula defendeu que os países do mundo unam esforços para promover a inclusão da população mais pobre em todo mundo, incluindo o combate à pobreza como política de estado nos orçamentos nacionais e aumentando a cooperação internacional, especialmente com a África, para atingir a meta estabelecida pela União Africana de erradicar a fome no continente até 2025 (saiba mais sobre essa decisão dos países africanos) , e a participação do Instituto Lula nessa meta.

Leia abaixo a transcrição da fala completa de Lula:

Querido ministro da Agricultura, Martina; querido primeiro-ministro, Matteo Renzi; queridos companheiros e companheiras italianos que participam dessa importante reunião preparatória da Expo 2015:

Eu fico muito feliz de saber que, num país tão desenvolvido como a Itália, que vai realizar uma exposição tão importante para o mundo inteiro, faça, na sua reunião preparatória, uma discussão sobre o tema da fome. Não é todas as pessoas que querem discutir a questão da fome. São pouca gente que querem discutir, porque, na verdade, as pessoas pobres, os miseráveis não participam de sindicatos, não participam de partidos. Muitas vezes não têm nem condições de se movimentar para fazer manifestação contra os governantes, para reivindicar melhorias. Isto fica por conta da sociedade organizada. E os miseráveis e os famintos muitas vezes não têm nem condições.

Quando eu assumi a Presidência da República, no Brasil, eu tinha dito, durante a minha vida inteira, que era possível acabar com a fome no Brasil. E dizia claramente que só era possível acabar com a fome se a gente tivesse um governante que tivesse passado fome, uma pessoa que soubesse o que era você levantar de manhã sem ter um café pra tomar e não almoçar e não jantar. E, quando eu tomei posse, me perguntaram qual era o legado que eu queria deixar quando deixasse a Presidência. E eu respondi que, se ao terminar o meu mandato, cada brasileiro tivesse tomando café da manhã, almoçando e jantando eu já teria realizado a obra da minha vida.

Então criamos o Programa Fome Zero. O Programa Fome Zero é um conjunto, é como se fosse um guarda-chuva que acopla uma série de políticas públicas, inclusive o Bolsa Família. E, para criar o Programa Fome Zero, nós fomos muito atacados, porque diziam que nós estávamos criando um monte de gente que não queria trabalhar, que iam ficar preguiçosos, que nós queríamos dar dinheiro pras pessoas ficarem em casa sem trabalhar. Havia muito preconceito, mas muito preconceito contra o Programa Fome Zero.

Nós anunciamos o Programa e eu às vezes tinha dúvidas se ele iria dar certo ou não. Nós tínhamos descoberto também que o problema da fome não é falta de alimento. O mundo produz mais alimentos do que os seres humanos precisam pra comer. Acontece que tem uma parte da humanidade que não tem dinheiro pra comprar. E quem sofre com isso, muitas vezes, são os inocentes, são as crianças que não têm o alimento, não têm o leite, não têm o pão de cada dia que todo mundo precisa.

Para fazer o Programa Fome Zero e o Programa Bolsa Família, nós tomamos uma decisão muito importante, que era fazer um cadastramento muito sério. Era preciso garantir que o dinheiro chegasse na mão das pessoas necessitadas. Mais ainda: que o dinheiro chegasse nas mãos das mães, porque a gente entendia que as mães teriam mais responsabilidade de cuidar dos filhos do que os pais. E por isso a gente fez questão de que o dinheiro fosse entregue à mãe. Ou seja, as pessoas recebem o dinheiro com cartão magnético na caixa, no banco, e as pessoas não devem favor a ninguém no nosso país.

O que aconteceu de importante é que nós tivemos que construir parcerias com todas as cidades, parcerias com os estados e parceria com a sociedade, para que a gente pudesse fazer um cadastramento e garantir que o benefício chegasse aonde precisaria chegar. Tinha gente que não queria, efetivamente, que a gente distribuísse dinheiro, que a gente fizesse transferência de renda . Tinha gente que queria que a gente distribuísse alimento. E nós entendíamos que, no Brasil, há muito tempo tinha política de distribuição de cesta básica que não dava resultado às pessoas. 

Também nós fomos muitos criticados, porque o Programa Fome Zero, ele exigia condicionantes. Ou seja, para uma pessoa se cadastrar no Bolsa Família e no Programa Fome Zero, ele tinha três obrigações. A primeira obrigação: obrigar e garantir que todos os filhos em idade escolar frequentasse a escola. Segundo: que todas as crianças tomassem todas as vacinas necessárias. Terceiro: que as mulheres grávidas fizessem todos os exames que uma gravidez exige que as mulheres precisam fazer. Ou seja, isto foi um sucesso extraordinário, porque permitiu claramente que as pessoas passassem a ter um pouco mais de responsabilidade para poder receber o dinheiro.

E, além do bolsa Família, nós construímos um conjunto de políticas públicas para permitir que as pessoas tivessem acesso à renda. Eu não esqueço nunca e vou contar pra vocês que nós fomos muito criticados, porque a primeira cidadezinha que nós detectamos que era mais pobre e que foi a primeira a receber o bolsa Família, o primeiro comércio local que surgiu foi um instituto de beleza. Foi uma mulher que abriu um instituto de beleza e… Porque as pessoas passaram a receber um dinheirozinho e toda mulher gosta de ficar mais bonita, de pentear o cabelo e foi uma coisa fantástica. Ou seja, os de sempre criticaram, mas eu fiquei muito feliz, porque é, é, é… normal que uma pessoa humilde tem o direito de pegar uma parte do seu dinheirinho e cuidar da sua própria beleza.

Mas o conjunto de políticas que nós fizemos foi muito interessante porque, além do Bolsa Família, da transferência de renda, nós resolvemos fazer uma grande política de crédito para agricultura familiar, que é responsável por 70% do alimento que se come na mesa do povo brasileiro. Nós tínhamos 2,8 bilhões de reais de crédito, passamos para 28 bilhões de reais hoje. Ou seja, fazendo com que os trabalhadores tivessem acesso aos bancos com juros muito baratos.

Nós fizemos uma política de obrigar que todas as cidades, na distribuição de alimento na escola, comprasse 30% do alimento na agricultura familiar da sua cidade para dinamizar o mercado local. Fizemos a outra coisa muito importante, que foi aumentar, durante todos esses 12 anos, o aumento do salário mínimo, que aumentou 74%, fazendo com que a gente pudesse chegar no final e garantir que o Brasil tivesse tirado 36 milhões de pessoas da miséria absoluta, tivesse gerado quase 22 milhões de empregos, sabe, formais, e que tivéssemos colocado 40 milhões de pessoas na classe média.

Esse foi uma espécie, sabe, de um milagre que me fez aprender uma lição: ou seja, não existe política… ah,, eu diria…ah… de proselitismo pra cuidar da fome. Não é com uma doação que a gente vai acabar com a fome, é preciso transformar o compromisso de acabar com a fome em política pública. O Estado precisa colocar, dentro do orçamento da União, o dinheiro para cuidar da fome, fazendo com que haja desenvolvimento agrícola. Acabar com a história da agricultura de subsistência que existe em muitos lugares do mundo, mas ensinar o pequeno produtor que ele pode ter acesso à tecnologia, a máquinas modernas, a tratores. Que ele pode ganhar dinheiro e melhorar de vida. Essa… essa era… era a grande tarefa nossa.

Quando surgiu a crise, em 2008, a crise de alimentos sobretudo, que começaram a dizer que a China era responsável pelo aumento da soja, ou seja, o alimento começou a ficar caro, nós fizemos um programa de financiamento de tratores e de implementos agrícolas para os pequenos produtores. Foi um pouco o que salvou a indústria de máquinas no nosso país. Ah… e isto permitiu que nós chegássemos, em 2014, no final, tivéssemos a alegria, a alegria imensa de ver que o Brasil é um país que está fora do mapa da fome da ONU. Não tem nada que possa me dar mais prazer e mais alegria de saber que nós conseguimos vencer uma batalha, mas uma batalha que ainda, ainda não está resolvida. Ou seja, nós conseguimos fazer com que o pobre, ele subisse um degrau na escala de ascensão social da vida.

Ou seja, mas é preciso mais. É preciso que a gente continue fazendo política de transferência de renda para os mais pobres. É preciso que a gente socialize essas informações com os países mais pobres da América Latina e da África. É preciso que a gente leve tecnologia pra esses países, que a gente leve financiamento pra esses países, para que a gente possa poder, em 2025, acabar com a fome na África, que foi um compromisso que nós assumimos numa reunião da União Africana.

Eu estou convencido, companheiros italianos, eu estou convencido,  companheiro Martina, companheiro primeiro-ministro Renzi, que o Brasil provou que é possível acabar com a fome no mundo. Basta que os governantes coloquem no orçamento da União, quando tiver discutindo o aumento pro funcionário público, quando tiver discutindo a parte dos militares, a parte do diplomata, a parte não sei das quanta, lembre-se que não tem ninguém reivindicando, porque o pobre não tem sindicato, que nós temos que colocar o pobre no orçamento. Quando a gente colocar o pobre no orçamento e ele virar um consumidor, que ele começar a frequentar supermercado, frequentar shopping, ou seja, a gente vai perceber que o pobre, ele não é problema. Ele é solução. E isso foi o que aconteceu aqui no caso do Brasil. 

Quando nós permitimos que o pobre tivesse acesso ao mínimo de renda, foi o pobre que salvou a economia brasileira. Porque, quando eu cheguei na Presidência, o desemprego estava a 12 e meio por cento. E em 2014 o desemprego estava, em dezembro, a apenas 4.8%. 

Portanto, eu tenho viajado o mundo pra dizer para os governantes dos países mais pobres: o pobre, na hora que tem acesso ao mínimo de renda, ele é o grande salvador dos problemas crônicos dos países. Por isso eu quero agradecer, ministro Martina, a oportunidade de poder falar pra tanta gente importante, pra tanta gente preocupado com o tema da crise no mundo de que, se a gente quiser resolver o problema da crise, nós temos que olhar para as pessoas mais humildes e transformá-los em cidadãos plenos, sabe, tendo acesso a tudo que nós já temos e, sobretudo, tendo acesso à comida.

Muito obrigado!

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