A plataforma mais popular de vídeos do planeta é também, infelizmente, uma espécie de “terra sem lei” para canais que espalham mentiras, ameaças e discurso de ódio impunemente. O próprio YouTube vem tentando mudar isso, porém lentamente. Na prática, o que a gente mais vê é corre-corre de mentiroso para apagar vídeos quando o calo aperta. É o que fez o ex-senador Magno Malta (PL) esta semana. Alvo de queixa-crime apresentada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso, o aliado de Bolsonaro sumiu com 1.136 vídeos de seu canal. Quem deve, teme.
O levantamento foi realizado pela consultoria Novelo Data com base em dados do YouTube, e noticiado no jornal O Globo, e mostra que, como tudo neste imenso esquema de desinformação do qual o país está tentando se livrar, nada é por acaso. Colocar mentiras no ar, espalhá-las bastante e só retirar quando a justiça está chegando não é arrependimento, é método.
Os vídeos que deixaram de ser exibidos representam 77% do conteúdo do canal de Magno Malta, ou seja, o sujeito praticamente só tem mentiras e ameaças para apresentar. Seu alvo predileto é o Supremo e seus ministros, como Alexandre de Moraes, Edson Fachin e o próprio Barroso, a quem o bolsonarista chegou a acusar de “bater em mulher”.
O comportamento de Malta, além de covarde, é revelador de como funciona a rede organizada para disseminar fake news contra o STF e seus integrantes, e que está sob investigação na própria corte.
A tática é conhecida: enquanto estão “animando” sua base, há profusão de vídeos; quando percebem que serão responsabilizados, é um corre-corre para apagar as provas de seus crimes.
Em julho de 2020 foi igual. Quando o STF aprofundou as investigações do inquérito das fake news, canais bolsonaristas retiraram do ar 3.463 vídeos em apenas dois meses, também segundo a Novelo Data. Ali, os canais que mais apagaram conteúdo foram Gigante Patriota e Terça Livre, ao passo que o próprio YouTube retirou do ar o canal Notícia da Hora. Todos reclamaram de censura e perseguição. Novamente, método.
No ano passado foi a vez de outro bolsonarista passar o mesmo recibo. Em setembro de 2021, depois de passar meses disseminando negacionismo e informações falsas sobre a covid, Alexandre Garcia foi finalmente demitido da CNN Brasil, para, algum tempo depois, voltar às telas, agora na Jovem Pan. Como noticiou O Globo à época, Garcia teve 126 vídeos tirados do ar, por ele próprio ou pelo YouTube. Antes, porém, se beneficiou com a desinformação. O bolsonarista liderou uma lista feita pelo Google com os vídeos que mais lucraram com notícias falsas durante a pandemia.
Também naquele ano, só de fevereiro a agosto, mais de 1 milhão de vídeos com desinformação e fake news sobre a Covid-19 foram removidos do YouTube, segundo dados divulgados pela própria rede.
Isso aconteceu por infringirem regras da própria plataforma. É bom lembrarmos que, enquanto empresa privada mulitnacional (portanto não regulada por governo algum), cabe ao próprio YouTube, que pertence à norte-americana Alphabet, assim como o Google, escolher o que fica ou não no ar.
Um vídeo pode sumir do Youtube de muitas maneiras. Pode ser apagado por quem publicou; retirado da listagem pública (ou seja, só ficar acessível para quem tiver o link); classificado como restrito (e portanto, só disponível para os donos do canal) ou apagado pela própria plataforma por violar seus termos de uso — neste caso, um aviso sobre a ocorrência é mostrado no lugar do antigo vídeo.
Fake news é praga no YouTube. Faz estrago rápido e demora para sair do ar. Só sai quando o autor está com medo da lei ou quando é retirada pela própria plataforma. É o que já aconteceu inúmeras vezes com o canal oficial de Bolsonaro. Até abril deste ano, 35 vídeos mentirosos de Bolsonaro tinham sido removidos. A conta deverá aumentar.
O YouTube sabe que, por ser ano eleitoral, haverá uma explosão de conteúdo enganoso para espalhar desinformação, medo e ódio ameaçando o próprio pleito. Por isso, em março deste ano criou uma nova política contra fake news e, desde lá, apagou 45 vídeos de sua plataforma por trazerem desinformação sobre eleições. Os conteúdos foram derrubados sob motivo de “fraude eleitoral” em diversos canais, adivinha?, bolsonaristas.
Pois é. A luta parece inglória mas não é. Quanto mais ameaçado, mais o bolsonarismo vai atacar. O revide às fake news deve acontecer em muitas frentes: na Justiça, nas plataformas, nas redes sociais e, principalmente, no dia a dia. É conversando, conhecendo e expondo os métodos e a tacanhice desses mentirosos que vamos reconstruir o nosso país.
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