O Níger é um país africano que fica na região semi-árida africana conhecida como Sahel e enfrenta uma seca praticamente a cada dois anos. Com chuvas escassas, durantes apenas três meses do ano, solos pobres e uma economia incipiente, o país ocupa o ingrato posto de último do ranking do IDH no mundo e tem 85% dos 16,2 milhões de habitantes vivem com menos de dois dólares por dia.
Entretanto, mesmo diante deste cenário adverso, o país está conseguindo implantar um programa de combate à fome e à desnutrição que hoje é considerado referência no continente africano. Chamado de 3N, ele foi criado dentro das diretrizes do CAADP (Programa Compreensivo para o Desenvolvimento Agrícola na África) e atua para resolver o problema emergencial e criar bases de longo prazo para resolver a questão das crises cíclicas que emergem com a seca.
Sobre a Iniciativa 3N, o Instituto Lula conversou com Mahaman Elhadji Ousmane, Ministro do Desenvolvimento e da Pecuária do Níger, durante o seminário “Novas abordagens unificadas para erradicar a fome na África até 2025″, que foi realizado entre 30 de junho e 1º de julho, na Etiópia.
Desde 2011, o Níger mais que dobrou seu sistema de irrigação e ampliou em 49% sua produção agrícola. Ao melhorar a irrigação, o país conseguiu preservar parte da área plantada e salvar o rebanho bovino da seca do ano passado. O resultado foi que, em 2012, pela primeira vez na história, o país enfrentou uma seca sem entrar numa situação de crise alimentar. Diferentemente de 2010, quando a escassez aguda de água e as ondas de calor que abateram a região do Sahel deixaram nada menos que 7,8 milhões de pessoas correram risco de vida por conta da fome no país.
O Níger está colhendo muito mais resultados para combater a fome e a miséria do que nações africanas com maiores porções de terras aráveis e economias com maior renda per capita.
O país também é um dos cinco no continente africano que está implantando a versão local do Programa de Aquisição de Alimentos, criado no governo Lula. Trata-se da iniciativa governamental de comprar a produção da agricultura familiar e destiná-la à rede pública de ensino, para a merenda escolar, e à população em vulnerabilidade social.
O Instituto Lula publicou uma série de seis vídeos com entrevistas de personalidades que participaram do encontro. A série mostrará entrevistas sobre o combate à fome na África com:
1. Marcio Porto, chefe da Secretaria de Relações Internacionais da Embrapa
2. Tereza Campello, Ministra do Desenvolvimento Social
3. João Bosco Monte, professor da Universidade de Fortaleza
4. Afonso Pedro Canga, Ministro de Agricultura de Angola
5. Tumusiime Rhoda Peace, representante da Comissão da União Africana (AUC) para Economia Rural e Agricultura
6. Mahaman Elhadji Ousmane, Ministro do Desenvolvimento e da Pecuária do Níger
Leia abaixo trechos traduzidos da entrevista:
O senhor poderia falar do processo de criação da iniciativa 3N?
Sabe, o Níger é um país saheliano, da região saheliana da África, entre o Magreb e a África negra. É um país com muitas dificuldades em segurança alimentar. Um em cada dois dois ou três anos sofremos uma crise alimentar. A cada três anos estamos em déficit de cereais e temos uma crise alimentar crônica, recorrente… É um aspecto constante. Mas no fundo, por que isso? Não se pode remediar? O atual presidente, Mahamadou Issoufou, visitou grande parte do Níger durante a sua campanha. E ele se comprometeu e disse ser possível solucionar esse problema, já que o Níger dispõe de água e importante capital animal, além de reservas de águas de superfície. Portanto, é possível solucionar o problema. Por isso, surgiu a ideia da iniciativa.
Em sua eleição, em 2011, ele fundou o que chamou de estratégia de desenvolvimento sustentável para a segurança alimentar, a iniciativa 3N. A estratégia baseou-se em 5 eixos. O primeiro eixo era o crescimento da produção agro-silvo-pastoral. O segundo eixo, também fundamental, era o abastecimento regular dos mercados, ou seja, abastecimento e disponibilidade da produção. O terceiro eixo era a melhoria da moradia das populações. E o quarto eixo era a melhoria do estado nutricional das populações. O quinto, é a coordenação.
O senhor poderia falar um pouco sobre o processo democrático em seu país e como ele ajudou no sucesso da iniciativa 3N?
Obrigado, ia justamente falar sobre isso, pois vocês sabem que o Níger teve eleições democráticas normais de 2000 a 2008-2009. A partir de 2009, houve uma tentativa de reforma, até mesmo de golpe civil, se é que se pode falar assim, e o Níger foi banido pela comunidade internacional em função desse processo antidemocrático, o que levou a um embargo de quase todos os parceiros. Posteriormente, houve um golpe militar sofrido pelo país em 2009. Após esse golpe, os militares chegaram e organizaram eleições democráticas transparentes. Foi a primeira vez, foi muito bem feito, e assim ocorreu a eleição do presidente Issoufou, precursor da iniciativa 3N. Ele foi o iniciador e o fundador dessa iniciativa, tendo sido democraticamente eleito. E ele também obteve real apoio da comunidade internacional. Ocorreram eleições democráticas e transparentes em todos os níveis das instituições, bem como a criação de outras instituições para encontrar a boa governança. Portanto, isso permitiu que o Níger alcançasse uma reputação internacional muito melhor, após momentos muito difíceis. Pela primeira vez, temos um Estado e um ambiente austero. Além dos aspectos climáticos antes citados, no momento em que chegou ao poder, a Líbia já desmoronara e havia problemas na Nigéria e no Mali. Além da insegurança em termos de produtividade ou outras, fez-se presente a insegurança física. Diante de tudo isso, ele soube implantar a iniciativa. Sendo democraticamente eleito, ele usou as regras democráticas e hoje, graças a Deus, isso dá bons resultados. Hoje, a iniciativa é considerada uma iniciativa-piloto, sendo o Níger um país-piloto neste âmbito.
Saiba mais sobre o encontro “Novas abordagens unificadas para erradicar a fome na África até 2025? no hotsite que o Instituto Lula preparou sobre o seminário: africa.institutolula.org
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