“Moro deve desculpas”, diz Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula

Compartilhar:

Confira entrevista do advogado Cristiano Zanin à revista Veja:


Advogado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin Martins foi, ao longo de todo o processo, duramente criticado pela estratégia adotada na defesa de seu cliente. A desaprovação, aliás, não vinha apenas de adversários do petista, mas também de muitos correligionários. Dentro do partido, havia uma tese de que Lula deveria ter assumido um pedaço da culpa pelos desvios na Petrobras, concordado com o uso de uma tornozeleira eletrônica e ficado em prisão domiciliar, em vez de passar 580 dias na prisão. Um ano depois de ver reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal a parcialidade do juiz Sergio Moro, Zanin agora é celebrado nas hostes petistas. Depois das derrotas iniciais, ele contabiliza 24 vitórias na Justiça, uma sequência que permitiu a volta de Lula à cena política na condição de (ao menos, por ora) favorito na disputa pela Presidência. Nesta entrevista a VEJA, concedida em seu escritório nos Jardins, em São Paulo, Zanin fala sobre a campanha presidencial, a atuação da Procuradoria-­Geral da República e, claro, a ação da Lava-Jato. Na visão dele, os procuradores da operação e Moro deveriam pedir desculpas a seu cliente pela “perseguição política” realizada. A seguir, os principais trechos da conversa.

Os processos de Lula foram anulados ou arquivados por questões processuais. Como alguém pode acreditar em sua inocência?

Lula foi absolvido da principal acusação que a Lava-Jato fez a ele, que era a de liderar uma organização criminosa, naquela denúncia do PowerPoint. A Justiça considerou a acusação com viés político, e a sentença é tão forte que o Ministério Público nem recorreu. Em todos os casos em que o ex-presidente foi julgado fora de Curitiba, ele acabou absolvido ou as acusações foram rejeitadas pela ausência de provas.

Mas anulação por questões processuais é suficiente para que ele seja considerado inocente?

Claro. Sem condenação, a presunção de inocência está intacta. Lula teve a sua vida devassada e os acusadores tiveram todas as oportunidades de apresentar provas, inclusive com a ajuda de um juiz parcial, e não obtiveram êxito. Os processos não foram anulados por pequenas questões técnicas, mas por um vício gravíssimo, que era a suspeição do juiz. Moro queria condenar sem processo porque sabia que, dentro das regras do jogo, ele não tinha condições de impor as condenações. Não se conduz um processo na base do jeitinho.

Foram feitas reformas por empreiteiras no tríplex que ele foi visitar, no sítio que ele frequentava…

Nenhuma reforma foi feita a pedido de Lula ou de qualquer pessoa de sua família durante o seu mandato como presidente ou depois dele. No caso do tríplex, a OAS foi condenada a devolver o dinheiro pago, já que não houve interesse no apartamento. No sítio de Atibaia, que não é do Lula, provamos com perícia que aquilo que a Odebrecht disse ter pago foi sacado em benefício de um executivo da empresa. Se havia qualquer expectativa de vantagem indevida, isso foi completamente frustrado pelo ex-presidente.

Mas Lula não deve um mea-culpa ao menos pelas relações impróprias que manteve com as empreiteiras?

Não existe mea-culpa a ser feito. O Lula foi presidente em dois mandatos e dialogou com todos os setores do país, inclusive o empresarial, e não praticou qualquer ato ilícito na Presidência ou fora dela. Na verdade, Lula é vítima de lawfare, que é o uso estratégico da Justiça para perseguir um inimigo.

As suspeitas que recaem sobre os filhos de Lula, que enriqueceram durante o seu governo, também não precisam ser mais bem explicadas? Seus negócios pararam de prosperar justamente quando o Lula foi preso.

Não foi provado absolutamente nada contra eles. O que a Lava-Jato buscou fazer foi promover um ataque desleal e assimétrico ao ex-presidente e aos seus familiares para que eles ficassem interditados tanto na vida política quanto na profissional e familiar.

Os processos contra o ex-presidente teriam sido anulados sem o vazamento dos diálogos de procuradores feito pelos hackers?

Desde a primeira manifestação escrita que nós apresentamos em favor de Lula, apontamos inúmeros vícios, inclusive a suspeição de Moro. O STF reconheceu essa suspeição sem levar em consideração nenhum elemento relativo à “Vaza-Jato”. Os diálogos só confirmaram algo que já afirmávamos.

Mas não foi um ponto de virada para a defesa?

Foi um elemento importante para desfazer a narrativa que a Lava-Jato havia construído na opinião pública de que agia para combater a corrupção. Na verdade, seus agentes corromperam a lei e a Constituição.

O fato de os diálogos terem sido obtidos de forma ilegal não enfraquece essa impressão?

Uma vez que o Estado tinha a posse desse material, a defesa tinha o direito de acessá-lo. Os membros da Lava-Jato jamais apresentaram nenhum elemento que pudesse indicar qualquer tipo de manipulação. Quando fez a apreensão do arquivo, a PF disse que, se houvesse alguma fraude, ela teria condições de identificar e jamais o fez, o que significa que os arquivos são íntegros.

O STF barrou a posse de Lula como ministro da Casa Civil do governo Dilma, recursos do ex-presidente foram rejeitados em Cortes superiores e o TSE negou a sua candidatura em 2018. Todo mundo errou?

Houve várias iniciativas da Lava-Jato para induzir ao erro o sistema de Justiça com o discurso de que, se alguém não era a favor da operação, era a favor da corrupção. A Lava-Jato adotou uma técnica de emparedamento que consistia na intimidação de magistrados e de tribunais que pudessem de alguma forma rever as decisões que eram tomadas na primeira instância.

Qual o legado da Lava-Jato para o sistema de Justiça?

Não consigo identificar nenhum legado positivo. A Lava-Jato corrompeu sistematicamente a Constituição e as leis do país, prejudicou o combate à corrupção e destruiu uma parte da indústria brasileira.

Mas a operação ajudou na recuperação de valores desviados. Isso não é positivo?

Qualquer recuperação de valores provenientes de atos ilícitos deve ser louvada, mas isso se deu a um custo muito maior para o país. Por isso que a nossa crítica está na forma de combate à corrupção como pretexto para atingir fins apenas políticos.

Ao entrarem para a política, Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol não estão exercendo um direito legítimo de serem votados?

Eles estão fazendo política desde o início da Lava-Jato. A diferença é que agora estão no campo certo para isso, que é o eleitoral. Antes eles faziam isso usando o poder do Estado de investigar, acusar e de punir.

O que acha do processo do TCU que investiga Moro por um possível conflito de interesses em seu trabalho para a Alvarez & Marsal, a mesma consultoria que cuida da recuperação judicial de várias empresas atingidas pela Lava-Jato?

Há um potencial de conflito de interesses que precisa ser analisado, mas a palavra final cabe à Justiça.

Hoje presidenciável, Moro alega abuso de autoridade e diz ser vítima de lawfare. Ele tem razão em se queixar?

Não conheço o processo que tramita no TCU. Mas agora que está nessa situação, ele está vendo a importância do exercício do direito de defesa, algo que ele negava enquanto era juiz.

Qual será seu papel na campanha de Lula?

O que existe é um convite para que eu e o (ex-subprocurador-geral da República) Eugenio Aragão possamos coordenar a parte jurídica de uma eventual campanha presidencial. Isso é algo que precisa ainda ser definido.

Qual seria a sua prioridade na campanha?

Há sinais de que haverá um grande problema com fake news, numa proporção maior do que em 2018. Isso terá toda a nossa atenção para evitar a proliferação de notícias falsas e identificar os responsáveis.

O senhor prestou serviços ao PT ao longo dos últimos anos. O partido usou dinheiro público para pagá-lo?

Essa contratação tinha por objetivo a prestação de serviços jurídicos em processos específicos em que o interesse processual do ex-presidente e o do partido eram coincidentes. Nosso escritório não recebeu nenhum centavo do Fundo Partidário ou de qualquer outro tipo de verba pública. Os recursos são privados do PT. Os valores foram declarados e estão abertos para consulta pública no TSE.

Lula já disse que pretende ver reparados os danos que a Lava-Jato causou a ele. Não haverá conflito de interesse entre o exercício da Presidência, caso eleito, e a cobrança de uma indenização?

Lula sempre se defendeu dentro da lei. Já existem requerimentos buscando a reparação, como a ação por dos danos morais no caso daquela apresentação com o famoso PowerPoint. Espero que todos esses casos estejam encerrados o mais breve possível. Ninguém está acima da lei, mas também não está abaixo. Não se pode privar ninguém de exercer um direito em razão do cargo que ocupa.

Caso seja eleito, Lula deveria mudar a forma de indicação de ministros do STF ou do procurador-geral da República?

Não acho adequada a lista tríplice para a PGR. Além de não ter previsão constitucional, é um modelo que acaba politizando excessivamente a instituição. Mas esta é uma visão pessoal. Quem tem legitimidade para levar essa discussão é quem tem voto.

Qual a avaliação do trabalho do procurador-geral Augusto Aras, que colocou freios à Lava-Jato ao mesmo tempo em que é considerado leniente com Bolsonaro?

Penso que a posição dele é bastante correta e compatível com o cargo que assumiu. Sei que há críticas ao seu trabalho, mas acho que a atuação do PGR para o restabelecimento do devido processo legal em relação à Lava-Jato sobressai.

Qual é o significado de uma eventual vitória de Lula?

Como advogado, o melhor que eu poderia obter é o restabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente Lula e a recuperação plena do seu estado de inocência. Esse resultado foi conquistado e ele é totalmente compatível com a verdade dos fatos. Nesse sentido, a missão está cumprida. A partir de agora, uma vitória no campo político é algo que está nas mãos de toda a sociedade, caso Lula confirme a sua candidatura.

O que esperar de um novo governo do ex-presidente?

Como cidadão, espero que ele possa promover a recuperação da economia e o reencontro do país com os valores republicanos e democráticos que foram tão atacados nos últimos anos.