Mulheres das periferias falam sobre fome, dificuldades e esperança no encontro com Lula na Brasilândia

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Antes do discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no encontro com lideranças femininas das zonas Oeste e Norte de São Paulo na Vila Brasilândia, na manhã de hoje, 30, representantes de associações de moradores levaram para o palco dois carrinhos de supermercado: um cheio, com os produtos que podiam ser comprados por R$ 100 em 2010, e um quase vazio, com os que podem ser comprados pelo mesmo valor hoje. Uma por uma, elas falaram sobre a fome e a situação de abandono vividas pela periferia.

Teresa Bargheti, da Casa Verde, falou especialmente sobre a situação dos idosos e aposentados que, em sua maioria, são obrigados a viver e, muitas vezes, sustentar familiares, com pensões de no máximo um salário mínimo (R$ 1.212), que não tem aumento real há anos.

“Hoje, nós que temos idade acima dos 60 anos, estamos com aquele carrinho vazio. É só olhar a situação de nós, idosas aposentadas, com um salário de 1.212 reais temos que comer, comprar os nossos remédios porque não tem mais Farmácia Popular. Uma avó hoje tem que comprar sua comida e ainda ajudar filhos, netos que estão desempregados, a gente quer comprar botijão de gás e não consegue”, disse ela.

Maria Tereza Gomes, moradora da Brasilândia, contou que conheceu Lula em 1973, quando ambos moravam na Vila Carioca. Ela relatou uma vida difícil, em que teve de criar os filhos sozinha desde que o marido morreu, há 24 anos, e que se mudou para o bairro após perder a casa por não conseguir pagar as parcelas do imóvel.

“A periferia me acolheu de braços abertos”, contou. “Minha pensão era de fome, fui vender cachorro quente na rua à noite, chegava de manhã e levava meus filhos para a escola. Depois perdi minha filha de 26 anos e agora cuido das filhas gêmeas dela. Lutei muito, faço parte de um instituto onde a gente dá capacitação para mulheres negras e jovens para que tenham um meio de ter renda. Toda vez que eu vou para oo mercado eu não durmo porque cada mês eu trago um pouco menos para casa. Quero dignidade para meus filhos”.

Dayane Gonçalves dos Santos, da ocupação Vila Atlântica, em Pirituba, pediu atenção para o sofrimento dos moradores de comunidades e áreas ocupadas, especialmente as mulheres, que têm cada vez mais dificuldades para encontrar emprego.

“Por favor, olhe para as nossas comunidades, a mulher da comunidade é quem mais sofre. Hoje, uma cesta dessas não alimenta a minha família. Para dar comida para todo mundo em casa, custa mais que R$ 2,5 mil. A gente não tem condições. A mulher da comunidade é a primeira a ser demitida e a última a ser contratada”, afirmou.

Em busca de oportunidades

Em seguida, Viviane Silva, do bairro de Perus, falou sobre a oportunidade de poder fazer o ensino superior graças às políticas educacionais dos governos do PT. Uma chance que outros governantes jamais dariam, segundo ela.. 

“Eu sou mulher, negra, periférica, mãe solo, sou aquela que a sociedade olha e fala ‘essa não vai dar certo’. Mas graças ao presidente que olhou para a periferia, que olhou para a mulher, graças a ele e ao Prouni, eu sou a primeira mulher da família com curso superior. Ele enxergou que a educação é transformadora e leva a gente longe. Eu tenho a oportunidade de trabalhar e sustentar a minha filha por isso”, relatou.

Julieta Tolentino, da Casa Verde, se emocionou ao falar com o ex-presidente. “Nós não estamos mais aguentando, temos muita gente em situação de rua. A gente passa na rua e vê aquele monte de criança, famílias pedindo comida no farol. Estamos carentes de comida, carentes de moradia. Temos projetos parados, o pessoal colocando dinheiro do bolso em obra do Minha Casa Minha Vida para terminar. Cada saco de cimento que coloca ali é uma comida que não entra em casa”, declarou.

Outra líder comunitária de Brasilândia, Cida Honório, também foi às lágrimas ao falar sobre o trabalho feito durante a pandemia pelo Núcleo de Mulheres da comunidade, distribuindo cestas básicas e marmitas para as famílias mais necessitadas.

“Todos os dias nós recebemos pedidos de socorro, porque as pessoas não estão conseguindo comprar alimento, não conseguimos ajudar mais. O bairro estava no topo do índice de mortos e infectados pelo coronavírus e hoje estamos atrás apenas de Sapopemba. Isso é sinal de desigualdade, sinal de pobreza. Também tem a questão do capital humano, porque onde o Estado não entra, outras forças tomam conta. Cada mulher que precisa sepultar seu filho, sepulta também o direito à felicidade, à vida”, contou

Lucila Regina, da Frente de Moradia de Perus, falou que a situação nas comunidades continua complicada mesmo com a redução no número de casos da pandemia. “Hoje em dia, as pessoas ainda não têm o que comer. Falam ‘ah, já reabriu tudo, a gente pode trabalhar’, mas que trabalho a gente tem? A gente só escuta as pessoas pedindo qualquer coisa para comer. Minha vizinha está cozinhando com lenha porque como vai pagar R$ 130 num botijão de gás?”, questionou.

Carla Justo, que faz parte do Instituto Rosa dos Ventos, de Brasilândia, também falou sobre o trabalho da instituição ao longo da pandemia: “No começo, a gente distribuía cesta básica, mas depois de um tempo, os alimentos foram diminuindo, tivemos pouca ajuda do governo e as pessoas continuam com muita fome. A gente quer de novo poder encher 2, 3 carrinhos e poder comprar a marca que a gente desejar, como era antigamente”.

Representante do movimento de moradia no projeto Alexios Jafet, projeto autogestado que abrigará 1104 famílias no Jaraguá, Neuza Queiroz disse que as dificuldades de hoje lembram as que viveu na infância: “Vim de Pernambuco com 14 anos e nunca tive condição de comprar uma moradia. Agora sofremos com esse governo que fala em nome de Deus e não conhece o que está falando”.

Carolina dos Santos, de Perus e funcionária de um centro para idosos em Franco da Rocha, contou da tristeza que sente ao ver as pessoas falando que estão com fome. “Fico muito triste quando as mulheres me dizem ‘a fome dói’, me dói ver idosas falando que vão fazer uma faxina para comprar comida pros filhos. Na sua gestão, éramos tão felizes, na época do Haddad eu era conselheira participativa e podíamos deliberar algumas coisas que tínhamos na região e hoje somos massacrados”, relatou.

Outra líder comunitária da Casa Verde, Nilzete Oliveira, falou sobre a preocupação com famílias que estão sobrevivendo no bairro apenas com doações de alimentos. “Uma mãe falou ‘eu preciso de emprego e não de doação’, porque quer a sua dignidade de volta. No mesmo dia, estive no mercado e vi uma senhora comprar dois ovos por 1 real e sair de cabeça baixa, junto com o filho. É uma tristeza que dava dó. No seu tempo, levavam a caixa por esse preço. Graças ao seu governo, minhas duas filhas puderam fazer faculdade”, agradeceu.

Por fim, a assistente social Rosângela Araújo, da Vila Nova Cachoeirinha encerrou a participação das mulheres locais falando da importância da agroecologia e da proteção ao meio ambiente. “Queremos consumir alimentos saudáveis, sem agrotóxicos. Somos vítimas das escolhas de gestores que dividem mal o orçamento público. A população quer o mesmo de sempre: saúde digna, escolas qualificadas, cultura, lazer esporte. precisamos de oportunidade para viver de forma digna”, finalizou.