O que você quer para o Brasil? Armar ou amar?

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A epidemia de armas, da qual os Estados Unidos são vítimas (e algozes), pode vir a ser realidade no Brasil. Ou ao menos é para onde caminha o país nas mãos do presidente Jair Bolsonaro, garoto propaganda do acesso irrestrito a armas de fogo.

As últimas semanas foram marcadas por dois novos massacres nos Estados Unidos envolvendo jovens e o uso de armas de grande poder letal. No Texas, um atirador de 18 anos matou 19 crianças e duas professores de uma escola primária de Uvalde com um rifle comprado dias atrás. O ataque já é considerado o mais mortal do país desde o tiroteio na escola Sandy Hook, em 2012, quando 20 crianças e seis adultos foram mortos.

No último dia 14, outro atirador, também de 18 anos, abriu fogo contra pessoas negras em um supermercado em Buffalo, cidade no estado de Nova York. Dez pessoas foram mortas e três ficaram feridas. A ação foi transmitida ao vivo por uma câmera acoplada ao traje militar do assassino. Palavras e marcas na arma do atirador revelam a motivação racista do ataque.

Os dois ataques se somam aos 101 tiroteios que os EUA tiveram de 1998 a 2019, resultado direto de uma cultura armamentista, alimentada por discursos e decisões políticas de flexibilização do acesso às armas.

Cenário semelhante vem se desenhando no Brasil a partir da eleição de Jair Bolsonaro. Desde que ele chegou ao Planalto, lobistas e empresários armamentistas passaram a ser presenças constantes em Brasília. A pressão do lobby é, especialmente, pela aprovação do #PLdaBalaSoltaNão, de autoria da presidência da República, que propõe a alteração do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003).

Se aprovado o Projeto de Lei 3723/2019, os chamados CACs (caçadores, atiradores desportivos e colecionadores), que já possuem mais armas do que a Polícia Militar, passam a ter direito de comprar até 16 armamentos. O texto prevê ainda a extinção da necessidade de autorização de porte por esses grupos. Outra mudança é o fim das marcações nos projéteis disparados por pistolas, fuzis e outros armamentos. Atualmente, essas marcações são usadas pelas autoridades para rastrear armas e fiscalizar o desvio de arsenais. 

A bancada do PT no Senado, em conjunto com parlamentares de outros partidos, conseguiu barrar, por ora, a votação do projeto governista.

Mesmo sem a aprovação do PL da Bala Solta, Bolsonaro já editou quatro decretos que facilitam o acesso a armas de fogo. Esses atos normativos, entre outros pontos, retiram do Exército a fiscalização da aquisição e do registro de alguns armamentos e de máquinas para recarga de munições e acessórios; aumentam o limite máximo para a aquisição de armas de uso permitido pela população civil; e autorizam as pessoas que têm porte a conduzir simultaneamente até duas armas.

Entre janeiro e novembro de 2021, houve 188 mil registros de armas novas, o mais alto dos últimos 13 anos. Destas, 143 mil (76%) sob responsabilidade de cidadãos comuns, que alegam necessidade de “defesa pessoal”.

Algumas dessas previsões foram suspensas por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) por serem incompatíveis com o sistema de controle e fiscalização de armas instituído pelo Estatuto do Desarmamento.

O custo da política de segurança de Bolsonaro é a vida de milhares de cidadãos brasileiros: o país perde mais de 40 mil pessoas por ano para as armas de fogo. Já está comprovado que maior circulação de armas está diretamente associada ao aumento da violência. Elas foram usadas em 78% dos homicídios no país ao longo da década 2010-2019. A cada 1% a mais de armas na população temos um aumento de 2% dos homicídios, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

É indiscutível que a maior circulação de armas também está ligada ao aumento de ocorrências de feminicídio e da matança de parcela mais vulnerável da sociedade, como pobres, prestos e LGBTQIA+. Além disso, reportagem da Folha de São Paulo, com dados do Ministério da Saúde, revela que a cada três dias, uma criança é internada, vítima de acidente doméstico com arma de fogo.

É esse o resultado da liberação de armas. Que país queremos? O que você quer para o Brasil? Armar ou amar?

A Campanha de Desarmamento, importante iniciativa para o combate à violência e para a instituição de uma cultura de paz no país, promovida no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recolheu mais de 650 mil armas. O governo estimulou a população a entregar seus armamentos em situação ilegal ou regularizar a condição. Houve queda de 15% no número de mortes por armas de fogo no país entre 2004 e 2012.

Lula já afirmou que, se ganhar as eleições, vai rediscutir política de desarmamento. “O povo não quer armas, nem bala, quer trabalho, estudar, quer salários, quer viver em paz”, disse o ex-presidente. O amor vai vencer o ódio.