O texto original, em italiano, foi publicado no jornal italiano Corriere della Sera.
Por Luiz
Inácio Lula
da Silva e José Graziano da Silva
Um
mundo sem fome não é um sonho abstrato. Um mundo sem fome, onde todos tenham
oportunidade de se alimentar e estudar é algo possível, ao nosso alcance. A
pobreza e a miséria, dentro dos nossos países ou em outros países, não é um
fato inevitável da vida. Podemos, sim, construir um mundo sem fome. E só um
mundo sem fome pode nos permitir construir um mundo sem guerras, um mundo de
paz.
Embora
não seja a única razão dos conflitos, há uma relação circular entre a segurança
alimentar e a paz: do mesmo modo que a fome leva a conflitos, os conflitos
agravam a fome.
Nossa
convicção de que esse mundo é possível não se baseia apenas na esperança de um
planeta mais justo. Ela se baseia nos avanços que diversos países têm feito no
combate à fome e na experiência de nossas vidas lutando para melhorar as
condições sociais no Brasil.
Dentro
de poucos dias, vamos adicionar nossos nomes à Carta de Milão, na Reunião de
Ministros da Agricultura que terá lugar nos dias 4 e 5 de junho, durante a Expo
Milão 2015.
A
Carta de Milão é o documento que traz o legado da Expo Milão 2015. O texto
aborda várias questões cruciais, tais como: o escândalo do desperdício de
alimentos, a necessidade de assegurarmos comida em quantidade suficiente para
uma população mundial em crescimento, preservando o meio ambiente, e o papel
crucial das mulheres no desenvolvimento.
O
documento também oferece uma oportunidade para que o mundo se envolva em uma
discussão sobre o futuro da agenda de desenvolvimento global .
As
últimas décadas trouxeram inegável progresso na luta contra a fome. O número de
pessoas que passam fome caiu em 200 milhões desde 1990, e a proporção da
desnutrição caiu mais de 40% no mundo em desenvolvimento.
Mas
ainda há muito a ser feito. De acordo com os últimos dados divulgados pela FAO,
na semana passada, pouco menos de 800 milhões de pessoas – ou 1 de 9 pessoas em
todo o planeta – ainda sofrem com a fome.
O
Brasil e outros países, na África e na América Latina, como por exemplo a
Bolívia, a Argentina, o Senegal e Moçambique, estão construindo relações
dinâmicas entre proteção social e apoio à produção agrícola. Há diversos
exemplos dos benefícios desta combinação, entre os programas de alimentação
escolar – que garantem a compra de produtos dos agricultores locais – e os
programas de transferências de renda, como o brasileiro Bolsa Família – que
garante uma renda mínima para famílias que mantêm seus filhos na escola e com
acompanhamento médico periódico.
De
um lado, apoio aos produtores de alimentos e garantia de refeição nas escolas.
Do outro, apoio financeiro para que a família supra suas necessidades básicas e
mantenha as crianças estudando. O objetivo é dar aos mais jovens oportunidades
que seus pais jamais tiveram, quebrando o ciclo da miséria que passa de geração
para geração.
Tal
abordagem integrada ajuda a explicar o
sucesso do Programa Fome Zero e por que ele foi utilizado como inspiração para
uma série de programas de segurança alimentar em níveis nacional e regional, em
todo o planeta.
Embora
o trabalho das Organizações Não-Governamentais seja muito importante, o
compromisso político dos países – dos governos e das sociedades – e o apoio
técnico e financeiro de instituições multilaterais são insubstituíveis para a
inclusão social. É fundamental o compromisso político dos governos de combater
a miséria e de incluir os mais pobres nos orçamentos nacionais.
Quando
isso acontece, os resultados surgem rápido. Quando o combate à fome tornou-se a
prioridade do governo brasileiro, em 2003, o progresso foi acelerado. Entre
2002 e 2007, a proporção da desnutrição caiu de 11% para menos de 5% no Brasil.
Em outubro de 2014, o Brasil saiu do mapa da fome. Assim, o país pôde assumir a
meta ainda mais ambiciosa de erradicar a pobreza extrema.
Esse
mesmo compromisso político é cada vez mais presente no mundo. Na Conferência de
chefes de estado e governo da União Africana em 2014, as nações daquele
continente estabeleceram o objetivo de erradicar a fome e a desnutrição até
2025. O Instituto Lula e a FAO são parceiros ativos para tornar este
compromisso ousado uma realidade.
A
principal responsabilidade por garantir o direito à alimentação adequada cabe
aos governos nacionais, mas todos nós devemos assumir uma parcela dessa missão.
Não
existe uma única solução para todos os casos. Os países podem – e devem –
aprender uns com os outros, e adaptar os exemplos, encontrando o seu próprio
caminho.
O
combate à fome e à miséria beneficia toda à sociedade. O dinheiro da
transferência de renda aos mais pobres não vai para a especulação.
Transforma-se em comida, roupas, material escolar. Movimenta o comércio local,
a indústria, gera empregos.
Os
pobres não podem ser vistos como um problema. Os problemas são a desigualdade
do mundo, a fome, os conflitos militares. Quando se dá oportunidades para as
pessoas, elas são parte da solução.
O
mundo tem os recursos, os alimentos e certamente todos temos dentro de nós a
solidariedade necessária para lutarmos e erradicarmos a fome no planeta.
Só
teremos um mundo justo e equilibrado quando todos tiverem a oportunidade de se
alimentar e viver em paz. E queremos afirmar mais uma vez: sim, isso é
possível.
Luiz Inácio Lula da Silva è ex Presidente do Brasil
(2003-2010)
José Graziano da Silva é Diretor-Geral da Organização das
Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO)
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