É muito importante que qualquer debate público, seja no campo jurídico, político ou de saúde pública, como o combate à pandemia de Covid-19, por exemplo, seja baseado na verdade dos fatos, na objetividade da argumentação e na honestidade intelectual.
Nem o senador da República Flávio Bolsonaro (PL-RJ) nem o ex-juiz, ex-ministro e ex-consultor Sergio Moro (Podemos) devem ser alvo de mentiras, de julgamentos parciais ou terem negado seu direito à defesa diante de alguma acusação que exista ou possa existir contra eles. Nenhum cidadão merece ser sujeitado a isso.
O artigo publicado por Flávio Bolsonaro nesta Folha (“Moro soltou Lula”, 22/2) contém acusações falsas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e uma série de mentiras sobre os processos contra ele. Ao contrário do que foi publicado no artigo, o ex-presidente foi absolvido em todos os casos já julgados que não envolveram o ex-juiz Sergio Moro, analisados em diferentes instâncias da Justiça.
Os processos que tiveram o envolvimento de Moro foram anulados por dois motivos concretos, conforme acórdão do Supremo Tribunal Federal: primeiramente, foi constatado que Moro jamais poderia ter julgado Lula em Curitiba e, não menos relevante, foi um juiz parcial, suspeito, que atuou contra o ex-presidente, o que contaminou de ilegalidade aqueles processos em todas as instâncias. Não se trata de opinião, mas de fatos.
Mensagens trocadas entre o ex-procurador Deltan Dallagnol e seus pares na Operação Lava Jato, às quais, como advogados de Lula, tivemos acesso legal por determinação do STF, revelam que foram criadas acusações em série contra o ex-presidente como parte de um plano para difamá-lo e sobrecarregar sua defesa (o “Plano do Lula”).
Lula foi absolvido na Justiça (12ª Vara Federal de Brasília) da acusação central do “PowerPoint de Dallagnol” —a de que teria comandado desvios na Petrobras, o chamado “quadrilhão”. O juiz arquivou o caso por absoluta falta de justa causa e afirmou que a denúncia improcedente tinha o objetivo de “criminalizar a atividade política”.
Ao contrário do que escreveu o senador Bolsonaro, nenhum juiz, nem mesmo Moro, apontou prova ou ato ilegal do ex-presidente nos processos. Tanto que Moro condenou Lula por “ato de ofício indeterminado”; ou seja, nenhum. Lula e seus familiares foram extensamente investigados, sofreram buscas e apreensões, tiveram todos os seus sigilos quebrados e não foi localizado qualquer pagamento irregular ou indevido ao ex-presidente da República.
O senador mente ao dizer que Lula foi condenado pelo STF, o que nunca aconteceu. Mente ao tratar como “confissão” as acusações sem provas de Antonio Palocci, em transação rejeitada até mesmo pelos procuradores da Lava Jato por absoluta inconsistência. O Supremo, por sinal, entendeu que a divulgação da delação pelo ex-juiz Moro, às vésperas da eleição de 2018, foi mais um ato de parcialidade com motivação política. Isso também é fato, não mera opinião. Fato que favoreceu eleitoralmente o pai do senador.
É igualmente falso afirmar que quantias arrecadadas junto a processados pela Lava Jato e destinadas à Petrobras constituem “prova” de envolvimento de Lula em desvios na estatal. Nem os promotores nem o ex-juiz estabeleceram nos autos essa conexão inexistente, o que teve de ser admitido pelo próprio Moro nos embargos da esdrúxula sentença e confirmado no acórdão do STF.
Lula não está livre por causa de Moro. Está livre porque a justiça foi feita na mais alta instância e em todas as demais em que Moro não foi juiz, fato contra o qual o ex-ministro se rebela em confrontação aberta com a Suprema Corte. Lula só foi preso, injustamente, por causa de Sergio Moro, e por isso também não pôde concorrer nas eleições de 2018, vencidas pelo pai do senador Flávio, talvez o maior beneficiário dos processos parciais conduzidos pelo ex-juiz contra Lula. O pai de Flávio, inclusive, já agradeceu publicamente ao seu ex-ministro por isso.
Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins, advogados, cofundadores do Lawfare Institute e responsáveis pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.