Depois dos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o oceano Atlântico já não basta para nos separar da África. A partir de 2003, nosso país iniciou um processo de aproximação, tão intenso quanto inédito, com países de todas as regiões do continente. Depois de 33 viagens presidenciais e abertura de 19 novas embaixadas, a relação do Brasil com os governos e os povos africanos deixou de ser apenas uma sequência de episódios isolados e hoje ocupa na agenda da diplomacia brasileira um espaço proporcional à importância da África para a nossa história, nossa cultura e nossa identidade.
Com Lula, o Brasil deixou de lado o papel secundário e previsível de jamais contrariar as decisões tomadas pelos Estados Unidos e pelos países europeus. Nossas atenções e esforços se voltaram para os vizinhos da América Latina, principalmente da América do Sul, e para a África e o Oriente Médio. Soberano, o Brasil ampliou suas parcerias sem esperar autorização de nenhuma potência. Todos foram tratados como iguais. Foi-se o tempo, como muito bem definiu Chico Buarque de Holanda, em que o Brasil falava fino com os Estados Unidos e falava grosso com a Bolívia.
Para que a afirmação da soberania nacional viesse acompanhada de resultados concretos, empresários brasileiros se juntaram aos diplomatas nas missões internacionais. O efeito foi quase imediato: o comércio exterior brasileiro se diversificou, reduzindo a dependência em relação à economia dos Estados Unidos e da Europa. A crise internacional de 2008 mostrou que essa foi a opção mais acertada, afinal o Brasil já não dependia de quem estava afundado.
Entre 2002 e 2010, o Brasil praticamente dobrou seu comércio exterior com os EUA e triplicou com a Europa. Mas o esforço de diversificação do comércio abriu novas fronteiras. O comércio com a América do Sul mais do que quintuplicou. Com a África aumentou 3,4 vezes e com a Ásia, mais de seis vezes.
Lula impulsionou a criação da Cúpula América do Sul-África (ASA); a instalação de um escritório da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) em Gana; da fábrica de antirretrovirais em Moçambique; de uma fazenda-modelo para a produção de algodão no Mali e da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), com metade das vagas para alunos africanos. O governo Dilma Rousseff deu continuidade a esta política para fortalecer ainda mais as relações entre o Brasil e a África, mas como muitas políticas públicas de sucesso, o país vive uma regressão desde o golpe de 2016.
Infelizmente, o golpe que tirou Dilma Rousseff da Presidência retomou uma política externa de submissão. Isso ficou muito evidente numa série de aparições e pronunciamentos do atual presidente Jair Bolsonaro, que chegou a bater continência para a bandeira americana e até se declarou para o ex-presidente americano Donald Trump, com um “Trump, I love you”. No afã de mostrar submissão, acabou contrariando os interesses nacionais mesmo nas relações com os EUA, especialmente depois que Trump perdeu a eleição para Joe Biden.
Muito diferente é a atuação de um presidente que pensa a política externa como política de Estado. Lula teve papel ativo no fortalecimento do papel brasileiro no mundo, numa época em que o país passou a ser respeitado e chegou a ser a sexta economia do mundo. E teve papel ativo também no aumento das exportações e do fluxo comercial. Entre os 22 países africanos que ele visitou durante sua Presidência, as exportações brasileiras saíram de menos de dois bilhões de dólares em 2002 para quase oito bilhões em 2010, como mostra o mapa abaixo. Era uma época em que o Brasil exportava muito mais do que matérias primas, a tecnologia brasileira criava emprego e riqueza aqui com exportações que iam de tratores e máquinas agrícolas à infra-estrutura do continente.
Enquanto Bolsonaro não consegue estabelecer relações com a África – Angola rejeitou receber comitiva de parlamentares pró-Igreja Universal mesmo após lobby do vice-presidente Mourão, ao mesmo tempo em que a África do Sul mantém silêncio sobre indicação de Marcelo Crivella como embaixador -, Lula priorizou laços de cooperação internacional com o continente. A África passou a ser o quarto maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas de China, Estados Unidos e Argentina e à frente da Alemanha. Sob a batuta de Lula, o Brasil se tornou uma das vozes mais ativas no diálogo Sul-Sul, estreitando relações não apenas com a África, a América Latina e o Oriente Médio.