Repressão às universidades gera reações de ministros do STF, do TSE e da Procuradora-Geral da República

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou, nesta sexta-feira ver “indícios claros” de que as ações nas universidades realizadas nos últimos dias contrariaram o direito à liberdade de expressão. Dodge informou que vai apresentar, ainda nesta sexta-feira (26), uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) com vistas a garantir a liberdade de manifestação nas universidades.

Segundo Dodge, “há indícios claros de que houve ofensa à liberdade de expressão, à liberdade de reunião, à liberdade de cátedra [ensino] que garante a autonomia universitária”.

O ministro do STF Luís Roberto Barroso afirmou, nesta sexta-feira, que “polícia só deve entrar em universidade se for para estudar”. Barroso afirmou que não iria se pronunciar sobre casos concretos, mas que no “modo como penso a vida, a polícia, como regra, só deve entrar em uma universidade se for para estudar”.

Às vésperas das eleições presidenciais, policiais e fiscais de tribunais eleitorais realizaram uma série de ações em universidades públicas de todo o país. Estudantes, servidores e docentes nas universidades enfrentam as ações, carregadas de repressão e censura, como um prenúncio de tempos sombrios – que remetem em muitos casos à medidas da ditadura.

O TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por seu turno, decidiu abrir uma investigação em sua Corregedoria em resposta às ações da Justiça Eleitoral em universidades de todo o país, que irá apurar se houve excessos nas decisões que coibiram a realização de aulas e manifestações “contra o fascismo”.

Rosa Weber, presidente do TSE, afirmou que a atuação da Corregedoria Eleitoral vai buscar “esclarecer as circunstâncias e coibir eventuais excessos no exercício do poder de polícia eleitoral no âmbito das universidades”.

De acordo com a presidente do TSE, “a legislação eleitoral veda a realização de propaganda em universidades públicas, mas a vedação dirige-se à propaganda eleitoral e não alcança, por certo, a liberdade de manifestação e de expressão, preceitos tão caros à democracia assegurados pela Constituição da República de 1988”.

O ministro Marco Aurélio Melo afirmou ao portal G1 que a “universidade é campo do saber. O saber pressupõe liberdade, liberdade no pensar, liberdade de expressar ideias. Interferência externa é, de regra, indevida. Vinga a autonomia universitária. Toda interferência é, de início, incabível. Essa é a óptica a ser observada. Falo de uma forma geral. Não me pronuncio especificamente sobre a atuação da Justiça Eleitoral. Mas reconheço que a quadra é de extremos. Por isso é perigosa, em termos de Estado Democrático de Direito. Esse é o meu pensamento.”

Já o ministro do STF Gilmar Mendes afirmou nesta sexta que é preciso “ter cautela” diante da sequência de ações nas universidades públicas por todo o país. Para Gilmar, as ações da Justiça eleitoral devem “verificar se alguma manifestação de fato desborda daquilo que a lei prevê e o que é manifestação normal dentro do ambiente acadêmico”.

Para Gilmar Mendes, a “ebulição” é própria ao meio universitário e não se relaciona necessariamente com o período eleitoral. Ele lembrou que os juízes e ministros do STF são recebidos “às vezes com protestos” nas univeridades “faz parte do processo democrático”.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), divulgou nota sobre o tema. Para a PFDC, conceber debates sobre o fascismo e faixas com dizeres de “Marielle Franco presente” como propaganda eleitoral “transborda os limites da razoabilidade”. O órgão afirma que “a efervescência estudantil é elemento motriz de uma sociedade vibrante e plural e, ao invés de ser reprimida, deve ser festejada”.

A Procuradoria “entende que são potencialmente incompatíveis com o regime constitucional democrático iniciativas voltadas a impedir a comunidade discente e docente de universidades brasileiras de manifestar livremente seu entendimento sobre questões da vida pública no país”.

O candidato à presidência pelo PT, Fernando Haddad (PT) publicou nas suas redes sociais que “não adianta intimidar as universidades, não adianta invadir os campi universitários” e que “a Educação não vai se calar”.

Entidades e arbitrariedades
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) afirmou em nota que “As universidades devem ser respeitadas como espaço autônomo de promoção de debates e discussões, assegurado o direito de todos os integrantes da comunidade acadêmica –sejam de direita ou de esquerda– de exporem seus posicionamentos, sempre dentro dos limites da lei” e que “a OAB condena toda forma de censura e de violência política”.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação divulgou nota na qual “lamenta e repudia as decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de membros de comunidades acadêmicas, ferindo seus direitos civis e políticos, bem como o princípio constitucional da autonomia universitária”. Segundo a entidade, “a Constituição Federal assegura às universidades autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial”.

Para a Adusp (Associação dos Docentes da USP), a “Escalada repressiva contra as universidades públicas é inconstitucional e ameaça liberdades democráticas“.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro emitiu nota sobre a “tentativa de censura nas universidades“. No documento, a OAB-RJ manifesta “o seu repúdio diante de recentes decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores”. O documento destaca que “todos os cidadãos, têm o direito constitucional de se manifestar politicamente” e que “a manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral”.

Democracia e liberdades
A Defensoria Pública da União (DPU) no Rio de Janeiro, por sua vez, recomendou a reitores que defendam a livre expressão de alunos, professores e funcionários sobre o processo eleitoral. O documento de recomendação emitido pela DPU pede aos administradores de instituições públicas do estado do Rio de Janeiro que “assegurem a livre iniciativa de seu corpo docente, discente e servidores na promoção e efetivação do princípio da autonomia universitária, referente a qualquer tipo de manifestação de ideias (…) independentemente de posição político-ideológica, ainda que haja debates sobre o quadro eleitoral vigente, o que não se constitui propaganda político-eleitoral”.

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) a ação de policiais militares chegou ao ponto de tentar retirar uma faixa em homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada em março deste ano no Rio. Também na capital fluminense, nesta quinta-feira, uma juíza eleitoral considerou razoável determinar a prisão do diretor da faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, caso não fosse retirada da fachada do seu prédio da Universidade uma faixa em que estava escrito “UFF antifascista”.

Fatos nessa linha se repetiram em no mínimo dezessete universidades brasileiras nesta semana. Na seção sindical do ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) em Campina Grande (ADUFCG), uma ação da Polícia Federal voltou-se a apreender o panfleto “Manifesto em defesa da democracia e da universidade pública” feito pela entidade.

Com um mandado de busca e apreensão em mãos para apreender os panfletos, os policiais abriram os computadores e, simplesmente, levaram os HDS das máquinas da entidade.

Foto: ADUFCG

Na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), a reitoria emitiu nota “sobre ações de patrulhamento ideológico e político na Instituição”. No documento, a reitoria afirma que, em relação aos “casos de patrulhamento ideológico e político sofrido por professores, alunos e técnicos administrativos no âmbito da Universidade, resultando, inclusive, em fiscalização do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) em salas de aula da Instituição, a Administração Central da UEPB vem a público ressaltar que a troca de ideias na Universidade, em relação a quaisquer que sejam as teses, os temas ou mesmo candidaturas, não é de controle, em hipótese alguma, de tribunal algum”.

A administração da UEPB destaca que “isso faz parte da autonomia da Universidade, consagrada na Constituição de 1988” e que “o artigo 207 da Constituição prevê nitidamente esta questão, quando diz que as universidades gozam de autonomia didático-pedagógica”. A reitoria afirma, categoricamente, que aquilo que “se discute em determinada aula, em determinado espaço de debate, é de responsabilidade exclusiva do professor ou da professora responsável por aquele componente curricular, evento ou debate. Sendo assim, ninguém pode cercear essa liberdade”.

Na UEPA (Universidade do Estado do Pará), policiais militares entraram no campus da universidade para acompanhar a aula de um professor, a fim de verificar o teor ideológico da atividade – e chegaram a ameaçar de prisão o professor responsável. A polícia havia sido chamada por uma das alunas (que é filha de um policial) e que se sentiu ofendida após o docente ter feito menção à questão da produção de fake news.

Propaganda x Democracia
“A defesa da democracia e do debate livre nos ambientes acadêmicos devem ser assegurados e não podem ser confundidos com propaganda eleitoral”, afirma Renato Ribeiro de Almeida, professor da Escola Paulista de Direito na matéria “Operações em universidades atacam liberdade de expressão, dizem especialistas” publicada nesta sexta-feira (26/10) pelo jornal Folha de S. Paulo.

Fernando Neisser, presidente da Comissão de Estudos de Direito Eleitoral do Iasp (Instituto dos Advogados de São Paulo), explicou à Folha que propaganda eleitoral é bem diferente de debate político. E que “a propaganda eleitoral configura-se pelo pedido explícito de voto a um determinado candidato ou ao número da chapa pela qual ele é representado. ‘Isso é propaganda eleitoral e ela é vedada em ambientes de uso público, como as universidades'”.

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