Revolução verde africana mira Brasil

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Matéria originalmente publicada no portal This is Africa

Por Eleanor Whitehead

 Karuku interview TNo centro-oeste brasileiro, a mata seca do cerrado – uma enorme extensão de savana cobrindo 21 por cento do país – deu lugar a grandes plantações que tornaram a nação líder mundial em produção agrícola. Em menos de 30 anos, o desenvolvimento dessa terra outrora improdutiva foi responsável pela transformação do Brasil de importador de comida a um dos maiores celeiros do mundo.

Em compensação, do outro lado do Atlântico a estória agrícola da África é só potencial irrealizado. Apesar de empregar 65% da força de trabalho do continente e de responder por mais de 30% do PIB, o setor enfrenta dificuldades. Solos pobres e degradados, inexistência de sistemas de irrigação, infraestrutura pública dilapidada e acesso insuficiente a crédito vêm prejudicando o crescimento do setor que tem o potencial de redefinir a trajetória de desenvolvimento do continente.

Claramente há lições a serem aprendidas de um país como o Brasil e a AGRA (Aliança por uma Revolução Verde na África) assumiu como tarefa reproduzir as revoluções verdes das nações da América Latina e da Ásia por todo o continente.

A organização, que nasceu em 2006 de uma parceria ente a Fundação Rockefeller e a Fundação Bill e Melinda Gates, objetiva dar apoio a pequenos proprietários rurais e desenvolver celeiros regionais a fim de atender a questões de segurança alimentar cada vez mais prementes. Isso envolve a criação de cadeias de valor inteiras – de distribuição de fertilizantes a acesso a mercado.

A tarefa é enorme e Jane Karuku, a presidente da Agra, opta por uma abordagem científica para o problema. Ela quer ver pesquisa e desenvolvimento – em geral uma parte negligenciada da estória agrícola – no topo da agenda tanto de países como de doadores.

“O mais importante é continuar a construir com base na capacidade dos próprios africanos de fazerem pesquisa agrícola”, argumenta Karuku. “Isso requer investimento em cientistas e em instituições de pesquisa, que recebem muito pouco financiamento do governo, para que possamos gerar novas variedades de sementes que sejam mais produtivas e mais resistentes a pestes e doenças.”

Ainda segundo a presidente da Agra, deve-se conseguir mais apoio ao longo da cadeia de valor para viabilizar a distribuição das variedades apropriadas pelo continente: “Temos que pensar na cadeia inteira: quem fará o trabalho, como geraremos uma variedade de semente melhor, como multiplicar essa variedade, e como a distribuiremos aos agricultores?”

Em particular, a fim de multiplicar novos insumos, deve-se atender às necessidades de financiamento de empresas locais de sementes. Com esse propósito, a AGRA já subsidia investimentos em capacitação e tecnologia. Isso rendeu resultados, liderados por bem-sucedidos grupos como a Western Seed Company (Empresa de Sementes Ocidental) do Quênia e a tanzaniana Tanseed, que estão produzindo cultivares para atender as necessidades específicas de seus países. “Em 2007, nós dávamos apoio a menos de 10 empresas de sementes, que produziam em torno de 2.500 toneladas de sementes em todo o continente. Hoje há por volta de 80 empresas, que juntas têm uma produção agregada de cerca de 55.000 toneladas de semente,” explica a presidente.

Mais agro-negociantes também estão surgindo, adensando o setor privado local. “Quando começamos, havia muito poucos negociantes agrícolas que pudessem viabilizar a distribuição dessas sementes de um ponto a outro. Hoje já treinamos mais de 15.000 negociantes. Embora ainda poucos, esse número já é um bom passo com relação à nossa pequena base,” argumenta a presidente Karuku.

E os impactos dessas medidas estão começando a se refletir em aumento da produção agrícola, diz a presidente Karuku. “Podemos ver uma grande melhoria, começando pela adoção de variedades de sementes de alto rendimento. Se considerarmos o milho, no Malaui, no Quênia, na Zâmbia, a taxa de adoção de sementes híbridas cresceu quase 90%. Na mandioca, cultivada predominantemente na África Ocidental, há uma alta taxa de adoção de sementes e a produção cresceu 40%. No arroz, a Tanzânia está conseguindo uma alta produtividade pelo uso de tecnologia e melhores práticas agronômicas, e já ouvimos falar em cifras como 9,6 toneladas por hectare, o que é muito alto,” diz a presidente.

Mas ainda há um longo caminho a percorrer em busca de apoio a essas áreas. “Nesse espaço há uma papel maior aos doadores porque alguns desses países estão partindo de níveis muito baixos e os governos não gastam tanto dinheiro em suas instituições nacionais como no Ocidente,” acredita a presidente Karuku. “Há espaço para que instituições doadoras possam adiantar esse apoio, seja a pessoas e instituições, seja a criadores particulares ou a empresas comerciais de sementes, para viabilizá-los como negócios.”

Rumo ao setor privado
Enormes desafios ainda persistem em outras áreas, sem falar em saúde do solo, distribuição de fertilizantes, acesso a mercados e instalações para estocagem, o desenvolvimento de organizações rurais fortes e acesso a crédito. Mas em meio a esses problemas, hoje flui mais dinheiro para a agricultura africana do que nunca, dando a certeza a alguns stakeholders de que as perspectivas do setor estão finalmente mudando para melhor.

“Por fim, o discurso em torno da agricultura africana está, de fato, se refletindo em investimento crescente”, continua a presidente. Assentada sobre 60% da terra arável não cultivada do mundo, a África está recebendo a atenção de investidores dispostos a assegurar ofertas futuras em face de uma demanda em expansão por parte de uma população mundial que só faz crescer.

A Nova Aliança para a Seguridade Alimentar e Nutricional do G-8, que pretende tirar 50 milhões de africanos da pobreza nos próximos dez anos por meio de investimentos privados, já contabiliza bilhões de dólares comprometidos por investidores internacionais desde seu lançamento ano passado. Somente na Nigéria, oito bilhões de dólares foram investidos no setor agrícola desde 2011, com o dinheiro hoje fluindo para novas zonas de processamento de colheita de empresas do porte da Cargill e da Unilever. Outras iniciativas, como a parceria Grow Africa também buscam alavancar a agricultura africana com capital privado.

Mas a presidente Karuku acredita que há mais por fazer e diz: “Necessitamos de muito mais investimento e um ritmo mais acelerado em termos de ações para que não fiquemos apenas em conversas e façamos o que, de fato, faremos”.

Porém, nem todos estão satisfeitos com a postura da AGRA sobre investimento comercial. Algumas organizações da sociedade civil argumentam que essa abordagem baseada na primazia do capital privado é a solução errada para a crescente crise alimentar na África. Como no cerrado brasileiro ou em outras economias agrícolas em desenvolvimento, essas organizações temem uma nova era de apropriações de terra e argumentam que os pequenos agricultores, que produzem a maior parte da comida do continente, podem ser expulsos de suas terras para darem lugar a grandes investidores cujo objetivo é controlar o fornecimento de alimentos na África.

Jane Karuku rebate essas acusações dizendo que: “Do modo como vejo, o setor privado pode desempenhar um papel de protagonismo na agricultura africana. Em primeiro lugar, temos um setor privado local em crescimento que vem desempenhando um importante papel em tornar a agricultura sustentável e lucrativa. Segundo, são as multinacionais que vem à África para comprar a produção, algo que vem acontecendo há muito tempo. A tradição de empresas como a Nestlé e a Unilever, que ligam suas cadeias de suprimento aos agricultores africanos, vem de longa data e tem sido positiva.”

Segundo a presidente da AGRA, é preciso fazer ainda mais para ajudar os governos em suas políticas em vez de temer o investimento privado. E acrescenta: “Os acordos têm que ser desenvolvidos em um processo equitativo e transparente, mas não podemos abrir mão do envolvimento de ambos o setor privado local e internacional”.

Com maiores fluxos de investimento, associados a um maior comprometimento dos governos africanos com a agricultura, a presidente Karuku vê razões para ser otimista. “Há provas de que as coisas estão começando a mudar. O único desafio é que isso está acontecendo em bolsões, não é [um processo] integral– portanto, é uma questão de reproduzi-las para obter esses efeitos em todo o continente,” diz. “Meu sonho é poder garantir a capilaridade de todo esse processo e que o pequeno produtor rural seja beneficiado por essas iniciativas.”

Leia a matéria original (em inglês):
Interview: Jane Karuku, President of the Alliance for a Green Revolution in Africa