“Sem os programas sociais desse governo eu, certamente, seria invisível
ainda”
Entre os
9 e os 23 anos, Dorival Filho
encarou a difícil rotina de catador em
um aterro de Piedade, interior de São Paulo. Hoje, exibe com orgulho os
diplomas de graduação, mestrado e se prepara para ser doutor
Piedade,
município com pouco mais de 50 mil habitantes no interior de São Paulo, produz
diariamente 32 toneladas de lixo. Resíduos destinados ao aterro sanitário da
cidade, mesmo local de onde Dorival Gonçalves
Santos Filho garimpou roupas, brinquedos e até alimentos para toda sua família
durante 13 anos. Difícil realidade que ficou para trás. Hoje, ele se orgulha
dos diplomas de graduação, mestrado e se prepara para concluir o doutorado em
2015.
Filho de uma gari e de um funcionário das obras do Metrô, aos 5 anos e
ao lado das duas irmãs mais velhas, ele recolhia latas e papelão para
complementar a renda da família. Aos 9 anos procurou emprego na agricultura,
mas a área estava saturada. “Não sobrou opção e fui trabalhar no lixão”,
lembra. “Eu já era invisível, mas só me dei conta quando fui para o lixão. Eu
não tinha consciência disso. Quem vinha de família muito pobre não era visto
por ninguém. Nem governo nem familiares. Éramos só nós e nós.”
Os primeiros caminhões chegavam ao aterro por volta das 6 da manhã
e Dorival já estava por lá. “Era de domingo a domingo. Fome não dá de
segunda a sábado só”, completa. A rotina cada vez mais pesada o obrigou a
abandonar os estudos ao concluir a oitava série.
O cobre – material com o maior valor de revenda – era o tesouro de todos
os garimpeiros. Para as outras necessidades havia ajuda mútua. “Quando a gente
ficava sentado, fazia fogueira nos dias mais frios, combinávamos que se achasse
tal coisa, roupa, sapato, brinquedo, passaria para quem mais estivesse
precisando. Minha paixão eram os livros, sempre gostei muito de ler”. Não à
toa, ele reuniu mais de três mil títulos.
E foi a leitura que despertou a vontade de retomar os estudos, aos 20
anos. “Quando eu cansei de ser invisível, quando decidi que queria ser notado
pela sociedade, voltei a estudar.” Nem por isso a rotina no garimpo foi
interrompida. “Às vezes, não tinha condições de ir à escola, às vezes, chegava
com os dedos todos cortados e ia só para ouvir porque não tinha como segurar o
lápis”, relata.
O esforço do jovem foi notado pelos professores, que passaram a
orientá-lo sobre o Exame Nacional do Ensino Média (Enem) e programas como o
Universidade para Todos (Prouni). “Para mim, era terminar o ensino médio e
conseguir emprego numa metalúrgica. Não pensava ir pra academia, mas os
professores iam incentivando muito.”
Os pais de Dorival se separaram – a essa altura ele já tinha dois irmãos mais novos
-, a mãe adoeceu e a necessidade de garantir o sustento da família se tornou
ainda maior. “Me dei conta que as oportunidades estavam ali porque o Brasil
começou a mudar.”
Logo, uma professora pagou a inscrição e as passagens de ida e volta
para a realização do vestibular da Universidade Estadual Paulista (Unesp)
campus Assis. Dorival passou nas duas provas, mas optou pela instituição pública. “Foi um
conflito quando me dei conta que teria mudar de cidade. Pensei em desistir e
continuar no garimpo, mas minha mãe me estimulou. Meu irmão começou a
trabalhar. Minha irmã conseguiu o Bolsa Família e esse dinheiro significava
comida. A gente não precisava mais depender da comida que vinha do lixão, as
crianças não dependiam do leite que um caminhão de mercado jogava fora. A gente
não disputava mais a comida com cães e urubus”, conta.
Aos 23 anos, Dorival trabalhou pela última vez no lixão. Foi um domingo. Na segunda,
mudou para Assis com o dinheiro de um aluguel e a matrícula no curso de Letras.
O primeiro mês foi difícil e logo veio a ameaça de despejo. Com algum esforço
conseguiu a ajuda de custo da própria universidade – R$ 200, dos quais R$ 150
estavam comprometidos com o aluguel. Surgiu a oportunidade de trabalho em uma
lavanderia, depois de divulgação do vestibular a convite de um professor e, por
fim, passou a cuidar de um idoso. Juntos, os faturamentos cobriam as despejas
de moradia, alimentação, estudos e sobrava algo para ser enviado à família.
Passados quatros anos, a formatura. “Eu me via como ser humano, que
fazia parte do mundo, do Brasil. Era o orgulho de toda minha família.”
Para
fugir da violência, a família de Dorival se
mudou para Santa Catarina. Ele foi em seguida e lá subiu mais um degrau: a pós
graduação. Um bolsa da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior), também do governo federal, garantiu o estudo de linguística na
Federal de Santa Catarina. Depois veio o mestrado e hoje ele está prestes a
concluir o primeiro ano do doutorado.
“Do lugar
de onde saí, onde me criei, pra tudo que vivo hoje, esse status intelectual,
essa vontade de mudar mais, todas oportunidades, posso dizer que me tornei
cidadão, ser humano. Tudo que nunca sonhei aconteceu. Sem os programas sociais
desse governo eu, certamente, seria invisível ainda.”
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