Encerrou-se no domingo (12) em Dacar, Senegal, o Seminário Internacional Brasil-África sobre Proteção Social. A mesa de encerramento do evento foi composta por Milton Rondó, Coordenador Geral da Ação Internacional contra a Fome (MRE), Celso Marcondes, diretor do Instituto Lula, Emilienne Raoul, ministra dos Assuntos Sociais, Ação Humanitária e Solidariedade do Congo, Johan Strijdom, chefe da Divisão de Assuntos Sociais da União Africana, Anta Saar, delegada Geral à Proteção social e à solidariedade Nacional do Senegal, Ruby Sandhu-Rojon, vice administradora regional para a África do PNUD e Rômulo Paes de Sousa, diretor do RIO+ Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável do PNUD.
Após dois dias de apresentações e debates, o Seminário terminou em tom de forte engajamento das autoridades por uma adoção de políticas de proteção social baseadas nos direitos humanos, na concertação entre parceiros locais, nacionais e internacionais e em medidas eficazes e inovadoras de financiamento. Também foi reiterada a visão segundo a qual os sistemas de proteção social constituem um investimento de efeito multiplicador que promove o desenvolvimento sustentável, um crescimento econômico inclusivo e a criação de empregos, entre outros efeitos. O programa brasileiro Bolsa Família foi citado como grande exemplo de política social efetiva por ter ajudado milhões de pessoas de saírem na pobreza no Brasil, reduzindo significativamente a desigualdade.
Esta visão foi traduzida em uma série de recomendações que serão levadas ao encontro de ministros da área social da União Africana, a ser realizado de 20 a 24 de abril em Adis Abeba, Etiópia. As recomendações serão entregues na ocasião pelo ministro do Desenvolvimento Agrário do Brasil, Patrus Ananias, e representantes do governo do Senegal, do PNUD, do Instituto Lula e do Ministério das Relações Exteriores brasileiro. As recomendações serão formatadas seguindo os padrões da União Africana e apresentadas na plenária do encontro pelo ministro Ananias.
Veja abaixo as recomendações finais acordadas no Seminário, em português, em francês e em inglês.
Recomendações da “Conferência Internacional de Proteção Social” para a União Africana
Dacar, 8 e 9 de abril de 2015
PORTUGUÊS
1. A adoção da proteção social deve fundar-se nos direitos humanos, o que a torna acessível a todos. Para isso, a proteção social deve ser motivada pela convicção e uma visão política não partidária que o Estado tem de apropriar-se. Ela tem de ser aceita como um critério nas relações cidadão-Estado, denominada por outros, contrato social. Os países devem conceber sistemas de proteção social que visem garantir a inclusão social, política e econômica, nomeadamente nos grupos vulneráveis. Enquanto tal, a proteção social deve ser um conjunto exaustivo e detalhado de políticas setoriais que protegem os cidadãos – priorizando os mais pobres – dos choques sociais, ambientais e econômicos que intervêm durante todo o seu ciclo de vida e consolidam a sua resiliência, como também melhoram o seu bem-estar. Os países podem sugerir uma larga gama de políticas que associam e coordenam os serviços e vantagens sociais, que abrangem as transferências sociais relativas ou não às contribuições, segurança alimentar, em sinergia com as políticas setoriais.
2. A insuficiência cronica de fundos da proteção social em África requer uma vontade política forte de mobilizar recursos e quadros institucionais adequados para o programa de proteção social e velar pela viabilidade financeira. Esta viabilidade financeira dependerá da vinculação firme do programa de proteção social sobre o financiamento doméstico e que se traduza no Quadro das Despesas de Médio Prazo dos países (CDMT, sigla em francês). A mobilização eficiente dos recursos domésticos, através de formas fiscais e formas inovadoras de financiamento, pode levar o espaço fiscal a grandes investimentos na proteção social na África. O setor privado pode desempenhar um papel importante para a viabilidade financeira da proteção social na região, enquanto contribuinte responsável para as políticas fiscais dos Governos.
3. Enquanto o financiamento doméstico é a principal fonte de financiamento dos programas de proteção social, a coordenação internacional vai continuar a desempenhar um papel crítico para acompanhar os países na África. A cooperação técnica e o apoio ao desenvolvimento das capacidades da parte dos parceiros de desenvolvimento, tais como o sistema das Nações Unidas, vão continuar a desempenhar um papel preponderante no acompanhamento dos Governos para reforçar os seus sistemas de proteção social, incluindo as trocas e parcerias da cooperação Sul-Sul. É preciso prestar atenção para não criar fundos verticais, mas antes reforçar os esforços do Estado quanto às prioridades, as instituições e aos sistemas do Estado.
4. A proteção social deve ser gerida em contato com os sistemas públicos baseado nos quadros jurídicos nacionais e em harmonia com as estratégias de desenvolvimento. Necessita-se de uma definição clara dos papéis e responsabilidades entre instituições e estruturas de coordenação, entre os níveis locais, regionais e nacionais. Deste modo, pede-se à União Africana desempenhar um papel relevante no apoio aos seus Estados membros. Importa incentivar os sistemas de informação e de seguimento para garantir a efetividade dos serviços prestados, os seus resultados, assim como o seu processo de gestão com vista a reforçar e melhorar as políticas. Os sistemas de proteção social podem ser mais eficientes e estender o seu impacto quando são promovidos por ofertas de serviços bem planificadas, baseadas na análise das necessidades e vulnerabilidades, que funcionam com critérios de ilegibilidade transparentes e precisos. O sistema de proteção social será destinado a todos os cidadãos nas mesmas condições de vulnerabilidade e ser guiado pelos princípios de universalidade, de uniformidade (isto é a homogeneidade na qualidade da prestação de serviços, independentemente do lugar) e justo.
5. Os beneficiários da proteção social devem ser reconhecidos como detentores de direitos e como cidadãos ativos com o direito de advogar para a realização dos seus direitos econômicos e sociais. Portanto, é importante velar pela sua participação no sistema de proteção social através dos processos participativos na base comunitária.
6. Os sistemas de proteção social são um investimento com um efeito multiplicador que promove o desenvolvimento sustentável, o crescimento econômico inclusivo, a criação de empregos, os mercados locais, ao melhorar a inclusão ocupacional e econômica. A proteção social deve articular-se com ações com vista à produtividade inclusiva centrada nas pessoas mais vulneráveis.
INGLÊS
1. The adoption of social protection should be grounded in human rights, making it accessible to all. Social protection needs to be driven by conviction and a non-partisan political vision that is owned by the state and accepted as a cornerstone of citizen-state relations otherwise referred to as a social contract. Countries should design social protection systems with broader objectives of ensuring social, political and economic inclusion, especially among vulnerable groups. As such, social protection needs to be a comprehensive set of inter-sectoral policies that protect citizens – prioritising the poorest – from social, environmental and economic shocks that arise throughout their life-cycle and build their resilience, as well as improve their wellbeing. Countries can consider a broad range of policies that combine and coordinate social services and benefits, that include contributory and non-contributory social transfers, in synergy with sectoral policies.
2. Chronic underfinancing of social protection in Africa calls for strong political will to put adequate resources and institutional frameworks behind the social protection agenda and to ensure financial sustainability. Financial sustainability hinges on anchoring the social pretection agenda firmly on domestic financing and reflecting it in countries’ medium term expenditure frameworks (MTEF). Effective domestic resource mobilization, through tax reforms and innovative forms of financing, can provide the fiscal space for greater investments on social protection in Africa. The private sector can play a critical role for the financial sustainability of social protection in the region as a responsible contributor to governments’ fiscal policies.
3. While domestic financing is the primary source of funding for social protection programmes, international coordination will continue playing a critical role for supporting countries in Africa. Technical cooperation and capacity development support from development partners, such as the United Nations system, will continue playing a critical role in supporting governments to strengthen their social protection systems, including through South-South cooperation exchanges and partnerships. Caution should be exercised not to create vertical funds but rather strengthens government efforts providing support that is integrated into government priorities, institutions, and systems.
4. Social protection should be managed through public systems based on national legal frameworks and alligned wtih development strategies. A clear definition of roles and responsibilities amongst institutions and coordination structures among local, regional and national levels are critical. In this regard, the African Union is requested to play a pivotal role in supporting Member States. It is important to foster information and monitoring systems to assure the efficiency of the services provided, its results, as well as its process of management towards the strengthening and improvement of policies. Social protection systems can be more efficient and expand their impact when promoted by well planned offers of services, based on the analysis of needs and vulnerabilities, operated with transparent and accurate eligibility criteria. The social protection system shall be addressed to all citizens under the same conditions of vulnerability and guided by the principles of universality, uniformity (i.e. homogeneity in quality of service provision regardless of location) and equity.
5. Recipients of social protection (services and benefits) need to be recognized as rights holders and active citizens with the right to advocate for the fulfillment of their social and economic rights. It is therefore critical to ensure their participation in the social protection system through community based participatory processes.
6. Social protection systems are an investments with a multiplier effect that promote sustainable development, inclusive economic growth, job creation, promote local markets, improving occupational and economic inclusion. Social protection must be articulated with actions towards inclusive productivity focused on the most vulnerable.
FRANCÊS
1. L’adoption de la protection sociale doit être fondée sur les droits humains, ce qui la rend accessible à tous. Il faut que protection sociale soit mue par la conviction et une vision politique non-partisane que l’Etat s’approprie et qui est acceptée comme une pierre de touche des relations citoyen-Etat que l’on appelle ailleurs un contrat social. Les pays doivent concevoir des systèmes de protection sociale avec de larges objectifs d’assurer l’inclusion , sociale, politique et économique, en particulier chez les groupes vulnérables. En tant que telle, la protection sociale doit être un ensemble exhaustif et détaillé de politiques sectorielles qui protègent les citoyens – en donnant la priorité aux plus pauvres – des chocs sociaux, environnementaux et économiques intervenant pendant tout leur cycle de vie et renforcent leur résilience, de même qu’elles améliorent leur bien-être. Les pays peuvent envisager une large gamme de politiques qui conjuguent et coordonnent les services et avantages sociaux, qui comprennent les transferts sociaux relatifs ou non aux contributions, la sécurité alimentaire, en synergie avec les politiques sectorielles.
2. Le sous-financement chronique de la protection sociale en Afrique appelle une volonté politique forte de mettre des ressources et des cadres institutionnels adéquats derrière le programme de protection sociale et de veiller à la viabilité financière. La viabilité financière dépend de l’ancrage ferme du programme de protection sociale sur le financement intérieur et que ceci se traduise dans les cadres de dépenses à moyen terme des pays (CDMT). La mobilisation efficace des ressources intérieures, à travers des réformes fiscales et des formes innovantes de financement, peut apporter l’espace fiscal pour de grands investissements dans la protection sociale en Afrique. Le secteur privé peut jouer un rôle crucial pour la viabilité financière de la protection sociale dans la région, en tant que contributeur responsable aux politiques fiscales des gouvernements.
3. Tandis que le financement intérieur est la principale source de financement des programmes de protection sociale, la coordination internationale va continuer à jouer un rôle critique pour accompagner les pays en Afrique. La coopération technique et l’appui au développement des capacités de la part des partenaires au développement, tels que le système des Nations Unies, vont continuer à jouer un rôle crucial dans l’accompagnement des gouvernements pour renforcer leurs systèmes de protection sociale, y compris les échanges et partenariats de la coopération Sud-Sud. Il faut faire attention à ne pas créer des fonds verticaux, mais plutôt renforcer les efforts de l’Etat en fournissant un appui qui soit intégré dans les priorités, les institutions et systèmes de l’Etat.
4. La protection sociale doit être gérée par le truchement de systèmes publics fondés sur des cadres juridiques nationaux et en harmonie avec les stratégies de développement. Une définition claire des rôles et responsabilités entre institutions et structures de coordination, entre les niveaux locaux, régionaux et nationaux levels est cruciale. De ce point de vue, il est demandé à l’Union Africaine de rôle pivotal dans le soutien aux Etats Membres. Il est important d’encourager les systèmes d’informations et de suivi pour assurer l’effectivité des services fournis, ses résultats, ainsi que son processus de gestion en vue du renforcement et de l’amélioration des politiques. Les systèmes de protection sociale peuvent être plus efficients et étendre leur impact lorsqu’ils sont promus par des offres de services bien planifiées, fondées sur l’analyse des besoins et des vulnérabilités, qu’ils fonctionnent avec des critères d’éligibilité transparents et précis. Le système de protection sociale devra s’adresser à tous les citoyens dans les mêmes conditions de vulnérabilité et être guidé par les principes d’universalité, d’uniformité (c’est-à-dire l’homogénéité dans la qualité de la prestation de service indépendamment du lieu) et d’équité.
5. Les bénéficiaires de la protection sociale doivent être reconnus comme des détenteurs de droits et des citoyens actifs avec le droit de plaider pour la réalisation de leurs droits économiques et sociaux. Il est donc crucial de veiller à leur participation dans le système de protection sociale par le truchement de processus participatifs à base communautaire.
6. Les systèmes de protection sociale sont un investissement avec un effet multiplicateur qui promeut le développement durable, la croissance économique inclusive, la création d’emplois, les marchés locaux, en améliorant l’inclusion occupationnelle et économique. La protection sociale doit s’articuler à des actions en vue d’une productivité inclusive centrée sur les plus vulnérables.