Após deixar o Brasil abandonado por anos, Jair Bolsonaro resolveu tentar mostrar serviço criando um pacote de medidas pensado para forjar algum apoio popular que justifique seus anseios eleitoreiros às vésperas da campanha. Mas o seu despreparo para conduzir um país das dimensões do Brasil fica patente nas estatísticas que começam a aparecer depois do pouco que fez. Um levantamento divulgado pelo jornal Folha de S.Paulo mostra que, em metade dos municípios do país, há mais pessoas que recebem o Auxílio Brasil do que com carteira assinada. Sem oferta de empregos formais, sem nenhum aumento real de salário mínimo em 3,5 anos e com diminuição da massa salarial, é difícil trabalhar e construir os próprios sonhos.
Os dados são do Ministério da Cidadania e da Secretaria Especial do Trabalho e mostram como Jair é ruim de serviço. De 5.426 cidades analisadas, em 2.728 o Auxílio supera o emprego formal, o que corresponde a 50,3% do total. É nítido que, em um momento em que salário do mês não dá nem sequer para pagar uma cesta básica em alguns estados do país, qualquer dinheiro a mais na conta é um alívio. Mas sem uma rede de políticas públicas, sem uma economia que funcione e, pior, com data para o auxílio acabar, não há país que pare em pé.
O mapeamento feito pela Folha mostra que o problema atinge ainda mais as cidades menores: só 48 dos 326 municípios com no mínimo 100 mil habitantes têm mais famílias beneficiadas pelo Auxílio do que empregadas. A situação é observada principalmente no Nordeste, onde atinge 94% dos municípios, e no Norte, com 82,3%. No Sudeste, a taxa é de 30,9%. No Centro-Oeste, 28,7%, e no Sul, 12,9%.
O levantamento reforça que a situação é mais comum entre as cidades com menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. O número de empregados é inferior ao de famílias beneficiadas em 99,7% das cidades com o índice considerado baixo —menos de 0,550 na escala, que vai de 0 a 1. Ou seja, é justamente quem mais precisa que menos tem tido oportunidades.
Economistas consultados pelo jornal explicam que medidas apressadas garantem variação na taxa de desocupação neste primeiro semestre, mas a falta de oportunidades é algo palpável, e a queda na renda dos trabalhadores, uma realidade que só piora. Quando não tem comida na geladeira para dar de comer à família e o salário do mês mal dá para as contas, temos o tipo de situação dolorida e inaceitável que não tem sigilo de 100 anos que apague da nossa memória.
A questão é que dar auxílio não basta se não houver uma rede mínima que garanta às pessoas construir suas vidas com dignidade, direitos e, mais do que tudo, realizar seus sonhos. E é justamente essa visão míope que repete um erro antigo de governos passados: entender a desigualdade como algo “natural”, como se fosse normal excluir uma parcela importante da população de acessar direitos básicos. Não é.
Ao acabar com o Bolsa Família, Bolsonaro destruiu uma manta de políticas públicas que dava conta de garantir autonomia para o povo trilhar seu caminho sem depender de ninguém. Mudanças estruturais aconteciam e, enquanto isso, a inclusão acontecia em diversas frentes.
Usando o Nordeste como exemplo, a comparação é tão trágica quanto é gritante. Entre 2003 e 2013, o Nordeste teve índice de crescimento de 4,1% ao ano, enquanto o país ficou na marca de 3,3%, de acordo com o Banco Central. Só no ano de 2012, por exemplo, a economia local cresceu o triplo da brasileira. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), entre 2001 e 2012, o nordestino teve o maior ganho de renda entre todas as regiões, o que fez com a participação da base da pirâmide social caísse 66% para 45%.
As ações dos governos petistas para a região também geraram empregos. Em 2002, apenas cinco milhões de nordestinos tinham emprego formal. Já em 2013, esse número passou para quase nove milhões. É na área social que o crescimento do Nordeste mais se comprova. Em 2002, quando o presidente Lula foi eleito, mais de 21,4 milhões de nordestinos viviam em situação de pobreza. Em 2012, esse número caiu para 9,6 milhões, segundo estudo da Fundação Perseu Abramo, com base em dados do IBGE.
A pobreza, a fome, a falta de oportunidades são resultado de decisões e projetos de poder, um conjunto de injustiças que compõem um fenômeno multidimensional e que se relaciona com diversos outros. É partindo dessa mudança de pensamento que os governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff conseguiram atacar o problema da desigualdade, tirando 36 milhões de brasileiras e brasileiros da pobreza extrema.
Dentro dessa lógica os ex-presidentes, juntos, criaram mais de 20 milhões de empregos formais em todo o Brasil por um lado. De outro, criaram o MEI e o Simples Nacional, estimulando o empreendedorismo do povo brasileiro. Com a economia aquecida, o poder de compra subiu e, com ele, as vendas. Segundo estudo da FGV registrado em 2010, a “Era Lula” foi a melhor fase da economia brasileira nos últimos 30 anos. De 2003 a 2008, a indústria se expandiu, as vendas do comércio registraram alta e a geração de emprego e renda cresceu.
Cerca de 70% das famílias beneficiadas pelo programa estavam no mercado de trabalho e tinham o Bolsa Família como complemento da renda familiar. Porque política pública bem pensada é assim: cria oportunidades para as pessoas viverem bem e de cabeça erguida.
Ao longo de sua pífia carreira parlamentar, Bolsonaro sempre criticou o programa baseando-se na mentira de que as pessoas deixariam de trabalhar para receber o benefício. Despudoramente, é justamente isso que ele fez com suas medidas atropeladas para tapar o sol do seu descaso com a peneira.
Como nas mentiras que adora contar, o legado de Bolsonaro espelha aquilo que ele é: ruim de trabalho. Tanto é que não faz a menor ideia de como estimular a economia nem gerar empregos. Quando perguntaram sobre isso recentemente, disparou: ” Você tem que correr atrás. Eu não crio emprego.” Errado não está: emprego ele não cria mesmo.
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